É quando o óbvio precisa ser dito que ele é mais necessário.
Por Nerdbully e John Holland
Mas antes um pouco de contexto.
O quadrinista Rafael Marçal fez um excelente resumo em um post do Facebook, que reproduzo abaixo. Siga os links para você ficar plenamente inteirado.
Mais que isso, ele queria que tivesse agredido mais. Numa clara posição fascista querendo calar quem pensa diferente dele.
Os filhos do jornalista agredido são adotivos, ele é gay e o jornalista agressor achou de boa falar que os filhos dele deveriam voltar para o orfanato, pois seus pais não cuidavam direito deles por trabalhar demais e não ficarem em casa.
E o pai das crianças não agrediu ele. Só o chamou de covarde.
E foi agredido.
Ano passado alguns dos melhores quadrinistas do Brasil começaram um movimento dos Quadrinistas Antifascistas. Um movimento contra tentativas de censura, agressões e demais atitudes covardes contra a arte e a cultura.
Eu aderi, lógico. Pois sou contra a censura e contra agressões a quem quer que seja. Mesmo se falarem que eu não sou um bom pai, ficarei pistola de raiva, mas ainda serei contra agressão.
Porque agressão é coisa de covarde, né? Coisa de fascista. Coisa de quem envolve a família em ofensas e tals. Difamações buscando censurar os outros.
Pois tem um grupo de quadrinistas que se ofendeu com o movimento antifascista. Confesso que não conheço o trabalho de nenhum deles, só ouvi falar de um ou de outro sempre em contexto reacionário como agora. Eles plagiaram o logo dos Antifascistas e querem calar os quadrinistas que abordam assuntos políticos nos seus trabalhos.
Não sei se eles têm problemas cognitivos e não entenderam que ser contra fascismo é um mínimo de civilidade ou se só estão sendo covardes.
E todo fascista é covarde.
Retomando outro post, etimologicamente a palavra política vem de pólis, “cidade” em grego. Porém, uma outra acepção possível da palavra é “coletividade”. Portanto, de maneira muito ampla, podemos dizer que qualquer assunto que diz respeito à coletividade, à vida humana em grupo, é político.
Seguindo essa ampla definição, há uma longa tradição, que podemos chamar de maquiavelismo republicano, que vê a política como um jogo de forças que querem dominar e outras que não querem ser dominadas. Assim, podemos dizer que o conflito é inerente à política.
Porém não são todas as formas de governo em que o conflito é aceito. Por exemplo, se pensarmos em um Estado teocrático, como contestar o poder, se sua legitimidade vem de Deus? Ou mesmo em uma ditadura ou em um regime fascista, onde as divergências são tratadas como ameaças e os divergentes como inimigos? Nesses casos o conflito, que é inerente à política, é visto como uma ameaça.
Nas democracias o conflito é sua própria base. Conflito de ideias, de posições. O debate é o cerne da democracia, pois é na arena pública que se defendem as ideias, e, do conflito, emerge o melhor rumo para a coletividade – ainda que nunca, ou quase nunca, consensual.
Mas há momentos em que o conflito democrático se torna polarização, ou seja, quando as divergências para os rumos da coletividade são tão diferentes, tão antagônicas, que não há conciliação possível.
Estamos atravessando um momento de polarização, onde há uma tentativa de fazer a divergência e o divergente ser visto como inimigo, como se uma posição política diferente da minha devesse ser silenciada a qualquer custo, inclusive de maneira violenta. Assim pensam os fascistas.
Quer dizer que todas as opiniões políticas são igualmente válidas e devem ser respeitadas? Sim e não, conforme o paradoxo expresso por Karl Popper, desenhado abaixo.
Resumindo, se formos tolerantes com aqueles que pregam a intolerância, a tolerância deixará de existir. Se a saída for calar o adversário a qualquer custo, isso é fascismo. Tentar negar a polarização e pregar algo como “quadrinhos sem política” é, na melhor das hipóteses, tentar isentar-se da responsabilidade sobre o que está acontecendo.
Não há outro caminho senão a construção de consensos mínimos para que o debate democrático possa ser (re)estabelecido. Alguns desses consensos (observado o paradoxo de Popper) são:
- Qualquer regime autoritário deve ser rechaçado, seja ele de Direita ou de Esquerda;
2. Censura e tortura são inadmissíveis.
Agora, sem mais, nossa lista.
Action Comics #1 (1938)
Sabe qual era o vilão na primeira história do Superman? Um político corrupto. O gênero da superaventura nasce com uma história com alto teor político.
Captain America #1 (1941)
Não há como negar que um homem vestido com a bandeira dos Estados Unidos esmurrando Hitler na capa de uma revista não é político.
X-Men #1 (1963)
Uma minoria lutando pelos seus direitos. Dois líderes dessas minorias disputando o modo de conquistá-los, pela conciliação (Professor Xavier) ou pela violência (Magneto). Isso não é político?
Lanterna Verde e Arqueiro Verde (fase Hard Traveling Heroes) (1970)
Desde sempre acontecem diversos encontros nos quadrinhos. Não foi diferente com a dupla verde mais famosa da DC Comics, Arqueiro Verde e Lanterna Verde na fase de Denny O’Neil e Neal Adams. A HQ desde o início apresenta um incisivo discurso político, onde a dupla esmeralda parte em uma viagem pelos EUA, descobrindo os problemas sociais e políticos do país. Um exemplo acontece na primeira história, em que o Lanterna Verde prende um rapaz por ter empurrado um homem mais velho. Logo em seguida o Arqueiro Verde explica que o rapaz se exaltou, pois ele cuida da avó de 80 anos que depende dele, e o homem está tentando despejar todos daquele prédio para transformar em um estacionamento, pois o lucro é maior.O Lanterna Verde diz que entende a dificuldade da situação, mas está apenas cumprindo ordens. Depois disso o Arqueiro Verde responde: “Eu já ouvi isso… Quando os criminosos nazistas foram julgados.”
O Cavaleiro das Trevas (1986)
Você pode ler uma extensa análise sobre a dimensão política da obra aqui.
Watchmen (1986-1987)
A decadência dos super-heróis. Essa é uma das principais descrições simplificadas do mundo de Alan Moore e Dave Gibbons, porém esse pequeno pretexto que é a narrativa iniciada pela morte do Comediante e a caçada de Rorscharch em busca do assassino de mascarados é jogado em outro nível com discussões sobre a política mundial envolvendo a Guerra do Vietnã, Richard Nixon e o final da história com o que teria sido o fim da Guerra Fria. A política é inerente a Watchmen e foi exatamente isso que tornou o quadrinho o sucesso instantâneo que discutiu anseios e tocou na ferida de temas políticos tão desesperadores em sua época.
Justiceiro (2004-2009)
Garth Ennis comenta em um texto de introdução da coleção Justiceiro Max que foi o 11 de Setembro o motivo de ter escrito essa fase do personagem, considerada por muitos a melhor. Esse Justiceiro é sério, amargurado, um personagem que discute desde sua minissérie introdutória (Born) a guerra do Vietnã e seu amargurado fim. Nesse ponto criando inclusive um paralelo com outro personagem completamente político da Marvel, o Capitão América. Enquanto a sentinela da liberdade possui um final heroico e glorioso na guerra, Frank Castle voltou destruído e derrotado.
Ennis por aproximadamente 60 edições utiliza o Justiceiro para discutir diversos aspectos políticos e finalmente deu novas camadas para o personagem, criando sua versão definitiva, a partir de histórias maduras que demonstram como Frank Castle é a falha do sistema e não a consagração da violência e desumanidade.
Guerra Civil (2006-2007)
Escrevemos um livro sobre as implicações políticas da saga.
Planeta Hulk (2006-2007)
Em uma Guerra Civil é óbvio que o lado que o Hulk estaria em vantagem. Por sorte a equipe editorial da Marvel pensou uma forma engenhosa de tirar o Gigante Esmeralda da briga, exilando-o no espaço.
A nave de Hulk saiu da rota estipulada por quem o degredou e ele acabou caindo em Sakaar, um planeta hostil que escravizava boa parte de sua população, tanto para trabalhos, quanto para lutar em arenas.
Felizmente, Greg Pak, formado em ciência política pela universidade de Yale, foi o escolhido para escrever a história e transformar o personagem em uma espécie de Espártaco. Hulk, depois de escravizado, obrigado a lutar e ver diversas tragédias, consegue, com uma ajuda do Surfista Prateado, derrubar o rei escravagista e inicia um modo mais justo de governar. Em Sakaar só faltava diálogo e uma política menos agressiva e opressora para criar um lugar de bem-estar e harmonia para a população.
Para terminar, abaixo temos um exemplo de quadrinho sem política. Ideia genial de Samuel Sajo.
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