Quando você não é o público-alvo

Quando você não é o público-alvo deve se fazer algumas perguntas.

Você foi ao cinema e não gostou do que viu? Assistiu uma temporada inteira de uma série e, pensando bem, ela é bem fraquinha? Abriu mão de cerca de 3 pizzas para comprar aquele encadernado de gibi e não entendeu até agora porque seus amigos acham tão bom?

Hein, Picareta P?

Olha, eu odeio trazer más notícias, mas talvez você não fosse o público-alvo daquela obra desde o começo.

Eu sei. É duro aceitar.

Pára de me xingar.

Respire.

Isso. Calma. Muito bem.

Viu? Somos maduros quando queremos. Agora pensa comigo.

Quando você não é o público-alvo, você deve se perguntar, “isso foi feito pra mim?”

Por exemplo, como explicar alguém acampado por dias na fila do show do Justin Bieber?!?

Até o Google se recusou a buscar uma imagem do “artista”

O logradouro de 2/6 dos Quadrinheiros, por acaso, fica próximo de onde o concerto do “cantor” canadense vai acontecer daqui a cerca de uma semana, em São Paulo. Não apenas poucos dias, foram semanas cruzando com a fila de pimpolhos subtraídos de sensatez, chuveiro, desodorante ou qualquer parâmetro de bom gosto. Certo?

Em verdade vos digo, há quem tenha feito a mesma coisa pelo Kiss. Ou pelo Twisted Sister. Quiçá Jon Bon Jovi. Ou até os Menudos.

O ponto é: tudo tem um sentido num certo momento e só naquele momento, para nunca mais se repetir.

Quando você não é o público-alvo, você deve se perguntar, “por que alguém gostaria disso?”

Convenhamos, nenhum de nós foi um adolescente particularmente brilhante. Ao contrário. Foram as péssimas escolhas para música, quadrinhos e cinema que o levaram a fixar referenciais de comparação. São décadas de muito lixo cultural para enxergar com precisão a composição dos “dejetos” que nos rodeiam. E se você se permitir olhar, há uma beleza refinada até no mais execrável dos substratos culturais.

Warhol escancarou pra quem quis ver

Você já viu Star Wars Rebels? É um desenho para crianças. Ambientado no universo de Star Wars. Na linha temporal da saga, fica entre o Episódio III e IV, pouco antes de Rogue One. Se você tem de 25 a 30 anos é nada mais que “ok”, “esquecível”. Aí tem um episódio desse:

Tem umas regras por aqui. Não posso dar spoilers. Mas o episódio Twin Suns (S3, ep 19) é, na falta de termo melhor, solene. Complexo, delicado, profundo. Sabedoria em forma de desenho para crianças. Algo para se ver e relembrar por anos a fio.

O ponto é: tudo tem um sentido num certo momento e você pode encontrar novos sentidos em velhas coisas se olhar para elas com atenção e mente aberta.

Quando você não é o público-alvo, você deve se perguntar, “qual era o objetivo?”

Nem sempre uma obra-prima nasce com essa meta. Discorde se quiser, mas acho que as obras mais memoráveis foram resultado de muito improviso e pouca pretensão. A Bruxa de Blair. Star Wars – Uma Nova Esperança. Watchmen (o quadrinho, que era pra ter 6 volumes invés de 12, e não o filme).

Na contramão, muita coisa que deveria ocupar o lugar de honra no museu dos grandes feitos da humanidade levou muita gente à falência ou – coisa pior – o desprezo de quem mais deveria gostar.

Caso em questão, o filme Batman vs Superman. Sim, já falamos por aqui. Houve opiniões dissonantes na casa. Passado quase um ano, os defensores do filme evocam o sucesso comercial, que é indiscutível. Me pergunto se alguma coisa que tenha o nome de Superman ou Batman alguma vez tenha dado prejuízo. Era uma aposta certa e o lucro garantido. Por outro lado, nós (eu) que criticamos ainda estamos todos nos recuperando dessa chaga.

Estúdio contente. Diretor famosão. Molecada vibrando e comprando brinquedos. O que é fracasso?

O ponto é: tudo tem um sentido para um certo número de pessoas, com razões que você talvez não queria aceitar, mas que, indubitavelmente, são verdade.

Quando você não é o público-alvo, você deve se perguntar, “o que é público-alvo”?

Como sabiamente pontuou o John H., hoje em dia somos um empilhamento de sequências de dados diferentes. Somos classificados em infinitas categorias nos diferentes aspectos que caracterizam nossa vida a partir de dados razoavelmente constantes. Seu número de chamada. Sua contagem de glóbulos brancos. Sua pressão. Seu RG. CPF. Seu número de celular. Sua renda. Seus padrões de consumo de gibi. Somos dados cumulativos de estatísticas usadas para fins que talvez jamais tenhamos ciência.

“Na realidade não existe ‘imposto de renda'”

E do ponto de vista de quem produz bens culturais, estes mapas são mais fáceis de enxergar do que a maioria dos comentários de internet.

Talvez você não vá assistir o novo filme da Liga da Justiça porque avalia que o filme pode desviar muito dos quadrinhos da Era de Prata e de Bronze. No entanto, o número de ofertas para financiamento de um carro ou para uma casa chegando no seu e-mail tem aumentado nos últimos anos. Gozado né?

O ponto é: esses dados acumulados têm um sentido para um certo número de pessoas, que vão tomar decisões de incluir você em um bolsão de investimento ou outro, sendo a única diferença o quanto você se debate contra isso ou não.

Quando você não é o público-alvo, você deve se perguntar, eu estou sendo mala?

Sabe, não somos uma espécie notavelmente gentil. Há exceções. O John Lennon. O Gandhi. O Louis Armstrong. Freddy Mercury (músicos são bons em elevar o capital da raça, não?) e as avós. Mas basta uma fechada no trânsito, o time perder, o vizinho aumentar o som, ou até um “bom dia” meio atravessado pra mandar tudo pro caraleo e declarar a guerra de todos contra todos.

O verdadeiro Tyler Durden

Curiosamente o mesmo acontece em se tratando de quadrinhos, filmes e quejandos. Já ouvimos xingamentos que fariam escrivão da polícia corar de vergonha. O que faz perguntar: as pessoas malas estão sendo malas só naquele tópico ou são malas também fora do horário comercial?

Os Novos 52 sempre pareceram uma balela pra você? Bom quadrinho é só do Grant Morrison? Depois do Alan Moore não existem mais novas histórias? Ora, talvez seja tudo verdade. Mas não quer dizer que não existam mais caminhos para percorrer.

O ponto é: tudo tem um sentido num certo momento, mas o que está além daquele sentido naquele momento não compromete ou impede qualquer coisa que venha a acontecer depois.

 

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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9 respostas para Quando você não é o público-alvo

  1. WagnerRSousa disse:

    Isso me fez refletir sobre. Irei salvar e ler sempre que possível. Obrigado.

    • Velho Quadrinheiro disse:

      Então, eu acho que tudo se resume à “por que será que eu acho isso?”, mas não dá pra fazer post de uma linha.
      Que bom que vc curtiu! Abraços!

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