Quais quadrinhos querem os millennials?

Mimados, depressivos, inconformados, pragmáticos. Quem são e o que querem as gerações Y e Z, e o que os quadrinhos têm a ver com isso?

Criar produtos para uma nova geração de leitores é um desafio, especialmente para uma velha geração de escritores. No caso das histórias em quadrinhos, mesmo que a essência de uma narrativa seja universal, os personagens, as situações e as motivações derivam de um contexto. Quando o produto cultural é destinado a um público específico, entender esse contexto é fundamental.

Uma das formas de saber mais sobre a cabeça do leitor de quadrinhos (ou de um consumidor de qualquer tipo de produto) em um determinado momento histórico é através do conceito de gerações. Essa categorização é muito usada pelas ciências sociais e pelo marketing para encontrar padrões nas relações de causa e efeito entre determinadas populações que vivenciam eventos significativos em um dado momento.

Nesse início de século as duas gerações que disputam a atenção das mídias e dos produtos culturais são a Geração Y (pessoas nascidas entre o final da década de 70 e o início dos anos 90), e a Geração Z (pessoas nascidas entre meados dos anos 90 até 2014 aproximadamente). Por causa da proximidade dessas datas com o final do milênio, essas duas gerações são conhecidas como millennials, mas existe uma diferença essencial entre elas. Enquanto os parâmetros que definem a Geração Y são mais ligados à população e à cultura norte americanas, a Geração Z é mais global (diversa), e isso se explica pelo avanço da tecnologia e pelo aumento na velocidade e acesso a informação.

ms-marveljpg-e14f17_1280wG. Willow Wilson, a roteirista responsável pela criação da personagem Miss Marvel / Kamala Khan, fala positivamente sobre seu público-alvo nesse vídeo (abaixo). Ela explica que os contextos históricos mudam a percepção das gerações que se sucedem e por isso os sonhos, ansiedades e soluções são diferentes. Para as novas gerações existem dúvidas e certezas novas que forjam uma visão de mundo e isso impacta tudo. Principalmente a cultura.

Os três pontos que caracterizam os millennials, segundo Willow, são o fatalismo apocalíptico, a desconfiança em relação as gerações anteriores e a necessidade de causar impacto imediato no mundo. A profusão de narrativas com cenários de desolação e sobrevivência como The Walking Dead, The Last of Us e Eu sou a Lenda são explicados pelo fato dos millennials terem crescido ouvindo que já não dá mais tempo de reverter os problemas que causamos ao planeta, e portanto vamos ter que conviver com as consequências. Narrativas distópicas como Divergente e Jogos Vorazes mostram o conflito entre as gerações e a percepção dos millennials de que não é possível mudar o sistema por dentro, é preciso criar um novo sistema. A autora acredita que essa geração não idealiza o futuro, mas busca soluções realistas, mesmo que sejam difíceis.

Sobre a necessidade de fazer a diferença no mundo, o professor de comunicação estratégica e especialista em liderança, Simon Sinek, faz uma análise menos positiva. Para ele os millennials são mimados, incapazes de estabelecer relações significativas, dependentes e impacientes.

Essa geração acredita menos no valor da hierarquia inflexível e na rigidez de normas e procedimentos e pensa mais em como alcançar seus sonhos de uma forma individual em vez de conquistá-los via empresa, como ocorreu na geração anterior. Apesar da inabilidade social, essa nova geração está forçando o mundo do trabalho a mudar e repensar seus valores e objetivos.

Para Willow esse protagonismo, esse senso de propósito e a percepção de que é possível e desejável mudar tudo para criar o próprio destino são as características dos personagens e das narrativas que vão cativar os millennials. É preciso dizer que existem  diferenças entre as gerações Y e Z (já se classificam os Y como millennials e os Z como centennials), e que com o passar do tempo o mercado de determinados produtos culturais vai dar mais importância para a geração mais recente e  por isso vai adaptar seus conteúdos. Esse movimento de diversidade e representação nos quadrinhos é um dos efeitos desse processo que é inevitável.

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Pressionar o sistema (via redes sociais) ou criar alternativas a ele (via organizações como Black Lives Matter, etc) são um dos traços mais distintos dessa nova geração. Essa mobilização política é o que explica as mudanças no quadrinhos das grandes editoras, nos filmes, nas séries de TV. O campo de batalha desses jovens é a cultura, e não a política partidária, os lobbys e as corporações. Diante de problemas sérios e delicados como o bullying, o estupro e o abuso de substância tóxicas que levam ao suicídio de adolescentes, os millennials não querem somente políticas públicas ou mudanças no sistema judicial. Eles criam uma série de TV que expõe o problema e estimula o diálogo (13 Reasosns Why – produzido pela cantora Selena Gomez de 24 anos).

Nós da Geração X precisamos reconhecer que os millennials são a bola da vez, nos unirmos a eles nessa batalha por um mundo mais justo e ajudá-los a encontrar o equilíbrio entre inconformismo e desespero. Temos muito o que aprender com eles.

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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6 respostas para Quais quadrinhos querem os millennials?

  1. Wellington Kling disse:

    Só uma correção ali no final, a série foi produzida pela Selena Gomez, não pela Vanessa Hudgens.

  2. Lair Amaro disse:

    Texto muito bom. Vários pontos para discussão e uns poucos que não me pareceram corretos. “Eu sou a lenda” é uma refilmagem e, portanto, originária de um outro contexto generacional. Ou, por outro lado, a geração que o viu em sua versão original era similar à atual?

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