The Black Monday Murders: dinheiro e sangue

Economia e ocultismo nesse quadrinho de Jonathan Hickman!

A anedota que explica (e não explica) a trama desse comics é a que conta a diferença entre Judas e Pedro, os dois apóstolos de Jesus que o traíram – cada um a seu modo.  Judas ficou marcado na história como o traidor. Pedro que negou por três vezes conhecer seu mestre passou para história como aquele que edificou a Igreja. A diferença entre eles é o dinheiro. Judas trocou sua lealdade por moedas e por isso pagou com a vida.

Essa é apenas uma das muitas sacadas do genial roteirista Jonathan Hickman nessa história sobre a relação das forças econômicas com a magia. Partindo de eventos históricos reais como as quebras da bolsa de valores de 1907, 1929, 1987 e 2008, do mercado especulativo global sem regulação, da concentração de renda na mão de algumas poucas famílias (os 1% mais ricos), Hickman vai amarrando mitos pagãos, mística judaico-cristã, vudu e magia negra.

Captura de Tela 2018-04-19 às 09.46.49A primeira edição começa no momento da quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, que teve consequências para o mundo todo, mas especialmente para os Estados Unidos. Uma das histórias recorrentes que retratam o desespero daquele momento são relatos de banqueiros e investidores que se suicidaram se atirando das janelas de seus escritórios. Hickman reinterpreta esses suicídios e dá outra explicação para eles. Existem forças obscuras por trás dessas mortes.

Outra boa sacada é usar ideias alimentadas por teorias da conspiração como a de um grupo de famílias (por exemplo os Rothschilds), que se revezam numa organização secreta que controla os fluxos de dinheiro no mundo. Hickman traça uma linha que liga a nomisma (moeda de ouro do Império Bizantino) e a sua substituta, a hyperpyron (que já não era de ouro, e portanto transformou o dinheiro em uma ideia, e não mais em uma matéria de valor físico), até os papas católicos do renascimento que consolidaram o poder econômico, desembocando nos banqueiros J.P. Morgan e Goldman Sachs.

Captura de Tela 2018-04-19 às 11.12.26O debate sobre a relação entre ética e dinheiro permeia toda a narrativa. Para Aristóteles, por exemplo, embora não exista nenhuma diferença material (moeda é sempre moeda), o dinheiro usado como instrumento de troca de mercadorias entre indivíduos é algo virtuoso, pois serve a uma finalidade humana. Já quando deixa de ser um meio e passa a ser um fim (o dinheiro como produtor de mais dinheiro), ele não tem finalidade alguma e por isso seria negativo. Essa análise do filósofo sobre as relações econômicas, que mais tarde influenciaram a crítica marxista ao capitalismo, são lançadas na narrativa para mostrar as diferentes perspectivas humanas sobre o capital.

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Com roteiros densos, recheados de relatórios secretos, documentos e atas de reuniões, (cada edição tem mais de 50 páginas), a história segue a investigação de um crime que envolve um dos descendentes dessas famílias influentes. A série começou a ser publicada em 2016 e depois de 2 anos tem só 8 edições. Hickman é detalhista e escreve muitas histórias ao mesmo tempo para diferentes editoras. A Image Comics dá esse espaço para que as narrativas autorais tenham seu próprio ritmo e quem ganha com isso é o público, que tem mais páginas para absorver o mundo intricado e complexo que o autor elaborou, e mais tempo para digerir o material.

Os desenhos de Tomm Coker (Demolidor Noir) são bastante realistas (a impressão que dá é que ele usa fotografias como base para as ilustrações), mas o diferencial é o tratamento de arte final e cor de Michael Garland que dão o tom sombrio, urbano e dramático para a série.

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The Black Monday Murders tem muitos elementos que dialogam com os anseios do público leitor. Num momento em que as gerações Y e Z são menos prósperas que seus pais e avós, que se acentua a concentração de renda na mão de poucos ao mesmo tempo que a produção de riqueza ultrapassa qualquer outro momento da história humana, a crise de valores leva alguns analistas de conjuntura a se perguntarem – será o fim do capitalismo?

Para quem gosta de economia, ou para quem critica o capitalismo, para quem curte teoria da conspiração ou curte referências históricas em obras de ficção, mas principalmente para quem gosta de uma boa trama densa, com ótimas reviravoltas, eu recomendo!

 

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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8 respostas para The Black Monday Murders: dinheiro e sangue

  1. Lair Amaro disse:

    Está a venda no Brasil?

  2. Taí um título interessante, mas que dificilmente será publicado por aqui!

  3. valeu pela indicação da hq através de seu texto!!!

  4. Quadrinho interessante, o texto fez me remeter algo tipo as histórias de Jamie Delano em HellBlazer!

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