Os 25 anos do livro Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud

SMHá 25 anos o livro de Scott McCloud dissecava uma linguagem que estava se expandindo e ganhando público.

Existe uma condição congênita conhecida como Doença de Stargardt que causa a morte das células fotorreceptoras da região central da retina, mas não afeta a visão periférica. Os portadores dessa condição conseguem perceber profundidade (a relação de distancia entre os objetos no nosso campo de visão), mesmo sem poder somar a imagem produzida por cada olho. Isso acontece porque a noção de profundidade também se constrói pela percepção da velocidade com que os objetos passam pela nossa visão periférica.

Essas observações foram feitas por Scott McCloud em uma entrevista recente para o (sempre excelente) podcast 99% Invisible. O pai (já falecido) e a filha de McCloud são portadores dessa doença. A convivência tão próxima com pessoas com uma percepção visual tão distinta é um dos motivos pelos quais o autor e teórico das histórias em quadrinhos se interessa tanto pelos limites e possibilidades das imagens na comunicação.

81KvwPSklzLO seu livro Desvendando os Quadrinhos, que completa 25 anos agora em 2018, é um divisor de águas na análise da linguagem dos quadrinhos. McCloud usou essa mesma linguagem para decodificar os aspectos estruturais de uma arte que ainda hoje é considerada marginal, mas que avançou muito.

Alguns anos antes do livro, histórias como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen e MAUS revolucionaram os comics e preparam o cenário para coisas como The Sandman e o selo Vertigo (que foi fundado em 1993, mesmo ano do lançamento do livro de McCloud). O livro não é apenas uma análise que mostra a mecânica dessa forma de expressão, é antes uma declaração de amor a 9ª Arte que abre novos caminhos para os quadrinhos.

Aqui estão algumas das principais ideias e observações de McCloud sobre os quadrinhos:

  • Cada quadro é a escolha de um momento no tempo. Qualquer narrativa pode ser dividida de maneira infinita (teoricamente ). Um artista pode optar por esticar alguns segundos de atividade em dezenas (ou milhares) de painéis incrementais. No outro extremo, alguém pode fazer uma seqüência de dois painéis que mostra a história do universo, começando com o Big Bang e (talvez) terminando com o Big Crunch.

 

  • O enquadramento da cena define quão próximo ou distante está o espectador, se ele verá a partir de uma visão de panorâmica, ou de zoom. Assim como no cinema, essa proximidade ou distancia vai definir a relação do espectador com o objeto ou o personagem.

 

  • Alguns elementos como o balão de fala, por exemplo, são decisões de design que evoluíram com o tempo. São a solução encontrada para resolver uma certa necessidade de comunicação. Hoje nos mangás, uma enorme gota de suor desenhada ao lado do rosto do personagem representa um determinado estado mental, mas esse grafismo evoluiu até esse ponto partindo de gotas de suor mais realistas. É como uma língua que vai incorporando novas gírias.

 

  • Uma página de quadrinhos apresenta ao mesmo tempo o passado, o presente e o futuro da narrativa. O quadro que tem a atenção do leitor é o presente, mas o campo de visão abarca tudo ao mesmo tempo. Por isso o autor pode costurar ligações entre momentos diferentes (trabalhando a simetria da página ou o esquema de cores por exemplo) para agregar camadas de significado à narrativa.

 

  • O espaço de transição de um quadro para outro também indica passagem de tempo. Diversos recursos narrativos se apresentam entre o que é representado em um quadro e o desenho no quadro seguinte.

 

mccloud_transitions

McCloud segue analisando e arriscando extrair o significado das diferenças nos traços, na representação mais realista ou mais esquemática de pessoas e objetos, no uso das cores, entre outros aspectos.

Para nós que temos todas as células fotorreceptoras funcionando, presenciar um cego de óculos escuros e uma bengala andando rápido e com destreza por uma calçada movimentada, parece fraude. Com os quadrinhos dá-se o mesmo. Quem olha de fora não entende todas as possibilidades e peculiaridades dessa linguagem e por isso a desdenha. McCloud entende que é preciso compreender a fundo para legitimar aquilo que não se compreende totalmente.

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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3 respostas para Os 25 anos do livro Desvendando os Quadrinhos de Scott McCloud

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