Se você quiser ir além do entretenimento.
O filme do Pantera Negra provocou discussões que vão muito além do mero entretenimento. Ainda que existam pessoas que insistam na (limitada) tese de que entretenimento é mera diversão e que as discussões que extrapolem essa esfera são inúteis, aqui nos Quadrinheiros sabemos que uma obra de arte é tão limitada ou profunda quanto seu público.
Dito de outro modo, se você vir no Pantera Negra apenas mais um filme de super-herói, mais um blockbuster despretensioso e ignorar as discussões sobre representatividade, o isolacionismo de Wakanda representado por todos os soberanos antes de T’Challa, o discurso revolucionário/belicista de Killmonger, entre entras questões, tudo bem. Mas desconfio que os leitores de nosso blog não costumam fazer essa escolha.
Então, se você viu e gostou do filme e quer entender melhor todas as discussões que ele trouxe, aqui estão quatro textos comentados para expandir sua leitura sobre o filme. Spoilers adiante.
Dois Panteras Negras, de Slavoj Žižek
O filósofo e psicanalista esloveno que mais adora dar pitacos em blockbusters. Já o fez com a trilogia do Batman de Chris Nolan, e agora chegou a vez da Marvel. Žižek continua brilhante em sua análise, porém, como sempre, equivocado.
Em seu texto, a tese principal é a de que Killmonger é o verdadeiro herói do filme, assim como Bane seria o herói do último filme da trilogia de Nolan. Ele representaria um líder revolucionário que remeteria ao histórico movimento dos Panteras Negras, que poderia utilizar a tecnologia de Wakanda para uma revolução mundial de oprimidos, destruindo o capitalismo global.
Diz Žižek que o vilão “advoga uma solidariedade global militante e defende que Wakanda deveria colocar sua riqueza, seu conhecimento e seu poder à disposição dos oprimidos de todo o mundo para que eles possam derrubar a ordem mundial existente”. Mas se esquece das palavras do próprio vilão no filme quando diz que sonha com um mundo onde “o Sol nunca se ponha no império de Wakanda”.
Portanto, Killmonger não almeja uma revolução de oprimidos como quer Žižek, mas sim uma dominação global de Wakanda sobre outros países.
Apesar dos equívocos próprios à Žižek, que tem por hábito selecionar somente aquilo que interessa para provar sua tese, ignorando tudo o que a contradiz, o texto vale a leitura para levantar as questões e problematizar o filme sob esses e outros aspectos, como a representação feminina no filme e a cultura de Wakanda.
Black Panther as an empty container, de Duane Rouselle
Texto em que o autor elenca as razões que aproximam T’Challa tanto de uma visão de direita e Killmonger da esquerda.
Para os que querem ver T’Challa como um líder de direita, ele pode ser visto como um isolacionista, nacionalista, que tem orgulho da cultura homogênea de Wakanda e tem uma postura anti-globalista.
Já Killmonger seria um líder de esquerda que apoiaria uma revolução mundial, basicamente a mesma tese de Žižek, que, como vimos, é equivocada.
Duas ressalvas podem ser feitas.
1) A cultura de Wakanda não é homogênea, como provam as diferentes tribos mostradas no filme. 2) T’Challa muda sua postura no final no filme, sendo seu discurso na ONU na cena prós-créditos o resumo perfeito da mudança de sua mentalidade. Então, na melhor das hipóteses, o Pantera Negra era um líder de direita que repensou sua postura política, adotando uma posição que poderíamos chamar de centro-esquerda.
‘Black Panther’ Is Not the Movie We Deserve, de Christopher Lebron
Outro texto que retoma a dualidade entre as posturas de T’Challa e Killmonger, mas muito melhor embasado que os anteriores. Critica especialmente a solução encontrada por T’Challa para conciliar seu isolacionismo com a postura globalista de Killmonger e também de Nakia: programas educacionais. O autor ainda cita nosso célebre Paulo Freire reconhecendo a importância emancipadora da educação, mas diz que isso não é suficiente.
The Liberating Visions of Black Panther, de Jonathan W. Gray
Texto que marca a influência de Frantz Fanon no filme, pensador que “influenciou diversos movimentos políticos e teóricos na África e diáspora africana e segue reverberando em nossos dias como referência obrigatória nos os estudos culturais e pós-coloniais”.
*
Seja você adepto da visão limitada ou alguém que queira expandir seus horizontes, é inegável que o filme suscita as mais diversas discussões, e isso já prova seu mérito, mais que qualquer número estratosférico de bilheteria.
Obrigado pelas indicações. Lerei todas.
Legal, Lair. Se puder depois volte aqui e diga o que achou dos textos. Abraço.
Como sempre são os textos dos quadrinheiros, ótimo, embasado e de leitura suave.
Obrigado, Jorge. Abraço.
Um tanto quanto fora de foco (mas ainda dentro da inspiração cultural que o Pantera é), notou no teaser do Luke Cage o quanto o personagem parece mais sem amarras, falando girias e tudo mais, como é característico nos quadrinhos, diferente do bobão que foi na primeira temporada? Terá sido o filme do Pantera um farol para que não tenham medo de adaptar os personagens como eles de fato são, sem medo da recepção? Ainda sobre o Cage, acharia sensacional ele aparecendo em uma das cenas finais do Pantera, quando ele tá ali pelo gueto. Pena que por divisas da própria Marvel (que vende uma visão unida em excesso, quando na prática não é) impede algo assim.
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“um mundo onde o Sol nunca se ponha no império de Wakanda” em que momento killmonger diz isso?
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