O autor de Transmetropolitan, Warren Ellis, descende da British Invasion, momento no qual os quadrinhos mainstream dos EUA foram “invadidos” por autores ingleses com roteiros inovadores e densos, cujos maiores expoentes são Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison.
Trazendo uma nova perspectiva para os quadrinhos de super-heróis, Ellis já tinha trabalhado em Doutor Destino 2099, Gen 13, e o aclamado Authority. Mas parece que o mundo dos supers tornou-se limitado para as ideias que estavam em sua cabeça. Nas palavras do próprio: “Não há muitos quadrinhos que refletem o fato de que eu vivo em uma sociedade multicultural com uma rede de comunicação em escala global, nem que refletem o fato de que eu não uso uma cueca do Superman”. E então veio Transmetropolitan, que chegou a ser o quadrinho mais vendido à época fora do mundo dos supers.
Na trama vemos o mundo em um futuro distópico com as lentes do jornalista e protagonista da história, Spider Jerusalém, que começa a trama voltando de um exílio auto-imposto de cinco anos e tendo que se adequar novamente a uma civilização decadente.
Temos o primeiro conflito: Spider, um ser pensante, consciente e crítico contra uma massa de pessoas alienadas e anestesiadas pelas comodidades da vida ultra-moderna do futuro. Esse conflito se expande em vários níveis durante a história.
Spider Jerusalém
Um desdobramento interessante entre o indivíduo consciente e a massa alienada gira em torno da questão da opinião pública abordada no primeiro arco de De volta às ruas. Afinal, o que é a tão falada opinião pública? Duas respostas: 1. a opinião publicada de um indivíduo que tem o poder de esclarecer as massas; 2. a opinião publicada que tem o poder de manipular as massas. Aliás, essa é uma das crenças de Ellis, a de que a Verdade existe e não deve ser relativizada. Por isso a profissão do protagonista é essencial para a trama. Uma perspectiva até certo ponto inocente, como se um único indivíduo dotado de consciência pudesse, pelo fato de simplesmente dizer a verdade, fazer brotar algo como a “consciência” nas massas.
No arco O Ano do Bastardo esse conflito é contextualizado nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Assim como Toqueville, Ellis vê na democracia seu potencial liberal, mas também tirânico. O povo se vê obrigado a escolher entre um fascista e um liberal sem ética. E, no meio de tudo isso, Spider tentando encontrar e mostrar “a verdade” para esclarecer as massas, legítimo porta-voz já elevado à figura de celebridade de uma classe social chamada de “nova escória”.
Como se pode notar o futuro distópico criado por Ellis não está tão distante do nosso presente, ele é uma ferramenta para examinar a nossa realidade. Nesse sentido Transmetropolitan é menos uma ficção científica que social. O autor pega vários elementos do cotidiano das megalópoles no que têm de mais bizarro e escancara para o leitor. Como quando Spider cobre uma Convenção de Novos Movimentos Religiosos (com direito a uma placa Seja Curado Aqui), ou quando visita Reservas Culturais – locais onde determinadas pessoas VIVEM em uma determinada cultura sem nenhum tipo de acesso ao exterior ou mesmo ao se deparar com alguns estudantes que detonam uma “bomba de informação”, criando uma “zona livre de tecnologia” esperando que com isso as pessoas voltem a ser mais humanas, tentativa que obviamente fracassa. Se para criticar o presente Ellis não idealiza o futuro tampouco o faz com o passado.
A lição de Transmetropolitan é que se o mundo não é perfeito ele também não está condenado. Ele pode ser melhor. E as pessoas que podem torná-lo melhor são aquelas que buscam a Verdade e a expõe contra todo o Sistema.
Ao ver a nossa própria realidade transfigurada, alterada – apresentada muitas vezes no tom da sátira – é impossível voltar a ver o mundo da mesma maneira: sua perspectiva já estará alterada pelas palavras de Spider Jersusalém.
Se quiser saber mais sobre essa obra-prima da Vertigo, no vídeo abaixo nos damos mais detalhes (quase sem spoilers):
Nota: vocês podem ler a entrevista citada de Warren Ellis no original em inglês aqui.
Faço questão de dizer em palavras que é uma ótima HQ
Vale citar que Warren Ellis usou algumas características do jornalista Hunter S. Thompson na criação do personagem.
http://en.wikipedia.org/wiki/Hunter_S._Thompson
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Sem duvida, um dos melhores quadrinhos de todos os tempos! Até me espanto por não ter o reconhecimento que merece.
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