O Príncipe e Transmetropolitan em 2018

Como Maquiavel e Warren Ellis podem abrir nossa mente para as eleições?

São inúmeras as obras de ficção que se dedicam de alguma forma a discutir política. Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) e 1984 (George Orwell), por exemplo, discutem a influência do Estado na vida do indivíduo.  Transmetropolitan (Warren Ellis e Darick Robertson) dispõe parte de sua discussão em fazer o contrário, discute a influência do indivíduo no Estado, dialogando com um clássico do pensamento político, O Príncipe, de Maquiavel*.

O ano de 2018 está sendo marcado por uma eleição que é um reflexo claro dos últimos “principados” do Brasil e, em  especial, pela procura de um novo governante.

Nicolau Maquiavel escreveu o que seria o guia definitivo de um governante, de um príncipe. O livro foi escrito em um contexto diferente, em 1532, em um ambiente político marcado por monarquias fratricidas, com disputas de poder mais sangrentas do que hoje. Apesar das diferenças, grande parte do que é discutido no livro pode ajudar a entender nosso contexto, principalmente quando refere-se ao povo e a seu controle.

Observando parte dos eleitores e das discussões políticas do povo, parece haver uma confusão sobre o papel do presidente. A impressão que fica é de que não estamos elegendo um presidente, mas um novo e carismático príncipe para governar a nação nos próximos quatro anos.

O desejo cego e impensado por mudança cria uma polarização radical e violenta entre quem se presta a discutir as eleições. Ofuscados pelo anseio, o debate morre e a violência do século 16 reergue-se. Xingamentos, espancamentos e atentados tomam espaço em um momento que deveria ser de reflexão, serenidade e debate para contribuirmos de forma consciente ao país.

O Brasil teve uma conturbada história política no século 20, onde passamos por duas ditaduras, entre 1937 e 1945 no governo de Getúlio Vargas e entre 1964 e 1985 no governo militar, um duro golpe em nossa história que deixará sequelas nas vidas de muitos brasileiros e de nossa democracia. O estudo da História permite observar nossas experiências passadas e, em um país como o Brasil, perceber onde ideias autoritárias, simplistas, violentas e intolerantes podem nos conduzir.

“Um homem sábio sempre procura seguir os caminhos dos grandes homens e imitar os exímios, pois, se ele não conseguir chegar até onde foram os outros, ao menos tirará algum proveito disso”, diz Maquiavel.

Parafraseando, além de observar a história é necessário compreender corretamente o que aconteceu e acontece diante de nós na política. Ainda segundo Maquiavel, “homens julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, visto que todos lhe podem ver, mas poucos lhe têm contato”.

De forma similar, diz o personagem Spider Jerusalem em uma das histórias de Transmetropolitan“As únicas ferramentas de verdade que temos são nossos olhos e nossas cabeças. Não é o ato de ver somente. É compreender corretamente o que vemos”.

Em grande medida Transmetropolitan foca em política e naturalmente remete à ideias contidas em O Príncipe. Como na cena em que Jerusalem consegue uma entrevista com o presidente e joga na cara dele as negociações perigosas que um governante deve fazer, como alianças com outros políticos, empresas, etc. Maquiavel descreve que na guerra os príncipes precisam escolher entre seus exércitos os auxiliares e os mercenários, uma vez que as alianças são perigosas e podem trazer ruína ao seu principado.

“As tropas com que um príncipe defende o seu estado são as próprias, as mercenárias, as auxiliares ou as mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém mantém seu estado baseado nelas, não ficará nem firme nem seguro: elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis e valentes diante dos amigos, mas covardes ante os inimigos; elas não temem a Deus nem são leais ao homem, e a destruição só é adiada tanto quanto for o ataque, pois na paz, é-se despojado por elas; e, na guerra, pelo inimigo.”

Warren Ellis e Maquiavel discutem o jogo político que pode levar um príncipe à glória ou à ruína. A forma de negociação e as alianças que fará é um dos aspectos mais importantes, pois negociar com políticos com vontades contrárias em troca de favores pode gerar um golpe que o derrubará do poder e diluir sua conquista. Lembra alguma coisa?

Ellis por meio de Spider Jerusalem faz críticas aos governantes e aos governados. Aos governantes por agirem como príncipes sedentos por poder e aos governados por não conseguirem lembrar de suas experiências passadas e aprender com elas para que os erros não se repitam.

Ellis e Maquiavel são mais do que necessários em momentos de crise política. É angustiante ver candidatos claramente despreparados ganhando relevância por reações extremas de desaprovação de um governo anterior ou de outro que possa vir a ser eleito. Este ponto demonstra nossa falta de aprendizado político. Talvez um dia Maquiavel, Warren Ellis e tantos outros autores alcancem mais pessoas e ofereçam algum mínimo aprendizado, prevenindo uma rotulação raivosa  de “esquerdistas” ou “fascistas”.

A esperança é que as lições do passado e também da ficção conduzam a um verdadeiro debate, que favoreça o preparo, sufoque o ódio e barre qualquer ideia autoritária que possa transformar nosso futuro em um funeral de possibilidades, tão frequente em nosso passado.

 

 

*Nota: a edição de O Príncipe utilizada foi essa aqui. Como está em formato Kindle, é impossível indicar com exatidão a página das citações.

Sobre John Holland

Procurando significados em páginas de gibi enquanto viaja pelos trilhos do conhecimento e do metrô. Sempre disposto a discutir ideias e propagar os quadrinhos como forma de estudo, adora principalmente a Vertigo, está sempre disposto a conhecer novos quadrinhos e aprender o máximo de coisas possível!
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