Apesar da versão brutal e psicótica do Batman por Frank Miller ter sido tão marcante a ponto de se tornar inseparável do personagem, eu sempre preferi o Cruzado Embuçado ao Cavaleiro das Trevas. Scott Snyder disse certa vez que, quando criança, assistia o seriado do Batman de 66 com seu pai. Snyder via ali um drama, enquanto seu pai encarava como uma comédia.
Mesmo Snyder não sendo nem de longe um dos meus roteiristas preferidos com o personagem, devo admitir que ninguém conseguiu expressar melhor o sentimento de uma geração que viu em Adam West a primeira encarnação do Homem Morcego.
E o Batman de Adam West era essencialmente um convicto adepto da democracia, a pior forma de governo, com exceção de todas as demais, como dizia Churchill.
Nos episódios Hizzoner The Penguin e Drizzonner The Penguin da segunda temporada, aqui traduzidos simplesmente como Pinguim, O Candidato, Pinguin decide disputar as eleições para a prefeitura de Gotham.
Apesar dos protestos do Menino Prodígio, Batman defende o direito do Pinguin candidatar-se, em consonância com o que está prescrito nas leis de Gotham, que permite a “criminosos condenados” (na legenda aparece “ex-criminosos”) candidatarem-se. Em todo caso, Batman não acredita na possibilidade de vitória do vilão, confiando que os cidadãos de Gotham não seriam tão idiotas a ponto elegê-lo.
No entanto, as pesquisas mostram que o Pinguim está na frente e não há ninguém que possa fazê-lo perder as eleições. Eis que Batman, atendendo aos apelos do atual prefeito, do comissário Gordon e do chefe O’Hara decide candidatar-se.
E a campanha tem início.
Notem que o vilão apela essencialmente aos instintos mais básicos dos eleitores. Ele é claro. Nada de política em sua campanha. É o apelo ao emocional que conta, não à razão. Já Batman aposta no extremo oposto.
Note com as mensagens de Pinguim para seu eleitorado são tão simples quanto desprovidas de sentido. Assim, um eleitor que nada entende, pode ver nelas o que quiser ver, e acreditar piamente que o Pinguim é diferente dos demais candidatos. A eleitora até verbaliza isso, dizendo que é uma fala honesta, diferente dos demais políticos. Como os eleitores de um certo candidato…
A estrofe inicial da música é bem óbvia. Política é muito complicado e todo esse palavreado, o eleitor comum não entende. Ela quer alguém que cuide dela sem complicação. É estabelecendo um elo com nossas capacidades cognitivas mais elementares que tanto Pinguim quanto o candidato apoiado pela menina do vídeo conseguem seus eleitores.
Mas a campanha de Gotham segue.
Mais uma vez o apelo emocional do Pinguim e a racionalização de Batman são demonstrados. Mas eis que chega o dia do debate televisivo entre os dois candidatos. Vejamos a argumentação do vilão.
Para alguém que só conhecesse a realidade por meio das palavras do Pinguim, tudo aquilo pareceria verdade. Para nós, telespectadores, que sabemos quem são os candidatos, é possível enxergar todas as contradições do discurso. Mas note, essas contradições só são perceptíveis em confronto com os fatos apresentados na série, que o público conhece. Internamente o discurso do Pinguim é coerente. Provavelmente a menina que canta a música acharia os fatos complicados demais.
Quem vencerá?
E aqui mais uma vez Batman nos dá uma lição de democracia. Eleições são ganhas com votos, e não com pesquisas. Será que ele está correto?
Batman estava certo. Os eleitores de Gotham viram através da manipulação barata do Pinguim. Será que acontecerá o mesmo por aqui? Ainda não sabemos. Mas, como vimos, Pinguim não aceita a derrota iminente e tenta articular um golpe.
Mas, por fim, Batman consegue resgatar a comissão eleitoral das garras do Pinguim. Mas teria Batman quebrado as leis eleitorais de Gotham? Não.
Sem mais saída, o vilão pede uma recontagem dos votos.
O episódio termina com a vitória de Batman, que renuncia em prol do seu vice, o atual prefeito de Gotham. Parece que o vice também é tão importante aqui quanto lá. Sem dúvida nossas eleições de 2018 estão tão imprevisíveis e cheias de reviravoltas quanto as de Gotham em 1966.
Sejamos tão democratas quanto o Batman. E esperemos que nossos eleitores sejam tão conscientes quanto foram os de Gotham.