Um tributo a Stan Lee – por Mark Waid, Quadrinheiros e convidados

Quadrinheiros enlutados falam sobre o Mestre.

 

 

 

 

Mark Waid

(Sim, o próprio. Postado originalmente em seu Facebook. Publicado com a autorização do autor)

Tradução: Nerdbully

Revisão: Velho Quadrinheiro

Algumas palavras sobre Stan.

Ele era uma figura controversa, sim. Eu credito a ele mais das criações da Marvel Comics do que outras pessoas fazem, e menos do que outras, mas eu defendo o que eu já disse: que se não fosse por Stan haveria uma grande chance de que quadrinhos – que eram feitos somente para crianças antes de Stan e Jack Kirby surgirem – poderiam ter seguido o rumo dos cinemas drive-in e máquinas de venda automática, relíquias obsoletas que não dialogam mais com quem nós somos e o que buscamos. Seus colaboradores contribuíram com sua parte, mas foi Stan o showman que foi para fora e recrutou toda uma nova audiência de adolescentes e universitários. Foi Stan que deixou o mundo saber que quadrinhos ainda eram vitais e relevantes numa era em que editores tinham vergonha de dizer o que eles faziam para viver. Foi Stan que elevou a Marvel Comics de uma editora de segunda ao fenômeno cultural que se tornou.

Eu tive algumas refeições e conversas legítimas “modo showman desligado” com Stan nos últimos 15 anos. Quando eu estava na Boom! Studios trabalhando com ele em uma nova linha de quadrinhos, eu admito que esperava que ele fosse desinteressado e – vamos dizer, displicente. Ao invés disso, ele arregaçava as mangas e entrava no processo criativo. Ele não estava lá apenas para vender seu nome, ele dava sugestões, oferecia melhorias, e, juro por Deus, distribuía pequenas pérolas de sabedoria, que pareciam óbvias, mas de uma maneria que me fez repensar a maneira como eu abordava o ato de contar histórias.

O melhor dia, o melhor de todos, que eu tive com Stan teve a ver com esses projetos. Ele não gostou de uma das edições e disse, 48 horas antes de ir para a gráfica, que não poderia colocar o nome dele. Eu perguntei se ele me daria dois dias para consertar tudo. Eu movi alguns painéis, mexi em algumas páginas, mudei e redesenhei a arte, e reescrevi muito com a permissão do autor. Quando eu trouxe para ele, nervoso e tremendo, à beira da catástrofe, ele sentou-se ao meu lado no seu sofá, leu página e página, colocou de canto e disse “Esse é um dos melhores trabalhos de editoração que eu já vi”. Esse momento será digno de nota quando eu morrer.

E então. E ENTÃO…

E então sua fachada caiu e ele foi apenas real, sentimental e sincero, Stan falou sobre como era trabalhar com seu parceiro no Homem-Aranha, Steve Ditko. O quão grandioso Ditko era desde o início, mas o quanto, e especificamente de que maneiras, Stan viu ele aprimorar-se ao longo dos anos. Ele dissecou para mim em cada detalhe como Ditko abordava o ato de contar histórias, e quisera Deus eu pudesse me lembrar de cada capítulo e verso porque em nenhuma entrevista ou restrospectiva Stan falou sobre isso. O que eu me lembro mais claramente é simplesmente a completa e total sinceridade com que ele compartilhou aquelas histórias, com uma voz que eu nunca tinha ouvido dele antes ou desde então.

Obrigado, Stan. Você não tem ideia do quanto sua falta será sentida.

 

Nerdbully

O que dizer do homem que criou o Universo Marvel?

Não sozinho, é claro.  Jack Kirby, Steve Ditko e tantos outros foram importantes nesse processo, co-criando os personagens do Universo Marvel, mas foi Lee quem concebeu a Marvel como um Universo.

Até então, as histórias em quadrinhos de super-heróis tinham começo, meio e fim em uma única edição. Raras eram as histórias que continuavam de uma edição para outra devido aos problemas de distribuição de quadrinhos nos Estados Unidos.

Stan Lee rompeu sistematicamente com essa regra. Ele não só fazia com que uma história se estendesse por diversos títulos, mas que referências à histórias de diferentes títulos aparecessem uns nos outros, mostrando ao público que aquele era de fato um universo compartilhado, com uma cronologia interna coerente. Ele também fincou os personagens da Marvel no mundo real, diferentemente das cidades fictícias da Distinta Concorrência.

Além disso Stan Lee adicionou conflitos internos aos personagens, dando a eles personalidades. Nas palavras de Reed Tucker, autor de Pancadaria: Por dentro do épico conflito Marvel vs DC, “Os gibis de super-heróis da Marvel foram escritos de dentro para fora, com foco na caracterização, emoção e na turbulência interna dos heróis” (p.26).

Um universo familiar, mas ao mesmo tempo povoado por seres fantásticos. Personagens críveis, com poderes de deuses, mas humanos em suas fraquezas e aspirações. A síntese desses opostos fez a Marvel ser o que é hoje. E devemos esse Universo a Stan “The Man” Lee.

O universo que ele criou viverá muito além de sua existência. Quantos homens poderão aspirar a algo tão grandioso?

 

Picareta Psíquico

É humanizante o olhar daqueles que te odeiam. E nos bastidores Stan Lee cultivou inimizades e foi para muitos apenas um babaca arrogante. O mito é a imagem que o publico abraçou. Mas ainda que ele tenha apontado os holofotes para si mesmo enquanto escondia seus parceiros de criação na sala dos fundos da Marvel, o editor cansado que queria desistir dos quadrinhos era hábil com as palavras.  Do narrador que de forma épica situava o leitor no quadro de texto que abria cada edição, ao mestre de cerimônias que respondia as cartas dos leitores com humor dionisíaco, Stan Lee era um excepcional comunicador.

Ele peregrinava as universidades fazendo palestras sobre os quadrinhos da Marvel para formar um público que na década de 1960 buscava romper com a cultura tradicional da geração anterior. Mais tarde ele foi para Hollywood com o sonho de produzir filmes com seus personagens muito antes da tecnologia tornar isso possível. Um visionário é inevitavelmente alguém com um ego enorme. Acreditar que só você consegue ver algo que mais ninguém percebe é coisa de gente que se considera acima dos reles mortais (faz parte do perfil). No caso de Stan Lee, essa linha entre o visionário e o ego puro e simples muitas vezes foi cruzada. O fato é que ele se transformou num personagem, sua imagem se confunde com a imagem da Marvel e suas co-criações sempre estarão atreladas à sua controversa figura.

Daqui a alguns anos a cinebiografia de Stan Lee produzida pela Marvel Studios vai mostrar o mito, o nascimento mágico dos personagens, a obstinação do gênio, o final feliz das convenções e das participações nos filmes da maior produtora de entretenimento do mundo. Mais alguns anos e uma nova cinebiografia independente vai fazer um paralelo entre as fantasias de grandeza e os personagens super poderosos, as neuroses e frustrações do mestre das palavras escondidas nas vidas ordinários de suas criações antes delas se tornarem heróis.

As duas versões serão verdadeiras.

 

Velho Quadrinheiro

Criado por Stan Lee…”

Stan Lee apresenta…”

Dezenas de revistas que, por razão ou outra eu conseguia botar as mãos, começavam assim. Antes dos fãs, antes dos grupos, antes dos nichos e títulos, só pouco depois de aprender a ler, solitário e curioso num espaço só meu, a única constante era aquele nome, “Stan Lee”.

Mesmo sem rosto, não demorou para entender, ele era o anfitrião, o dono da casa. Na casa havia um cardápio farto de desenhistas, roteiristas, arte-finalistas, tradutores, revisores. Hospitaleiro, ele me aconchegava nas páginas e mostrava sentido naquelas palavras que nas bocas dos adultos soavam ocas, pálidas, parte de um discurso pronto e repetido mil vezes. “Vulnerável”. “Família”. “Escola”. “Responsabilidade”. “Herói”. Na casa de Stan dei meus primeiros passos. Para casa de Stan eu volto quando tropeço na vida.

Obrigado, Stan Lee.

 

Sidekick

Dentre os diferentes nomes do mundo dos quadrinhos, ao meu ver, Stan Lee se tornou um dos mais icônicos e controversos. Sem dúvida ele causou na produção das HQs o mesmo impacto que Ford nas indústrias. Mudou o modo de se pensar, roteirizar, escrever e imprimir as histórias. Foi com ele que começamos a ver esse contato visceral entre a realidade dos leitores e a realidade das histórias. Essa conexão do domínio dos fãs com o mundo da produção foi responsabilidade dele e da sua sensibilidade com o mercado consumidor.

Talvez uma das coisas que mais me impactou não foram seus personagens, apesar de ser um fã discreto de Demolidor, mas sim as histórias que ele permitiu que fossem difundidas, tornando-o um mito. Já não importa mais se Jack Kirby fazia quadrinhos com balões em branco sobre os quais Stan Lee colocaria as falas. Assim como para muitos ele sempre será o easter egg dos filmes da Marvel. E neste momento não nos importa o que é mito ou realidade, o que precisamos é homenageá-lo, sem endeusá-lo.

Stan Lee, talvez para a minha geração, simbolize muito mais o playboy dos quadrinhos do que o nerd frustrado. Ele refletiu, para mim, muito mais o mundo de sucesso do universo pop do que as angústias que alguns de seus próprios personagens enfrentavam, como por exemplo os desastres amorosos do Homem-Aranha ou as injustiças sociais revestidas de superpoderes dos X-Men.

Um paradoxo em si mesmo, o quadrinista nova-iorquino representou e acolheu os múltiplos lados da nerdice. Abrangeu desde o clássico nerd isolado que sofre bullying, corporificado no Homem-Aranha, até o playboy midiático que faz pontas em filmes e tem groupies ao seu redor, corporificado no Homem de Ferro interpretado pelo também marajá Robert Downey Jr.. Fica nestas poucas palavras a minha singela homenagem.

 

Gelson Weschenfelder (pesquisador de histórias em quadrinhos)

“Com grande poder vem grande responsabilidade”.

É uma frase que aprendi lendo Homem-Aranha, a frase que me salvou inúmeras vezes diante de vários dilemas da adolescência, frase essa que me salvou como professor e abriu caminho para a pesquisa e estar aonde estou.

Quando sofria algum tipo de preconceito na minha pré-adolescência era nos quadrinhos do Cabeça de Teia ou dos X-Men que me apegava. Essas histórias me auxiliavam a enfrentar essas situações. Aprendi muito com os quadrinhos, continuo  aprendendo. Tenho certeza que personagens como o Homem-Aranha, Thor, X-Men e tantos outros auxiliaram na formação do meu caráter e ser quem eu sou.

Me sinto órfão, parece que um pedaço de minha história está indo embora. Sim, minha história, pois me vejo nos quadrinhos  de superaventura. Me vejo pendurado sobre uma teia balançando sobre os prédios, ou saindo garras em minhas mãos para enfrentar o inimigo.

Pois é, o cara que criou todo esse universo onde me encaixo nos deixou. Um universo onde posso ser forte, onde minha imaginação não possui limites, onde eu sou eu mesmo.

Obrigado, Stan Lee, por tudo que criou, por – mesmo sem saber quem sou – colocar um pouco de mim em suas histórias, me fazer sentir representado, me sentir um herói.

Vá em paz, Excelsior.

 

Renato Ferreira Machado (pesquisador de histórias em quadrinhos)

Durante a corrida espacial, Stan Lee, sua esposa Joan e seus amigos Jack Kirby e Steve Ditko embarcaram em um foguete experimental para investigar a grande incidência de raios cósmicos na atmosfera terrestre. Atingidos por uma tempestade radiativa, eles retornaram à Terra com incríveis poderes e passaram a ser conhecidos como O QUARTETO FANTÁSTICO!

Durante a era atômica, Stan Lee foi ao deserto de Nevada para acompanhar os testes da poderosa bomba de Raios Gama desenvolvida pelo exército dos Estados Unidos. Instantes antes de zerar a contagem regressiva, Stan percebeu a presença de um jovem exatamente no local onde a bomba Gama seria detonada. Correndo para salvá-lo, Stan conseguiu coloca-lo em um local seguro, mas foi atingido pela explosão. Desde então, sempre que se encontra sob forte stress, Stan Lee tem seu corpo transformado e se torna um gigantesco ser esmeralda, com força além do imaginável: O INCRÍVEL HULK!

Atuando como médico, Stan Lee fez uma viagem à Noruega, onde descobriu os planos de uma terrível raça alienígena para invadir e dominar a Terra. Refugiando-se em uma caverna, Stan encontrou um antigo artefato viking, o martelo encantado chamado Mjolnir. Ao empunhá-lo e bater com seu cabo no solo, Stan Lee se tornou o Deus do Trovão: O PODEROSO THOR!

Ao visitar uma exposição sobre os benefícios da energia atômica, Stan Lee foi picado por uma aranha contaminada radiotivamente. Desenvolvendo habilidades e forças proporcionais a uma aranha, Stan Lee se tornou o amigão da vizinhança: O HOMEM-ARANHA!

Finalmente, houve um dia em que o universo sentiu um abalo como nunca antes havia acontecido. Dos portões de Asgard ao Reino Quântico, uma incomum vibração perpassou cada ser e cada herói e vilão sentiu, como nunca havia sentido antes, seus poderes se manifestando em cada célula de seu corpo. Este foi o dia em que STAN LEE passou por sua última transformação, deixando a Terra para se tornar, ele mesmo, o próprio UNIVERSO MARVEL!

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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4 respostas para Um tributo a Stan Lee – por Mark Waid, Quadrinheiros e convidados

  1. stephanogta disse:

    DC o homenageou.

  2. stephanogta disse:

    Qual é o grau de importância dos John’s na Marvel ? (Buscema, Byrne, Romita pai e Romita filho)

  3. Não conheço muito da história de Stan Lee e Jack Kirby, então pra mim foi muito útil que o Waid e o Nerdbully tenham ressaltado a contribuição deles pros quadrinhos. Talvez dê pra traçar um paralelo entre isso e o que os Beatles fizeram pelo rock, no sentido de lhe trazer não só uma popularidade mais perene, mas também certa legitimidade artística.

    E pelo que entendi do texto do Picareta Psíquico, daria pra dizer que Stan Lee foi tipo o Steve Jobs dos quadrinhos: “ele se transformou num personagem, sua imagem se confunde com a imagem da Marvel e suas co-criações sempre estarão atreladas à sua controversa figura.”

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