Uma das coisas mais difíceis ao contar uma história é administrar a expectativa do público. O controle exato sobre essa expectativa é um grande fator para determinar se você vai gostar de uma história ou não e, consequentemente, um dos maiores problemas para qualquer pessoa que se proponha a contar uma história.
Essa expectativa já começa nas primeiras informações que temos sobre uma história. Se eu te disser que será uma história no universo Star Wars, você cria uma certa expectativa. Se te disser que é sobre Star Trek, você cria outra.
Na verdade esse foi um dos fatores que permitiu aos filmes da Marvel ter tanto sucesso (além da qualidade, é claro) e também porque os filmes da DC são mais difíceis de serem executados. Em 2008 o grande público não sabia quem era Tony Stark e o Homem de Ferro, entraram no cinema despretensiosamente – ou seja, com uma baixa expectativa – e foram surpreendidos.
O mesmo aconteceu com Thor, Hulk e Capitão América. Hoje, 7 anos depois, quando há um filme dos estúdios Marvel no cinema você já tem uma expectativa – e até agora eles têm conseguido satisfazê-la – dos fãs de quadrinhos ao grande público. Talvez a única exceção seja Homem de Ferro 3, que agradou ao grande público e desagradou aos fãs – tanto que a Marvel teve que fazer uma retcon cinematográfica para corrigir o que fizeram com o Mandarim.
Talvez esse seja o maior exemplo do que eu quero dizer. O grande público não sabia quem era o Mandarim, então não tinham nenhuma expectativa em relação a ele. Quem conhece o Homem de Ferro sabe que ele é um de seus maiores inimigos. Sua presença no filme gerou uma grande expectativa. E foi justamente esse público que se decepcionou ao ver como ele foi retratado.
Os personagens da DC são mais conhecidos do grande público. Um filme com o Batman, Superman e até mesmo com a Mulher-Maravilha (a “menos conhecida” dos três) geram mais expectativa, pois são personagens mais populares. Por isso é mais difícil fazer um filme com eles, e isso é um dos motivos que explicam porque as séries Arrow e Flash fazem tanto sucesso. O Oliver Queen da série incorporou vários elementos do Batman e o Barry Allen da série alguns elementos do Superman. Quando estávamos com a expectativa baixa sobre esses dois personagens, de repente essas séries começaram a agradar ao grande público, pois utilizaram elementos de sucesso de outros personagens, mas gerando baixa expectativa devido ao desconhecimento do grande público sobre eles.
Lembro quando compararam a Marvel com a DC, dizendo que, enquanto a Marvel fazia filmes com um guaxinim falante e agradava ao público, a DC não conseguia fazer um filme com a Mulher-Maravilha. Sim, é verdade. Você vai ver um filme com um guaxinim falante. Quanta expectativa você cria sobre isso? Bem baixa, eu suponho. Você vai ver um filme sobre a Mulher-Maravilha. Quanta expectativa você cria dessa vez? Um pouco mais que na opção anterior, eu diria.
Essa expectativa já é gerada até mesmo antes do filme, apenas pelo gênero. Se escolho uma comédia, minha expectativa é rir, se escolho um drama, desejo me emocionar. Se minha expectativa é frustrada é muito provável que eu não goste daquela história.
O mestre Dennis O’Neil resumiu bem isso em seu livro sobre roteiros de histórias em quadrinhos:
“…Qualquer um que compra um gibi que tem na capa o desenho de um mesomorfo hiperdesenvolvido usando uma capa e máscara fazendo algo espetacular espera um certo tipo de ficção. Se eles [o público] estão antecipando um semideus fantasiado exterminando uma horda de dinossauros vampiros e você dá a eles uma garota de colégio tímida, temendo a possibilidade de não conseguir tirar A na prova de Estudos Sociais, apesar do quão brilhantemente você retrata a dor da pobre coitada, eles ficarão desapontados. Você os enganou: roubou o dinheiro deles. Eles não irão comprar seu trabalho novamente…”
A expectativa acontece antes e durante a trama. Uma das receitas para fazer um roteiro de sucesso é fazer o público querer o que o protagonista quer. O herói quer derrotar o vilão, o mocinho quer ficar com a mocinha – e nós queremos que eles consigam isso, isso é nossa expectativa e, se isso não acontece, a chance de não gostarmos do filme é muito grande. Isso gera um problema: a obviedade dos filmes norte-americanos. Você vê o começo e já sabe o que acontecerá no final.
Para tentar contornar esse problema uma “regra” de roteiro foi criada: dê ao público o que ele quer, mas não da maneira que ele espera. Isso resolve o problema da expectativa e tenta fazer com que os filmes não fiquem óbvios. Claro que às vezes o tiro sai pela culatra, mas mesmo com todas as receitas, livros e cursos que ensinam estrutura de roteiro, fazer uma boa história ainda permanece em muitos aspectos algo enigmático.
Dois exemplos que não seguiram essa regra. O hoje filme cult Blade Runner foi um fracasso de bilheteria. Por quê? Porque, ao vermos o filme, nos identificamos com o androide e não com o protagonista que deve caçá-lo. Tínhamos uma certa expectativa (um Harrisson Ford caçador de recompensas casca grossa perseguindo bandidos malfeitores no futuro) e ela foi absolutamente frustrada – e mesmo assim é uma boa história.
Por outro lado o filme do Lanterna Verde com Ryan Reynolds segue a receita perfeitamente e foi um fracasso colossal – de público e de crítica. Por que isso aconteceu? Não sei, mas não adianta culpar o ator pela história ruim como já vi muita gente fazer.
Então a Marvel se aproveitou de personagens pouco conhecidos do grande público e conseguiu agradar aos iniciantes e aos iniciados. A DC acumula fracassos (como o já citado filme do Lanterna Verde e Superman Returns) e sucessos (o Batman de Nolan, o recente Man of Steel). Em 2013, quando apenas um trecho de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller foi lido durante a SDCC uma enorme expectativa foi criada e ela só vem aumentando a cada trailer e imagem nova.
Conseguirá Zack Snyder estar à altura de tamanha expectativa? Desconfio que nem mesmo o Sombra sabe, mas veremos em 2016.
Excelente! Ninguém espera uma obra-prima cinematográfica ao assistir “Guardiões da Galáxia”, mas quando se trata de personagens mais conhecidos a coisa se complica. Veja que os dois últimos filmes do Homem-Aranha agradaram quem gosta dos quadrinhos do universo Ultimate escritos pelo Bendis, leitores mais jovens, mas não agradaram quem preferiu os filmes com o Tobey Maguire ou que cresceu vendo os quadrinhos desenhados por John Romita, Ross Andru, Gil Kane e outros.
No caso dos heróis mais famosos,existem várias versões, pois passaram pelas mãos de muitos roteiristas e desenhistas em diferentes décadas. O Batman do seriado de tv dos anos 1960 se baseou nos quadrinhos da década de 1950, desenhados pelo Dick Sprang, o filme de 1990 se baseou nas HQs do Steve Englehart e Marshall Rogers, os últimos filmes se basearam mais nas HQs do frank Miller e por aí vai. Na hora de adaptar para o cinema, fica a dúvida: vão se basear em qual versão dos quadrinhos?
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