Periodicamente o mundo dos quadrinhos é tomado por alguma polêmica ou acontecimento que nos convoca a opinar sobre os mais diversos assuntos. Tivemos o atentado ao Charlie Hebdo, a polêmica com a Mulher-Aranha e a capa da Batgirl de Rafael Albuquerque. As redes sociais favorecem essa convocação. Somos bombardeados de acontecimentos e quase compelidos a comentá-los. Mas todos realmente têm algo a dizer sobre tudo?
Talvez o mais contundente acontecimento relativo a isso no mundo dos quadrinhos foram os atentados ao Charlie Hebdo. Rapidamente fomos convocados a uma posição binária: você está solidário ou não às vítimas do CH? Você concordava com as charges? Você não acha que o que o CH fazia era preconceito contra os muçulmanos? Você não acha que a liberdade de expressão tem limite? Qual o limite da liberdade de expressão?
Tudo isso estava em jogo para a compreensão clara dos atentados ao CH, mas quantos de nós efetivamente sabíamos algo a respeito de tudo isso para opinar? No entanto não foram poucos os que disseram Je suis Charlie e não menos os que proclamaram Je ne suis pas Charlie.
Também tivemos a polêmica capa com a Mulher-Aranha de Milo Manara e a última do momento foi a capa da Batgirl desenhada por Rafael Albuquerque. Rapidamente as redes sociais foram invadidas com opiniões sobre se o artista estava correto ou não na decisão que tomou, se era machismo, se era feminismo etc. Hoje todos têm uma opinião sobre tudo, não importa o que. Se amanhã estourar uma guerra civil na Moldávia multidões terão uma opinião formada sobre o acontecimento. Mas o que é exatamente uma opinião?
A opinião, a doxa em grego, nada mais é do que o conhecimento sem verificação ou comprovação, baseada em sentidos, costumes etc. A opinião não ultrapassa o senso comum e não tem a intenção de fazê-lo. Dito de outro modo, a opinião é qualquer conhecimento ou crença que não apresenta qualquer garantia de sua validade. Portanto, para que haja algum tipo de validação para uma opinião ela deve se transformar em outra coisa, ultrapassando o status de mera opinião. Mas quantos que se orgulham de ter uma opinião formada ou os chamados formadores de opinião (aqueles cujas opiniões são reproduzidas por outras pessoas) estão dispostos a fazer isso?
Não basta simplesmente declarar a opinião, é preciso que esta opinião seja demonstrada racionalmente. A partir da exigência da demonstração e comprovação da opinião ela pode tornar-se outra coisa. Podemos tentar meramente convencer alguém de que nossa opinião é correta. E o fato de convencermos alguém disso não implica que nossa opinião seja válida. Ou que tenha ultrapassado o status de doxa. Apenas de que utilizamos os recursos adequados. A arte do convencimento é a arte da retórica. Portanto, é possível que sejamos induzidos ao erro quando alguém, utilizando recursos retóricos, nos convence de que sua opinião é correta, o que não implica no fato de sê-la.
A retórica é perigosa justamente porque pode ser utilizada para nos convencer de que algo errado é correto, mas também não adianta muito saber a verdade sobre algo e ser incapaz de convencer os outros disso.
Para isso é possível utilizar-se também da argumentação lógica. O objetivo deixa de ser meramente convencer o outro, mas certificar-se de que algo é correto e, portanto, verdadeiro. Essa é a diferença da retórica para a filosofia ou mesmo para a ciência. A retórica visa convencer alguém da veracidade de algo (sem que esse algo seja de fato verdadeiro), a filosofia busca a Verdade e a ciência poderá prover os meios para comprová-la.
No mundo das redes sociais a veracidade e validade de algo é medida pela quantidade de “curtidas” e “compartilhamentos”. Nesse ponto a entrevista dada por Albuquerque sobre sua decisão de que sua arte não se tornasse de fato capa da revista da Batgirl ao UOL foi certeira:
“Acho que, independentemente de sua posição sobre a capa, feminismo ou liberdade de expressão, é importante aprender a ouvir. Ter empatia por quem tem uma opinião diferente da sua. Se colocar no lugar do outro e considerar. Discussões na internet tendem a virar birras infantis, de um lado ou de outro. Isso é o que faz as pessoas perderem o interesse nas coisas. Acho que críticas são sempre bem-vindas. Mas respeito por quem faz, por quem publica e por quem discorda é sempre o que valida sua crítica. A liberdade de expressão não pode se resumir apenas ao que você gosta ou quer. Liberdade tem que vir com responsabilidade”
A liberdade de expressão não pode se resumir apenas ao que você gosta ou quer. É muito comum quando leitores se deparam com uma postura com a qual não concordam sentenciarem: “lá vem o mimimi politicamente correto”. Então, o raciocínio é simples e simplista: disse o que eu quero ouvir ou concordo? Ótimo. Disse algo que eu discordo ou não quero ouvir? Lá vem um comentário do gênero: “é mimimi”, “é mal-informado”, “é de direita”, “é de esquerda”, e outras bobagens afins que eximem o comentarista de argumentar seriamente.
Todas as opiniões devem ser respeitadas? Sem dúvida. Todas são igualmente válidas? De maneira nenhuma. Uma pessoa tem todo o direito de ter a opinião de que o Sol gira em torno da Terra. Nós sabemos que isso não é verdade e podemos demonstrar e comprovar que tal opinião é errada. Não obstante, a pessoa que a sustenta tem o direito de mantê-la, desde que compreenda que é apenas uma opinião, ou seja, um conhecimento que não apresenta qualquer garantia de sua validade e nada mais.
Isto é a internet e as redes sociais. Semana que vem outra coisa acontecerá no mundo (nos quadrinhos, provavelmente será outra polêmica sobre uniforme de heroínas ou algo que envolva a sexualidade) e seremos novamente convocados ou provocados a dar nossa opinião a respeito. Quando tornamos a nossa opinião pública devemos também estar dispostos a discuti-la, do contrário não há a mínima necessidade de expô-la.
Respeitar a opinião do outro sem se dispor a discuti-la é a mesma coisa que ignorá-la. E se recusamos discutir a própria opinião é porque ela não se sustenta, ou porque somos incapazes de sustentá-la e, uma vez que nos provem que estamos errados, há que se ter a nobreza de admitir.
que vocês acham deste vídeo??
(liberdade de opinião)
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Gente, não existe “preconceito contra os islâmicos”, existe preconceito contra muçulmanos. Islâmico é usado para tudo o que não é pessoa: cultura islâmica, lei islâmica, arte islâmica. Muçulmano se refere à pessoa: um muçulmano, uma muçulmana.
E uma regra de boa convivência na internet: a gente não é obrigado a opinar e fazer tratados em três volumes no Facebook sobre as coisas. Liberdade de expressão é diferente de discurso de ódio, que é diferente de dar opinião. Preconceito não é opinião já é um bom ponto de partida para uma discussão saudável.
Saudações.
Ola, Okasan. Corrigido. Abraço.
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