Verdade seja dita, até os melhores cometem atrocidades.
Tanto quanto eles são a expressão do que há de melhor na humanidade, os heróis dos quadrinhos, vez por outra, também são a sombra de nossos piores vícios. Já observado por aqui (11 e 5 vezes diferentes), orgulho, indiferença, vaidade, intransigência ou raiva ocupam a vida dos heróis, assim como em cada vivente que cá lê e carrega a certeza das próprias razões.
Na encruzilhada das decisões mais difíceis, nem eles foram capazes de ser melhores do que o pior de nós. Em especial, cinco ocasiões que os heróis cometeram cagadas monumentais foram:
5. Quando John Stewart, o Lanterna Verde, destruiu um planeta inteiro tentando vencer sozinho o desafio da Equação Antivida (Odisséia Cósmica, 1988)
4. Quando o Superman se sentiu traído pela humanidade e resolveu assassinar a ONU (Reino do Amanhã n.4, 1996)
3. Quando o Homem de Ferro e o Sr. Fantástico usaram um clone do Thor numa batalha matando Bill Foster, o Golias (Civil War, n. 4, 2006)
2. Quando os heróis da Liga da Justiça da América lobotomizaram o vilão Dr. Luz e apagaram a memória do Batman (Crise de Identidade, 2004)
1. Quando o Hulk considerou matar “Hitler” (Incredible Hulk n.386-7, 1991)
Antes que você corte os pulsos, desapontado com a ausência da lisura que apenas uma esperança infantil pode conceder, vale lembrar que as melhores histórias, as grandes sagas, têm origem nas decisões mais tolas e mesquinhas dos heróis. Como narrou Thomas Bullfinch,
“Minerva era a deusa da sabedoria mas, certa vez, cometeu uma tolice: disputou um concurso de beleza com Juno e Vênus. […] Júpiter, não querendo decidir assunto tão delicado, mandou as deusas ao Monte Ida, onde o belo pastor Páris apascentava seus rebanhos, e a ele foi confiada a decisão. As deusas compareceram então diante dele. Juno prometeu-lhe poder e riqueza, Minerva, glória e fama na guerra e Vênus, a mais bela das mulheres para esposa, cada uma delas procurando influenciar a decisão a seu favor. Páris decidiu favoravelmente a Vênus e entregou-lhe o pomo de ouro, tornando, assim suas inimigas as outras duas deusas. Sob a proteção de Vênus, Páris viajou para a Grécia e foi hospitaleiramente recebido por Menelau, rei de Esparta. Ora, Helena, esposa de Menelau, era, na realidade, a mulher que Vênus destinara a Páris como a mais bela de seu sexo.” (BULLFINCH, pp. 254-255, 2000)
Pra quem não sabe, a resolução dessa história chama-se Guerra de Tróia, e levou a nove anos de conflito entre os gregos e troianos, com reviravoltas, erros e uma sucessão de decisões explicitamente corruptas, baseadas na inveja, luxúria e soberba, mesmo quando travestidas de patriotismo.
Aqui jaz a lição: no erro dos heróis, no trauma, na dor do fracasso, reside o potencial do crescimento. Dos sobreviventes dos mitos helênicos vieram as lições da privação, da degradação das aspirações, e a esperança de um futuro mais virtuoso, menos sujeito às emoções. Um ideal que em certo tempo se chamou Roma. Mas essa é outra história.