A jornada do velho herói: Odisseia de uma geração

Matrix-Revolutions-9Se você é um ser que respira, ou pior, se você acompanha este blog, você já foi tocado por um treco chamado “a jornada do herói”.

“Oi?” É. Do herói. Um namoro de história com matemática. Coisa de gênio.

Enfim, diz a regra, a jornada do herói tem algumas etapas indispensáveis. O chamado à aventura, o encontro com o mentor, a travessia do limiar, a provação final, a recompensa, o retorno. A jornada é uma “equação”, com começo, meio e fim.

No cinema e nos quadrinhos, o mais comum é que esta jornada retrate um jovem (até bem jovem) herói, um Harry Potter ou um Homem-Aranha. Mas e o velho? Existem heróis vetustos? O que acontece com aquele que foi além do limiar? Não existem mais histórias sobre (e para) ele? O que resta ao ancião na jornada do herói?

Entre outras coisas, a jornada é um modelo narrativo que dá certo.  Muito certo. Porque apela e dialoga com alguns “denominadores comuns”. Nascer. Crescer. Lutar. Fracassar. Triunfar. Ora, são sentimentos humanos. Talvez até taturanas e tatus-bolas tenham sentimentos, mas eles não lêem gibi e não podemos garantir que os tenham.

Algo me diz que nosso contato com os elefantes está próximo

Algo me diz que nosso contato com os elefantes está próximo

Nas suas formas usuais no cinema e quadrinhos, os heróis são impulsionados por sentimentos nobres. Simplistas, mas sagrados. Eles são humildes, prestativos, patrióticos.  Eles querem ser e fazer o bem. Ora, quem, a não ser o Coringa, quer fazer o mal? Talvez nem ele mesmo. E isso é regra? Todo herói é herói porque quer o bem para o mundo? Não! Nem de longe.

Rogers, tu não me engana. Tava de olho na Peggy Carter e precisava dar aquela bolada

Rogers, tu não me engana. Tava de olho na Peggy Carter e precisava dar aquela bolada

Muito antes do Superman ou do Capitão América, o maior sucesso de bilheterias heroicas era um sujeito escroto, sisudo e arrogante, chamado Aquiles. Filho bastardo de deuses e humanos, o protagonista da Ilíada era movido à vaidade e sede de glória. Por acaso, esta ânsia coincidia com valores gregos na conquista de Tróia. Aliás, a distância entre o orgulho de Aquiles e o nacionalismo grego era o que garantia o sabor da Ilíada.

Senhoras.

Senhor@s.

Quando morreu, Aquiles estava no auge. Era o guerreiro perfeito, maduro, forte e sábio. Pelo menos, dentro do que só a guerra pode ensinar e fortalecer. Inclusive aceitar a própria mortalidade, a glória de cair em combate, uma derrota do corpo mas uma vitória da memória imortal.

Foi ali, no funeral de Aquiles, onde foram plantadas as sementes de uma outra jornada. A jornada do velho. Foi a Odisséia de Ulisses.

Diferente de Aquiles, Ulisses não era um semi-deus, mas um “mero” homem, nada além de homem, por isso um outro tipo de herói. Ademais, Ulisses era o mais espertucho dos homens.

odysseus

Repentista do agreste Mediterrâneo, Ulisses tinha uma língua afiada, um cérebro tenaz e um coração saudoso. Enrolou o Cíclope, escapou das sereias, da Cila, Caribidis e Calipso a bordo de Argos, seu navio. Envelhecido, cansado, mas persistente, Ulisses finalmente conseguiu retornar para Ítaca, seu filho já adulto Telêmaco e sua esposa, Penélope.

As aventuras de Ulisses, diferente das de Aquiles, são histórias de alguém que superou os encantos da glória. Ele é indiferente à sede do próprio mito. Ulisses não tem nenhum orgulho para satisfazer quando esconde sua identidade em Ítaca, quando rema junto aos seus marujos, quando sede à sedução de Calipso. Ele sente a dor de ter sido um pai ausente, um mau marido. Ele não é perfeito. Ele só quer voltar para casa.

"A sopa tá no forno mas já esfriou"

“A sopa tá no forno mas já esfriou”

Variações das aventuras de Aquiles, do herói jovem que, vaidoso ou não, realiza proezas épicas, são inúmeras. É seguro dizer que os quadrinhos da Marvel e da DC ganham bilhões com este modelo. A transposição dos quadrinhos para o cinema parece justamente variações de um mesmo acorde, a Guerra de Tróia. Já as histórias do velho Ulisses, estas são mais raras e sutis. Mas elas existem. Mais ainda, elas são mais perenes.

Enquanto é difícil para gerações diferentes reconhecer a importância que se dá a Harry Potter ou Star Wars, é quase impossível encontrar alguém que desafie a excelência de um Poderoso Chefão. Ou de um O Resgate do Soldado Ryan. De um Rocky Balboa. Ou de um …E o Vento Levou. E por que? Não tem a ver com romance, ou com a ação, ou simplesmente com os finais trágicos. As histórias dos velhos heróis têm algo que nenhum Aquiles com sede de glória vai conseguir: o apelo que todos sentem de reencontrar sua origem, a vontade de voltar para casa.

E eis que no dia 19/10, saiu este trailer:

Uma “arqueóloga”, fuçando no passado que diz: “Existem histórias sobre o que aconteceu.”;

Um velho herói da mais épica de todas as guerras confessando que “É verdade. Tudo.”;

E um vilão dizendo “Eu vou terminar o que você começou.”;

Ora, tente me convencer que esta história não é uma nova odisseia.

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
Esse post foi publicado em Velho Quadrinheiro e marcado , , , , , , , , , , , . Guardar link permanente.

3 respostas para A jornada do velho herói: Odisseia de uma geração

  1. Madex disse:

    Não sei se a escolha de palavras foi intencional, mas com certeza foi sensacional: a “arqueóloga” tem a confirmação justamente do maior arqueólogo de todos os tempos.

  2. Pingback: Os Omni Ô! (018) – Filosofia em Star Wars |

Comente!