Quadrinhos de super-heróis e igualdade de gênero nunca estiveram em tanta sintonia! Ou não?
Em um artigo para o New York Times, Jill Lepore relata uma experiência interessante: levar dois meninos de 10 anos para assistir Vingadores – A Era de Ultron e depois ler com eles a primeira edição de A-Force, título da Marvel que faz parte das Guerras Secretas e mostra um grupo de heroínas do Universo Marvel como defensoras da Ilha de Arcádia (uma espécie de ilha Paraíso da Mulher Maravilha da DC).
Sobre o filme os meninos comentaram que faltou desenvolver mais os personagens, que o pano de fundo da narrativa era fraco e que o “clima” entre o Hulk e a Viúva Negra foi estranho. Análises bastante elaboradas para meninos de 10 anos!
Sobre a A-Force os meninos identificaram a maior parte das personagens como versões femininas de personagens masculinos. Depois de alguns comentários do tipo “garotas são chatas”, Jill Lepore pergunta para os garotos o motivo de todas as personagens terem decotes enormes. A resposta vem acompanhada de risadas: Porque elas são garotas! Para a colunista essa resposta mostra que a representação da figura feminina/heroica nos quadrinhos de super-heróis não passa por nenhum tipo de crítica e está profundamente ligada à criação da Mulher-Maravilha pelo polêmico psicólogo William Moulton Marston, em 1941.
Lepore escreveu o livro The Secret History of Wonder Woman e nele se aprofunda nas excentricidades de Martson. Ele inventou o detector de mentiras (por isso o Laço da Verdade de Diana), manteve dois relacionamentos consecutivos fora do casamento com o consentimento da esposa, defendia a comercialização de pornografia e era adepto do boundage (google it!). Ela aponta especificamente para o fato dele ter sido escritor da revista TRUE, entre os anos de 1945 e 1947, em parceria com o artista George Petty, fazendo calendários de pin-ups e escrevendo análises da psicologia feminina das personagens.
As garotas de Petty fizeram muito sucesso (as vendas da revista triplicaram) e anteciparam o que viria a ser a revista Playboy anos mais tarde. O próprio Hugh Hefner (criador da Playboy) cresceu influenciado pelas imagens criadas por Petty e Martson. As personagens tinham nomes como Miss Bashful (Senhorita Tímida), Miss Chummy Bunny (Coelhinha Sociável – provável inspiração de Hefner para a Playboy), Miss Heartsnatcher (Arrebatadora de Corações) e Miss Girl of Tomorrow (Garota do Amanhã). Martson escrevia sua análise dizendo coisas como fascinante, inteligente, mas é uma cruel caçadora de homens, jovem escravizadora de corações.
Sem dúvida a relação entre a iconografia das pin-ups, os nomes caricatos e as análises das personalidades libertinas e cruéis dessas figuras femininas têm ecos claros na forma como as personagens femininas têm sido representadas nos quadrinhos de super heróis, mas é preciso reconhecer também o quanto avançamos.
Quem olha com atenção a edição de A-Force, apesar de alguns decotes, roupas colantes e nomes como She-Hulk, Miss Marvel e Spider Woman – todas heranças históricas apontadas por Jill Lepore – vê também o tom sério da história, o protagonismo das personagens e a complexa gama de graus de relacionamento e sentimento entre as personagens. Muito longe da análise pervertida de Martson sobre a psicologia feminina.
Quadrinhos são uma mídia cheia de estereótipos e reducionismos que são fundamentais para esse gênero de narrativa, onde personagens adotam personas fantasiadas em roupas colantes e estão sempre diante de conflitos que exigem uma resposta física (voar, bater, saltar, esquivar), sejam personagens masculinos ou femininos.
Partindo desse cenário há uma sinalização de mudança na indústria, com mais mulheres escrevendo roteiros, com mais títulos protagonizados por personagens femininos, com revisão no lay out de uniformes e com uma gama étnica mais ampla.
O mais recente exemplo dessa mudança é o novo desenho da DC, Super Heroes Girls, que vai tentar formar uma nova geração de leitoras e leitores de quadrinhos, assim como a série de TV do Batman de 1966 formou a minha geração e a série animada do Batman e o desenho dos X-Men marcaram a geração dos anos 90.
Talvez a igualdade de gênero ainda seja somente uma ideal. Mas esse ideal nunca foi tão forte.
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