Aqui estão 5 marcos da história das histórias em quadrinhos do período que resolvemos chamar simplesmente de “Era das Trevas”.
Os fãs e historiadores de histórias em quadrinhos norte-americanos, sobretudo de super-heróis, costumam dividir sua história em “Eras”. Essas Eras podem variar um pouco, mas a periodização abaixo tem algum consenso (pelo menos entre nós, Quadrinheiros):
a Era de Ouro (1938-1950) , com heróis no estilo pulp e brutais. Viu o nascimento de clássicos como Superman e Batman;
a Era de Prata (1956-1970) ficou marcada pelo Comics Code e por criar certas noções de que “heróis não matam”. Marcam uma nova geração de heróis e novas versões de personagens da Era de Ouro como o Flash e Lanterna Verde. São histórias mais leves se comparadas à Era de Ouro, com temáticas tiradas da ficção científica e num tom quase surreal;
a Era de Bronze (1970-1985) teve uma abordagem de temas mais complexos, como drogas, preconceito etc. Um marco do período é a série em que o Arqueiro Verde e o Lanterna Verde enfrentam problemas políticos e sociais em suas aventuras, escrita por Denny O’Neil e desenhada por Neil Adams;
a Era de Ferro (1985-1994) teve seus heróis anabolizados e brutais, quase como uma evolução da Era de Bronze. Obras como Watchmen e O Cavaleiro das Trevas marcam o início do período que também viu editoras como a Image ganhar cada vez mais mercado com heróis “sombrios”.
a Renascença (1995-hoje?): podemos dividir os quadrinhos desse período em duas grandes vertentes, uma que tenta resgatar a inocência e o clima fantástico da Era de Prata com uma narrativa madura sem cair na brutalidade ou mesmo no realismo e outra que tenta uma desconstrução de conceitos estabelecidos em outras Eras, também tendo a Era de Prata como referência primordial. Temos um top 5 dos quadrinhos dessa Era, para ver essa lista é só clicar aqui.
A Era de Bronze e a Era de Ferro costumam, às vezes, serem chamadas de “Era da Relevância Social”, uma vez que marcam um período de “amadurecimento” das histórias em quadrinhos de super-heróis, quando temas mais adultos são abordados, o Comics Code Authority (CCA) -mecanismo de auto-censura adotado pelas editoras de quadrinhos dos EUA – torna-se mais brando e abandonado paulatinamente, possibilitando histórias com um tom mais pesado. É sobretudo durante a Era de Ferro que DC e Marvel investem no termo “graphic novel”, para tentar vender quadrinhos para um público adulto.
Na Era de Bronze e Ferro os super-heróis vão enfrentando cada vez mais problemas do mundo real e brutalizando-se. Suas histórias ganhando um tom cada vez mais sombrio, pessimista, cínico e violento. Tanto que o escritor Grant Morrison, em seu livro Supergods, ao propor sua própria periodização das histórias em quadrinhos, agrupa as duas eras denominando o período simplesmente como “Era das Trevas” dos quadrinhos.
E aqui estão 5 quadrinhos que marcaram a Era das Trevas dos quadrinhos – em ordem cronológica e não de importância ou qualidade.
Green Lantern #76 (1970)
Essa história marca o início de uma parceria que se tornaria lendária: Lanterna Verde e Arqueiro Verde. Dennis O’Neil com desenhos de Neal Adams apresenta Hal Jordan como aquilo que ele é: um homem da lei, um policial, um homem que divide a realidade entre o Bem e o Mal, mas o Arqueiro Verde mostra que a realidade não é tão simples assim.
Nessa história, o Lanterna Verde ajuda o dono de um imóvel a despejar as pessoas que o ocuparam de maneira ilegal. O Arqueiro mostra que a realidade é um pouco mais complexa: o dono do imóvel quer transformá-lo em um estacionamento, despejando todos os moradores (sendo que as condições nas quais ele mantinha o prédio era deplorável).
A história tem dois momentos marcantes: quando confrontado pelo Arqueiro se ele achava certo o que estava fazendo, o Lanterna apenas diz estar cumprindo seu dever, ao que o Arqueiro responde “Eu já ouvi isso antes… nos julgamentos de nazistas”.
O segundo é quando o Lanterna é confrontado por um afro-americano que diz que o Lanterna já ajudou os de pele azul, os de pele púrpura, os de pele laranja, mas nunca os de pele negra.
Ao final dessa história o Lanterna Verde e o Arqueiro Verde partem numa viagem pelos EUA onde muitos outros problemas sociais serão abordados. É um marco do início de um tom mais pesado nos quadrinhos de super-heróis.
Amazing Spider-Man #96-#98 (1971)
Em 1971 o governo dos EUA, por meio do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar contatou Stan Lee para que a Marvel produzisse uma história em quadrinhos que abordasse o problema das drogas. Nessa história, Peter Parker salva um homem que, de tão alucinado, se joga de um prédio. Durante essas três edições, paralelo ao problema das drogas, o Homem-Aranha ainda tem que enfrente o Duende Verde.
Mesmo mencionando drogas como nocivas e prejudiciais à saúde, os censores do CCA proibiram a história. Porém Stan Lee e Martin Goodman decidiram publicá-la mesmo assim. Essas edições foram um sucesso e o CCA foi abertamente criticado por não permiti-las, o que levou a uma revisão e a um abrandamento do Comics Code, permitindo um tom um pouco mais sombrio às histórias.
O Cavaleiro das Trevas (1986)
Fazendo parte de uma estratégia da DC Comics para vender quadrinhos – e o Batman – para um público adulto, transformando “comics” em “graphic novels”, Frank Miller pegou os traços brutais e psicóticos já ensaiados em uma fase anterior pela mesma dupla do já mencionado Green Lantern (Dennis O’Neil e Neil Adams) e os elevou a níveis nunca antes vistos em nenhum super-herói!
A onde de violência pela qual passa Gotham City na hq encontrou ecos nos problemas vividos por Nova York no mesmo período, transformando a história num clássico instantâneo.
Watchmen (1986-1987)
Dizer algo sobre essa obra e sobre este gênio é como chover no molhado, mas vamos lá. Alan Moore soube como ninguém até então confrontar os super-heróis com os problemas da vida real. Abordando os elementos das narrativas de super-heróis e invertendo-os, Watchmen levou o gênero “super-herói” até seu limite e, ao invés de quebrá-lo, acabou por expandi-lo. Depois dessa obra-prima os super-heróis não podiam mais ser encarados como meramente uma “coisa de criança”.
Spawn #1 (1992)
Spawn é um efeito direto de produções como O Cavaleiro das Trevas e Watchmen. Embora esses dois títulos abordassem os super-heróis como brutais e confrontando-os com problemas mais mundanos, elas eram séries limitadas. Spawn colocou essa brutalidade e problemas definitivamente nos quadrinhos periódicos, representando também o auge da Image Comics, com seus heróis e estética totalmente afinados com a Era de Ferro: brutais e anabolizados.
***
Eu vejo outras obras relevantes ao extremo nesse mesmo período, possívelmente tão relevantes quanto ou até mais do que as apresentadas. Eu acrescentaria:
-American Flagg!, uma série revolucionária tanto do ponto de vista narrativo quanto visual.
-Miracleman, em que o mito do super-herói é desconstruído magistralmente.
-Cerebus, que dispensa comentários
-Sandman, onde Gaiman realmente elevou as HQs à condição de literatura do ponto de vista técnico.
-Love & Rockets, que ainda é um dos maiores êxitos fora do mainstream e totalmente baseado em uma produção independente e familiar.
A lista é extensa e de fato a liberdade experimentada entre meados dos anos 1970 e meados dos 1980, advinda da explosão de editoras pequenas que romperam as amarras do CCA e que forçaram uma evolução da indústria como um todo.
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