A novo sucesso do roteirista da DC que conta histórias de super-heróis traumatizados e faz paralelos com a realidade norte-americana.
Já abordamos os elementos psicológicos e filosóficos que Tom King usou no roteiro da minissérie do Senhor Milagre. As referências literárias que ele usou para escrever a série do Visão e fizemos ainda um podcast sobre seu arco (ainda em curso) no título principal do Batman. E agora, em Heróis em Crise, King usa todo o seu arsenal de temas e referências para chacoalhar o Universo DC (pelo menos até o próximo reboot…).
A premissa da narrativa introduz um novo elemento na vida dos heróis – uma clínica de reabilitação para indivíduos que sofrem de estresse pós-traumático e outros problemas chamada Santuário, construída pelo Batman com tecnologia kryptoniana e com a compaixão da Mulher-Maravilha. O sigilo é garantido pela Inteligência Artificial que gerencia a clinica, mas, na história, um assassinato em massa põe fim as atividades e expõe os pacientes.
Os dois personagens que conduzem a narrativa são Gladiador Dourado e Arlequina. Eles estavam no Santuário no momento do massacre e não têm certeza do que realmente aconteceu. Mais uma vez Tom King escolhe protagonistas que tiveram suas personalidades construídas em relações abusivas com figuras masculinas (o pai do Gladiador e o Coringa).
Durante toda a série vemos fragmentos de depoimentos dos heróis expondo seus sentimentos de inadequação, suas inseguranças e vícios. King aproveita para levantar temas importantes do contexto norte-americano, porque antes de tudo a crise dos super-heróis é um espelhamento de diversas crises pela quais os Estados Unidos estão passando. O ponto mais óbvio é o problema do adoecimento mental dos veteranos de guerra. Não é por acaso que o país que se envolveu em tantas guerras no século XX e que construiu sua hegemonia no mundo através de seu complexo militar industrial tenha tanto apreço por um gênero de entretenimento que narra histórias em que praticamente qualquer coisa pode ser resolvida por meio da violência.
Outro tema é a crise dos opiáceos (médicos que receitam remédios para a dor à base de ópio causando dependência), que já é um problema de saúde publica por lá, e aparece no depoimento do personagem Arsenal. Na clinica ele confessa que por não ter superpoderes precisava aliviar as dores físicas causadas por suas atividades heroicas, afinal de contas os heróis são resolvedores de problemas e a heroína era uma dessas “soluções”.
O próprio Santuário é também gancho para o debate sobre a eficácia de tratamentos oferecidos por clinicas de reabilitação para pacientes diagnosticados com estresse pós-traumático, dependentes químicos, etc. A regulamentação e a fiscalização desse tipo de serviço nos Estados Unidos tem muitas falhas e por isso é grande o numero de denuncias e processos. E por fim o tema do assassinato em massa perpetrado por um único indivíduo armado, recorrente na história recente do país.
Os diálogos que Tom King escreve continuam impecáveis, mas no caso dessa narrativa o destaque são os monólogos na forma dos depoimentos dos personagens em tratamento no Santuário. Diferentemente de Watchmen, onde vemos Rorschach frente a frente com um psicólogo, aqui os personagens falam diretamente conosco, seus leitores.
Heróis em Crise deve chegar por aqui no segundo semestre de 2019. Vale muito a leitura, como tudo o que foi escrito pelo roteirista até agora.
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