Descubra como Alan Moore escreveu a mesma narrativa duas vezes.
O protagonista acorda e percebe que todo seu passado é uma mentira, não é o que pensava ser, não vai encontrar o que procurava, não pode voltar ao que era e seu novo mundo o tornou sem esperança e amargo e passará por um processo de aprendizado que vai mudar sua forma de ver o mundo.
Esse é o esqueleto de duas das mais importantes histórias de Alan Moore, os clássicos Miracleman e Monstro do Pântano.
As duas histórias que destacaram o jovem Alan Moore possuem semelhanças narrativas inegáveis. Como já ouvi do sábio Nerdbully, todo escritor possui um método e arrisco dizer que esse foi o que Alan Moore encontrou para contar suas histórias com liberdade. Na verdade, elas divergem apenas devido ao contexto editorial.
Miracleman descobre que suas aventuras anteriores foram criadas em uma simulação, ou seja, aquele mundo perfeito onde o personagem vivia não existe e toda a simplicidade de suas histórias não passam de mentira. O mundo é muito mais cruel e as consequências são duras. Recomendo esse post aqui escrito pelo Velho Quadrinheiro que aborda com mais detalhes essa obra.
Alec Holland descobre que na verdade não é Alec Holland, toda a busca dele por sua humanidade foi destruída, pois descobriu que ele não é mais o homem que lhe concedeu a consciência, ele é apenas a consciência. Toda sua jornada perdeu o sentido. Ele não pode acordar e conseguir restaurar sua forma humana e continuar sendo o cientista Alec Holland.
Seu mundo se alimenta de horror e ações doentias, e o Monstro é responsável por estabelecer equilíbrio entre o mundo humano e o mundo do verde. Lidando com extremos, com medo e desespero de uma forma pacífica e bondosa, essas características viraram parte da personalidade do personagem.
Descobertas as respectivas origens, os personagens tiveram reações negativas, e eles tomando atitudes extremas de isolamento, raiva e todo tipo de sentimento ruim com eles mesmos. Aos poucos começaram a aprender melhor sobre o que são e o que significam, passando por toda uma jornada de autoconhecimento, seja com Miracleman tendo um filha que não compreende inteiramente ou com o Monstro do Pântano descobrindo que é o guardião do verde.
A interferência política de Miracleman no mundo, um tipo de eugenia em larga escala com consequências mundiais, é a resposta da narrativa aos problemas colocados.
Monstro do Pântano (muito mais focado em questões sociais, rascimo, fome, escravidão etc.) não chega a falar de forma clara sobre sistemas políticos e como o mundo deve ser regido. Ele separa por temas menores e explora cada um em arcos que são bem amarrados e conseguem trazer uma profundidade para a discussão que o autor está disposto a trazer.
As duas histórias foram feitas na mesma fôrma, personagens descobrindo que seu passado não existe, passam por uma jornada de autoconhecimento e terminam com uma posição muito clara e antagônica sobre o mundo. Miracleman decide interferir no mundo de forma extrema, já o Monstro do Pântano crê que aquilo tudo não tem nada a ver com ele, que a humanidade deveria resolver sozinha.
É provável que a contenção nos impactos no mundo com O Monstro do Pântano tenha vindo pelas amarras narrativas do Universo DC. Moore tinha muito mais liberdade editorial em Miracleman e podia alçar voos mais ambiciosos.
Alan Moore criou sua fórmula e provou sua eficácia, pois as duas histórias são aclamadas por público e crítica no mundo todo, importantes na formação de leitores e criadores de quadrinhos. O velho mago conseguiu alçar desconhecidos personagens a patamares inimagináveis, devido ao seu método e execução com extrema competência. Quase como um truque de mágica.
Como não li Miracleman (Panini, REPUBLICA!) não posso argumentar. Mas o texto apresenta detalhes dos argumentos de ambas revistas e faz sentido, a princípio. Harold Bloom, crítico liteário, escreveu o livro “A angústia da influência” e há partes dedicadas a quando o autor desenvolve seu próprio arquétipo narrativo e o usa à exaustão. Será o caso aqui?
Creio que não seja o caso. Li grande parte da obra do Alan Moore e só vi ele fazer isso nesta ocasião. As outras obras dele constumam diferir em sua construção narrativa, porém se o autor fizesse isso mais uma ou duas vezes, sua fórmula já teria cansado.
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