Da delicadeza e sutileza à abstração!
Os mangás femininos, conhecidos como shôjo mangá, têm sido objeto de pesquisa para muitos estudiosos de quadrinhos japoneses por apresentar narrativas e elementos visuais distintos dos demais gêneros de mangá.
Podemos dizer que desde as figuras-bonitas (bijinga) apresentadas nas xilogravuras (aproximadamente final do século XVIII) as mulheres foram retratadas no seu cotidiano, cuidando de sua aparência, lendo, escrevendo, sozinhas ou conversando com outras mulheres, mas frequentemente com gestos, traços e cores delicadas. Esse termo genérico para designar as figuras bonitas femininas traz as características dos olhos, nariz e boca serem pequenos, conhecidos como hikime-kagibana (olhos-riscos, nariz-gancho), elementos um pouco distintos do mangá moderno e contemporâneo, mas que segue o mesmo padrão de sutilezas.

Tôji san bijin (Três figuras bonitas – 1793) – Kitagawa Utamaro
Essas bijinga, vestem quimonos e usam acessórios pertencentes à época, período Edo (1603 – 1868). Seus corpos são levemente torcidos em forma “S”, com olhar, geralmente, angelical, movimentos das mãos sutis, corpos arredondados, pés pequenos e finos. Estas mesmas fisionomias são encontradas nas figuras de Nakahara Jun’ichi, bem como nos mangás dos anos 1970 e 1980, todos eles apresentando a moda de suas épocas.
No entanto, além de conter essas características físicas, os mangás shôjo contam com uma narrativa repleta de fantasias, romances e aventuras, acompanhadas de sofrimentos e decepções consttituídos, geralmente, por um triângulo amoroso.
É comum a protagonista se apaixonar pelo rapaz mais maduro e misterioso, pois a busca daquilo que é oculto é mais interessante e intrigante do que aquilo que é evidente. Comumente seu desenvolvimento como mulher a faz notar que o alvo de sua paixão secreta sempre foi atencioso e protetor com ela.
Os shôjo mangás exibem peculiaridades também nos seus quadros e páginas. Sabemos de algumas técnicas para fazer uma história em quadrinhos como, por exemplo, quantidades de quadros numa página, formatos de dimensões dos balões de diálogo, o que deve conter no primeiro e último quadro de uma página, quantidade de quadros na vertical e horizontal, espaçamento entre um quadro e outro, composição dentro de um quadro e também da página etc; mas que essas regras nem sempre são respeitadas pelos japoneses, principalmente desse gênero de mangá.
Os planos de fundo são linhas abstratas que não apresentam formas de algo do mundo real, ou são metáforas visuais, as quais expressam os sentimentos e o estado psicológico dos personagens e consequentemente da narrativa. Os shôjo mangá são os que mais produzem efeito emocional. Os planos de fundo e algumas metáforas visuais desses mangás são inspiradas nas padronagens de quimonos tradicionais japoneses. As formas e figuras encontradas nestas vestimentas seguem os elementos presentes nas estações do ano, tanto de plantas e frutos quanto de cores.
Outra característica interessante, são as quadrinizações das páginas. Os quadros nem sempre são retangulares ou quadrados. Existe um dinamismo com linhas diagonais, sangria, sobreposição de quadros ou mesmo quadros “vazios”, indicando passagem de tempo ou apenas um respiro ao leitor. Essa sobreposição de quadros, segundo o pesquisador Fusanosuke Natsume, é feita a partir de camadas, ou seja, é feito um plano de fundo geral na página e os quadros são justapostos, podendo ter quadros dentro de outros quadros. Porém, em algumas páginas desses mangás, é possível observar o plano de fundo como sendo o último plano, mas no decorrer do percurso do olhar, o encontramos como primeiro plano, em outras palavras, teremos uma página tridimensional.
As linhas e traços dos shôjo mangás também têm suas particularidades. Os traços são mais soltos, finos e delicados. O leitor parece participar mais do percurso que os seus olhos fazem no personagem, plano de fundo e quadrinização, visto que, as linhas parecem complementar um com o outro, não havendo regras de leitura, cada leitor segue o seu caminho, mas o ponto final será o mesmo para todos.
Enfim, podemos dizer que os shôjo mangás de 1970 e 1980 eram mais experimentais, livres, expressivos. Cada leitor e observador era absorvido pelos espaços vazios e cheios, entravam por entre os quadros, interagiam de forma diferente com os elementos da narrativa, sejam eles textuais ou gráficos, também tinham a liberdade de transitar como quisessem que chegariam no mesmo resultado.

The heart of Thomas – Hagio Moto
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