Adultos, jovens e crianças. Todos em frenesi!
“Tudo” que fizeram foi lançar PokémonGO. Se você está numa caverna nos últimos 15 dias, este post será uma novidade total.
Mas como sabemos que isso é minoria do nosso público, deixemos de lado o lançamento.
O que nos interessa aqui é falar sobre como uma franquia de 20 anos está reavivando a Nintendo com a sua maior inovação!
[Vale antes de prosseguir, retomar dois posts anteriores. O primeiro sobre o fenômeno chamado “TwichPlays Pokémon“, no qual levantei algumas questões sobre esse evento internético que elevou as interações virtuais para um novo patamar. O segundo texto é sobre “Hype, Spoiler e Euforia“, no qual falei sobre o modo como lidamos com lançamentos hoje em dia. Mas também, se quiser não ler nada disso, tudo bem].
Vinte anos atrás, Satoshi Tajiri criou o que viria a ser a segunda maior franquia de mídia baseada em videogame no mundo, atrás apenas encanador bigodudo, Mario, também da Nintendo. Inspirado pelo hobby de colecionar insetos e pela imaginação de quando criança, que sonhava que esses bichos batalhavam, lançando poderes e ataques uns nos outros, Tajiri moldou os conceitos fundantes de todo um universo. A partir desse colecionismo e uma básica jornada do herói, surgiram os Pokémons (Pocket Monsters – “monstros de bolso). Curiosamente, os Pokémons são responsáveis, há alguns anos, por boa parte da sustentação da venda dos consoles portáteis.
Um símbolo nacional japonês, os Pokémons se tornaram sinônimo universal de entretenimento. Isso chegou ao ápice de estar presente até na camisa da seleção Japonesa de Futebol, fora ser protagonista de toda uma cultura própria, que nos leva à cenas como um exército de Pikachu marchando por aí. Abraçando de maneira única toda a geração que cresceu entre os anos 1990 e 2000, a franquia só pode ser comparada no seu sentido nostálgico e emotivo com Star Wars.
Inicialmente o jogo era restrito à duas “cores” – verde e vermelho – e jogado exclusivamente no Gameboy – em preto e branco. Quando pensado por Satoshi, o jogo era algo simples e para apenas compor parte da linha do portátil, sem muitas aspirações. Mas talvez pela simplicidade, ou pela identificação do jogador com os personagens, o sucesso foi estrondoso. Isso levou à expansão do licenciamento, culminando no desenho animado, que apenas gerou um “efeito tostines” na relação jogo-anime.
A somatória jogo e anime pode ser vista como a chave para o sucesso. O resultado dessa simbiose pode ser visto já em 1999 quando é lançada a versão “amarela” do jogo original. Nessa versão, desde a abertura até a história do jogo mudam. Você é obrigado a usar o Pikachu como Pokémon inicial, e ele, assim como no desenho, se recusa a permanecer dentro da Pokébola, te seguindo por todo o jogo, como um sidekick.
Essa transferência intermidiática é digna de nota. Afinal, a base da franquia é o jogo, e foi ele que forneceu a base para que surgisse o anime. Mas, por causa do sucesso da história proposta no desenho, a nova versão do jogo foi criada, seguindo o storyline da animação. Originalmente o Pikachu era apenas mais um dos 150 Pokémons, sendo os três protagonistas o Squirtle, o Bulbassaur e o Charmander. Mas por causa do sucesso do desenho, ele se tornou o símbolo máximo da franquia.
São dois anos de diferença entre o lançamento japonês (1996) e o lançamento americano (1998), o que faz com que o jogo chegue no Brasil apenas em 1999, no famoso estilo muamba. Vale notar que a Nintendo desde 1993 tem representação comercial conturbada no Brasil – assim como recentemente passou a não ter. Mas assim como nos EUA, o jogo ganha força por já contar com uma base de fãs estabelecida, fruto do desenho animado. No caso dos vizinhos do norte, isso foi estrategicamente pensado, pois o desenho foi lançado apenas quatro semanas antes do jogo.
No caso brasileiro é interessante observar três fatores curiosos: O Pokémon foi lançado primeiro na TV aberta, em um programa infantil de grande audiência, o da Eliana; O Brasil abriga a maior colônia de japoneses do mundo, em especial as terras paulistas; O Dragon Ball, lançado aqui três anos antes, já tinha um estrondoso sucesso, tendo sido lançado pela mesma apresentadora, mas em outro canal. Isso compõe um cenário cultural muito interessante para receber o anime e, posteriormente, solidificar a franquia.
Tendo todo esse panorama em mente começa a ficar mais claro o porquê do frenesi pelo Pokémon GO. Fora o hype, que já trabalhamos no texto acima citado, há a questão de toda uma identificação cultural e geracional. Veja que o aplicativo de celular já tem um número maior de instalações realizadas do que o principal aplicativo para relacionamentos e até, usando dados de base de pesquisa e interesse no Google, há mais interesse no aplicativo do que pornografia. Chegamos ao topo da quebra da internet quando o prefeito do Rio de Janeiro soltou um apelo para que a Nintendo lance o jogo oficialmente no Brasil antes das Olimpíadas – e os tugas tiveram que transformar em chiste, ô pá.
Existem efeitos colaterais indesejáveis, como o caso de assaltos e acidentes, que já se espalham pelo mundo todo, em função da desatenção do usuário – e óbvio que isso não iria passar desapercebido pela veículos da mídia tradicional brasileira, não é? Absorto nessa realidade virtual aumentada, alguns usuários parecem que estão passando a viver de fato nesse mundo fantasioso.
Apesar dessa negatividade, a revolução que tem ocorrido se baseia, principalmente, na inovação. Nunca antes um aplicativo conseguiu criar uma interação tão interessante do mundo real e do mundo ficcional, nesse formato de realidade aumentada. Mesmo com tentativas bancadas pela Google, Pokémon GO atingiu um patamar que abre espaço para novas possibilidades, vide o primeiro produto auxiliar oficial já anunciado. Assim como o videogame foi porta de entrada para tantas mudanças tecnológicas, esse aplicativo deve, mais em breve do que pensamos, gerar frutos em outros campos.
Mas os efeitos positivos vão além da mudança tecnológica, e muito. Em primeira instância vemos o crescimento da Nintendo, que teve uma grande valorização das suas ações. Logo na sequência vemos casos de investimento em marketing, como o caso de lojas usando recursos de dentro do jogo para atrair clientes. Assim como toda inovação, surgem então novos negócios baseados na nova criação, como é o caso do vídeo abaixo – em inglês- de um motorista que vende à 13 dólares a hora um serviço personalizado de motorista para “treinadores Pokémon”.
No começo afirmei que o aplicativo estaria reavivando a Nintendo. Isso ocorre pois, quando comparamos as evoluções dos consoles das concorrentes, vemos que a marca japonesa tem – ou tinha – ficado muito para trás. Enquanto a Sony e a Microsoft focaram em consoles robustos, com gráficos incríveis e novas possibilidades de interação dentro da sala, a Nintendo vinha tentando se posicionar como o console de interação familiar. A empresa foi se sustentando até então em função das suas grandes franquias exclusivas, mas o que faz com que os jogadores tenham que ter mais de um console, uma vez que grandes lançamentos como Assassin’s Creed não rodem nessa plataforma.
Além das franquias, o que sustentou boa parte das vendas foram os consoles portáteis. Portanto, diferente das duas principais concorrentes – Sony e Microsoft – que investiram em processamento gráfico e jogabilidade para consoles grandes, a Nintendo optou por investir em franquias próprias e nos portáteis. Esse foco nas vendas é tão grande que coloca a empresa do Pikachu em segundo lugar no número de vendas em alguns momentos, recortando de Janeiro de 2014 até Janeiro de 2016.

Gráfico gerado no http://www.vgchartz.com/. Para os jogadores interessados em compreender o mercado, uma excelente fonte!
Na geração atual de consoles – PS4, PSVita, XboxOne, WiiU e 3DS – observando o total de vendas, entendemos ainda melhor essa estratégia, pois o WiiU, que seria o equivalente aos carros chefe das duas concorrentes, mal supera o produto secundário da primeira colocada. Sendo estratégia ou consequência de investimentos passados, o que vemos é esse cenário no qual, para o ocidente, a Nintendo passou a ser vista por muitos jogadores uma produtora secundária e quase nostálgica.
Sem dúvida existe um fator nacionalista que não podemos deixar de lado. A Nintendo sempre se focou no mercado nipônico. Há como prática convencional da marca o lançamento de jogos, consoles e inovações específicas para o público japonês. Vide o próprio caso do Pokémon, que foi lançado no Japão primeiro, e focado para esse público. De alguns anos para cá esse mesmo grupo de consumidores passou a se interessar mais e mais por consoles portáteis, e o debate do porquê ocorre essa migração exigiria mais um post. Desta feita, a Nintendo focou então na sua linha de “pequenos”.
Ao observar o preço das ações da Nintendo, notamos como ela tem um valor em queda, desde 2008. Muitos jogadores e interessados no mundo dos videogames chegaram a clamar uma falência na espreita. Algo talvez muito catastrófico, mas não tão dentro de uma teoria da conspiração. Mas fora essa visão, uma comprovação concreta desse desinteresse se deu pela imensa redução de jogos que podem ser jogados nas plataformas da Nintendo.
Mas, com o aplicativo, parece que o jogo mais uma vez começa a virar. Da mesma maneira que houve um estouro no valor das ações da Nintendo após o lançamento e estabilização do Wii, vemos, nos últimos dias, um crescimento de 25% no valor das ações na Bolsa de Tokyo. Mesmo para um não jogador de qualquer entretenimento eletrônico, isso é um caso de se notar e acompanhar.

Os picos de crescimento se relacionam diretamente à alguns dos principais lançamentos como o próprio Pokémon e o console Wii, que na época, foi revolucionário.
Com uma mudança de enfoque, uma franquia de longa data e um pouco de inovação, a Nintendo está dando uma aula de como empresas antigas e consolidadas podem virar a mesa. Mesmo ainda sendo muito cedo para afirmar mudanças totais de mercado, vemos que foi encontrado um uso até então não explorado dos celulares. Pode ser que estejamos defronte de uma nova geração de “consoles”. Mas esse papo ainda merece outros posts.
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