O primeiro número de Civil War II foi lançado nos Estados Unidos em 01/06/2016. Dez anos depois do influente sucesso de Civil War nos quadrinhos é de se pensar: trata-se de uma continuação ou uma obra original?
A tarefa de responder ficou a cargo de Brian Michael Bendis e do desenhista David Marquez, duas escolhas infalíveis para a execução.
Em 2006, meros cinco anos depois dos ataques terroristas ao World Trade Center, no auge do Patriot Act, os sete números de Civil War evocavam temas, motivos, sensações e medos dentro de um contexto bastante vívido e específico. Quer saber mais sobre isso? Conheça nosso livro, Os Dois Lados da Guerra Civil.
Hoje, na ocasião da concepção de Civil War II, os atos normativos americanos em nome da segurança foram consideravelmente contidos. Já o endereço daqueles medos é mais diluído, menos distante e difícil de reconhecer como razão de sentença para toda e qualquer situação.
Por que, então, conjurar uma nova guerra civil entre os heróis?
ATENÇÃO – SPOILERS – ATENÇÃO – SPOILERS – ATENÇÃO – SPOILERS
Premissa inicial de Civil War II, Ulysses, um jovem aparentemente normal, descobre ter poderes premonitórios. São sonhos perturbadores de morte e destruição, imagens acompanhadas de desespero do rapaz. Acolhido pelos Inumanos, liderados por Medusa, Ulysses é o recurso perfeito para prevenção de possíveis tragédias.
Imediatamente, graças às informações de Ulysses, o Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, Dr. Estranho e vários outros pesos-pesados do universo Marvel evitam um desastre planetário. Sem a ajuda de Ulysses e a reação planejada dos heróis, a Terra teria sido obliterada por um dos Celestiais, gigantes divindades que singram o espaço sideral.
Vencido o desafio, Tony Stark reúne os heróis para uma festa de arromba na sua cobertura. Agradecidos, Stark e os outros heróis fazem perguntas à Medusa sobre quem deu a dica do que estava por vir.
Ao apresentar Ulysses aos heróis, eles ponderam sobre a moralidade daquele ato. Dessa vez a Terra foi salva. Mas a qual custo? A Capitã Marvel logo se interessa pelos talentos de Ulysses, esperando recrutá-lo. Já Stark sai de cena, contrariado pelo princípio envolvido, mas impotente diante do claro benefício.
Tivesse acabado ali, a história não passaria de uma reflexão sobre o dever e o fazer, a ação e a reação do que devem ser os heróis. Contudo, as coisas mudam com duas mortes, caras demais aos heróis, e também aos leitores. Jennifer Walters, a Mulher-Hulk e Jim Rhodes, o Máquina de Combate, tombam diante dos poderes avassaladores de Thanos.
A Capitã Marvel, seguindo a premonição de Ulysses, sabia quando Thanos faria um ataque. A Mulher-Hulk e o Máquina de Combate foram voluntários para impedir. A avaliação de Tony Stark sobre os eventos é cristalina: se Ulysses tivesse ficado calado, ambos estariam vivos. Se a Capitã Marvel não optasse por mudar o futuro, seus amigos não estariam mortos. Thanos, no entanto, foi detido. “Missão cumprida”, diz ela. “É como se você mesma os tivesse matado”, ressalta o Homem de Ferro.
Como história (e avaliando apenas a partir apenas do primeiro número) Civil War II é excelente, despretensiosa, saborosa como os melhores quadrinhos. Mas do ponto de vista criativo, é bastante frágil. Por duas razões:
- Como sabe quem acompanha a Marvel, a personagem Sina, que fazia parte da Força Federal, rival dos X-Men, tinha os exatos mesmíssimos poderes que Ulysses. Não só isso, os diários premonitórios que ela deixou depois de morrer foi mote de um longo arco que se espalhou em várias revistas do universo Marvel na década de 90;
- Não existe nenhuma razão intrínseca a esta história para evocar o “selo” Guerra Civil. Afinal, há incontáveis histórias em que os heróis quebram o pau entre eles em diferentes sagas, afora Guerras Secretas, Vingadores vs X-Men, recentes demais para serem referenciadas agora.
E aqui cabe uma reflexão: algo que pode até passar despercebido acompanha quadrinhos a pouco tempo, é flagrante o escanteio dedicado aos X-Men nessa saga ou nas revistas da Marvel de modo geral nos últimos cinco ou dez anos. Os Inumanos têm sido a “bola da vez” para todos os efeitos, demonstrando qualidades – e dispositivos narrativos – que eram típicos dos X-Men.
Uma explicação plausível para isso, já insinuada (ou afirmada) em outros espaços, é de que a Marvel tem evitado dar muito fôlego aos X-Men nos quadrinhos, uma vez que os direitos de adaptação para o cinema estão com a Fox. Qualquer criação original que pertença ao universo mutante vai pertencer automaticamente à Fox, concorrente da bem-sucedida Marvel Studios.
O inédito personagem Ulysses ser acolhido como um descendente Inumano, e não um mutante, é uma evidência difícil de ignorar.
Assim como para livros, filmes, peças ou qualquer obra de arte, existem vários níveis de leitura em Civil War II. A obra é claramente um laboratório das ideias de Philip K. Dick, autor de Minority Report. Traz também uma tímida alusão, ou crítica, à proatividade dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Mas não deixa de ser também um tipo de esquiva na relação entre as equipes editoriais da Marvel e os estúdios de cinema. Mas o ônus disso é evidente: Civil War II flerta com todos estes níveis mas não se compromete com nenhum.
Mas é cedo. A saga está prevista para terminar em setembro. Quem sabe as tie-ins, assim como em Civil War original, traga a consistência que o leitor gostaria de encontrar no título principal.
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