Mais um personagem retorna dos mortos carregando debates contemporâneos em sua nova série!
Não tem nada de novo num personagem que volta dos mortos (Bruce Banner morreu atingido pela flecha do Gavião Arqueiro em Guerra Civil II). Menos ainda no caso do Hulk e de seu alter-ego (ou seria o contrário?), numa história que mostra o cientista vagando de uma cidade para a outra, fugindo da lei, tentando controlar o monstro. A diferença agora é o tom da narrativa – terror!
O roteirista inglês Al Ewing já passou pela tradicional revista 2000AD, escreveu Judge Dredd e Dr. Who. Começou no mercado norte americano à convite de Garth Ennis para roteirizar alguns títulos da editora Dynamite. Na Marvel já escreveu histórias dos Vingadores, Loki, Inumanos e Ultimates. Seu trabalho mais comentado é a série que mistura sátira, crítica política e horror – ZOMBO (para a 2000AD).
Por causa desse último trabalho a Marvel o escolheu para o título que mostra o retorno de Bruce Banner ao mundo dos vivos. Immortal Hulk traz mais uma vez o cientista (agora ciente de sua imortalidade) tentando usar o Hulk (que agora é tão ou mais inteligente que ele) para fazer justiça e corrigir os erros que ele e o seu monstro cometeram no passado.
Ewing usa o personagem para tratar de um assunto recorrente (ainda mais em tempos de polarização extrema): a violência como resposta contra a injustiça é também uma forma de injustiça? Outra discussão que está no subtexto da série é qual a relação entre ações individuais (tipo aqueles tiroteios em escolas no EUA) e ações coletivas (como o controle mais rígido da venda de armas, ou a associação entre a ideia de liberdade individual e o uso de armas de fogo). Nas palavras de John Kennedy: “Aqueles que impedem revoluções pacíficas, tornam inevitáveis revoluções violentas.”
Já na primeira edição um assalto a uma loja de conveniência dá errado e três pessoas acabam mortas (entre elas uma adolescente e o próprio Banner). Na sequência conhecemos parte da história do assassino, que esta desempregado tentando sustentar a família. Então ele pega um empréstimo com uma gangue local e não consegue pagar. O assalto é sua primeira incursão no crime.

Joe Bennet caracteriza o Hulk como uma massa sólida gigante de músculos, lembrando, com ângulos claustrofóbicos e planos subjetivos, os quadrinhos de terror da EC Comics dos anos 1950.
Quando o Hulk encontra Tommy (o assassino) o diálogo entre eles é sobre a tentação de descarregar o poder sobre os outros (no caso de Tommy descarregar a arma, no caso de Banner liberar a raiva). Mas Tommy pede perdão, aceita se entregar para a polícia, diz que cometeu um erro, e que no fundo não é uma má pessoa. A dúvida que por alguns instantes passa pela cabeça do monstro se dissipa e ele olha para o leitor e pergunta – o que você acha?
A intensão de Ewing é deixar essa questão pendente o maior tempo possível na série, usando a raiva do Hulk e a culpa de Banner para espalhar terror e medo, confundindo vingança e justiça, humanizando vilões e dessacralizando heróis, dando voz às vitimas e mostrando a irresponsabilidade e a inconsequência dos algozes.
Num mundo em que minorias têm ganhado espaço jogando luz em injustiças profundamente arraigadas em nossa cultura e em que os privilegiados de sempre se sentem perseguidos, incompreendidos e injustiçados, essa nova abordagem para as histórias do Hulk é muito instigante.

Arte da capa de Alex Ross
Não leio HQ há mais de 15 anos. Os amigos poderiam me explicar o que aconteceu com o Hulk e o Dr. Banner? Um não se transforma mais no outro? São entidades distintas? O Hulk agora conversa?
Como não quero tomar o tempo dos amigos, podem me indicar links que eu lerei tranquilamente.
Oi Lair! Na Wikipedia tem um bom resumo de todas as fase do personagem (que já teve todas as variações possíveis nessa relação de médico e monstro) – https://en.wikipedia.org/wiki/Hulk_(comics)
Muito obrigado, meu caro.