Em algum lugar dos anos 90, algo, na cabeça de alguém, teve um lampejo de sanidade e senso crítico.
E assim nasceu Deadpool.
Ok, não foi exatamente desse jeito.
Na gestão de Tom De Falco na Marvel, o mesmo que trouxe a infame Saga do Clone do Homem-Aranha, o desenhista Rob Liefield ganhou carta branca para impulsionar um título que andava meio capenga, os Novos Mutantes.
No começo, Liefield, um filhote de desenhista que só sabia copiar estilo e ângulos do Arthur Adams, estava sob os auspícios da legendária (legen – wait for it-dary! hehe) Louise Simonson. Ela foi a co-criadora de algumas das melhores sagas do universo mutante como Massacre de Mutantes e Inferno. Fruto dessa parceria, inclusive, nasceu o Cable, uma das erupções mais anos 90 que os quadrinhos mainstream já produziram.
Coerência narrativa, dramaticidade, além de histórias que mesclavam fantasia e ficção científica foram alguns pontos altos dessa fase, coisas que só eram possíveis aos personagens mais marginais do mundo mutante. Um prato cheio para criatividade. Prato saboreado com gosto por Simonson.
Em 1991, Louise Simonson foi sucedida pelo argentino Fabian Nicieza e as coisas mudaram radicalmente. Liefield (que não era nenhum gênio criativo) e Nicieza estavam tentando fazer seus nomes num começo de carreira num mercado em visível ebulição.
Graças ao sucesso da parceria de Jim Lee e Chris Claremont, os X-Men estavam irradiando a fórmula do sucesso. Dentes cerrados, garras, espadas, heroínas peitudas (e talvez espinhas de adamantium), rabos de cavalo, bazucas usadas como pistolas, ombreiras e braços de metal… parecia bem simples. O modelo, com suas breves variações, era copiado à exaustão. E assim Liefield e Nicieza, mais do que mimetizar, cristalizaram o estilo. Em fevereiro de 1991 foi publicada New Mutants n. 98.
E além do visual, praticamente inalterado até hoje, algumas marcas do personagem maluco, como a matraca incontrolável, já eram visíveis.
Meses depois, com o sucesso razoavelmente previsível das mudanças, o título foi rebatizado como X-Force, com sua icônica capa, onde deixaram Liefield sem coleira nem controle e resultou nisso:
Por mais rasas que fossem as histórias, por mais oco que pareça o estilo “extreme” dos anos 90 para os leitores atuais, Deadpool continuou sendo o que sempre foi, um mercenário sem afiliação (ou afinidade) heroica clara. Mas os crescentes deboches e as referências ao Zeitgeist cultural, seja da televisão, cinema ou música pop, fixaram Deadpool como uma espécie de marco, um limite do universo Marvel.
“Meu senso comum está tilintando”, ou dar um tiro na cabeça de um soldado da Hidra fã do Hayden Cristiensen são representações da opinião daqueles que são fãs deste tal “Zeitgeist cultural”.
Ora, por mais extremos, ou absurdas que pareçam as ações de Deadpool, elas não passam de manifestações da autocrítica dos fãs, dos autores, da indústria dos quadrinhos e dos próprios super-heróis. Um “super-ego” quase involuntário.
Assim como aquele rabisco no fim do caderno ou do poema na porta de banheiro, Deadpool, assim como toda a criação do questionável talento de Rob Liefield talvez seja uma das expressões criativas mais autênticas de um tempo saturado de modelos de sucesso.
Teria Ryan Reynolds produzido algo à altura?
Original! Deadpool é bastante representativo desse período (década de 1990), assim como Liefeld. Notar que “representativo” aqui não é o mesmo que afirmar que se tratam de obras de boa qualidade.
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