A historicidade de Conan: entre Robert E. Howard e Jason Aaron

Um novo Conan?

A volta de Conan à Casa das Ideias causou muito burburinho no meio nerd. Anunciada há cerca de um ano, muito se especulou sobre como seria um Conan na Marvel do século 21, vez que a editora nos últimos anos vem se comprometendo cada vez mais com a diversidade e representatividade em seus títulos.

Todo personagem pode ser explicado pelo contexto de sua criação e o reflete de alguma forma. Conan foi criado em 1932 por Robert E. Howard para revistas pulp e desde então diversos criadores passaram pelo personagem, seja na literatura, nos quadrinhos e mesmo no cinema. Quem acha que o Cimério de Roy Thomas, ou de Kurt Busiek ou mesmo da versão cinematográfica estrelada por Arnold Schwarzenegger é o mesmo de Howard só demonstra desconhecimento sobre o personagem.

Conan – como todo personagem que se mostra maior que a época em que foi criado – teve de se transformar ao longo desses quase 90 anos para não morrer. Afinal, não pensamos mais como na década de 30 do século passado – ainda que alguns se esforcem para isso.

A missão coube a Jason Aaron (roteiro), Mahmud Asrar (desenhos) e Matthew Wilson (cores). Nas duas edições lançadas até o momento o que vemos é a complexificação de alguns temas trabalhados por Howard com o personagem, o que mostra o respeito da equipe pela origem do personagem, mas não a subserviência.

Na primeira edição a jovem e sedutora mulher que cruza o caminho de Conan revela-se uma poderosa feiticeira, uma inimiga à altura do protagonista. Sinal claro da atualização promovida pela Marvel. Numa história clássica do personagem, ela seria apenas mais uma das inúmeras mulheres que se sentem inexplicavelmente atraídas pelo Bárbaro, que necessitaria de sua proteção ou, frequentemente, os dois*.

A segunda edição traz uma aventura envolvendo os pictos, povo que nas histórias de Howard são um pastiche dos pictos históricos com os algonquinos, tratados como inferiores pelos civilizados e desprezados até mesmo por Conan. Na história O Estranho de Preto, escrita por Howard, Conan está junto de homens civilizados cercados por pictos. Os civilizados são inimigos do Cimério, mas este não os abandonará na luta, pois “um homem branco não deixa outros homens brancos, mesmo seus inimigos, para serem massacrados pelos pictos”. Muito já se debateu sobre o racismo do criador de Conan, mas o fato é que essas linhas jamais seriam escritas hoje. Pelo menos sem o devido rechaço.

Mas, na história de Aaron, Conan vive por um tempo entre os pictos e passa a respeitá-los como iguais, reconhecendo neles um povo bárbaro, assim como os cimérios, tornando-se, ainda que por um breve momento, um deles.

Lute como uma garota? Não, como um picto.

Em seu prefácio para O Cavaleiro das Trevas, Alan Moore escrevia:

O mundo mudou e está continuamente mudando num ritmo acelerado. E nós também. Com o crescimento da cobertura de mídia e tecnologia da informação, nós vemos mais o mundo, compreendemos seu funcionamento um pouco mais claramente, e como resultado nossa percepção de nós mesmos e da sociedade que nos cerca tem se transformado. Consequentemente, nós começamos a esperar coisas diferentes da arte e cultura que reflitam essa constante mudança. Nós esperamos novos temas, novos insights, novas situações dramáticas. Nós esperamos novos heróis. Os heróis ficcionais do passado, ainda que mantendo todo o charme e poder e magia, foram despidos da sua credibilidade como resultado de uma nova sofisticação de seu público. (…) O fato é que nós mudamos junto com nossa sociedade e se tais personagens  tivessem sido criados hoje eles seriam alvo da mais alta suspeita e crítica. Então, a não ser que fiquemos sem heróis, como os criadores de ficção farão para redefinir suas lendas para o contexto atual?

Há cerca de 30 anos Alan Moore respondeu a própria pergunta com Watchmen e Frank Miller com O Cavaleiro das Trevas. Hoje Jason Aaron a responde com seu Conan.

* Embora Howard tenha criado personagens femininas fortes como Sonja e Dark Agnes de Chastillon, as mulheres nas histórias de Conan raramente fogem a esse modelo. Se houver uma exceção, certamente é a rainha pirata Bêlit. Ainda assim, qualquer história de Howard com Conan falha miseravelmente no teste de Bechdel.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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3 respostas para A historicidade de Conan: entre Robert E. Howard e Jason Aaron

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