Hayao Miyazaki – uma inspiração para a arte – Parte II

Uma análise mais detalhada da obra do grande mestre.

No texto anterior (parte I), foi comentada a biografia artística de Hayao Miyazaki, e dando sequência, aqui estão suas primeiras obras com uma pequena e resumida análise.

 

Rupan Sansei: Kariosutoro no Shiro (Lupin III e o Castelo de Cagliostro – 1979)

Em 1979 foi lançado o filme longa-metragem inspirado no mangá e animê Lupin III de Monkey Punch, foi a primeira animação dirigida por Hayao Miyazaki. Esta animação relata as aventuras do ladrão Arsène Lupin III, neto de Arsène Lupin, personagem do escritor francês Maurice Leblanc, que tem como característica o romantismo e cavalheirismo, se remetendo ao período que seu avô viveu. O Castelo de Cagliostro é referente a uma das histórias criadas pelo autor francês, A Condessa de Cagliostro. A narrativa percorre quando Lupin III percebe que o dinheiro que havia roubado era falso e descobre que era de um pequeno país, nisso conhece Clarisse, herdeira da família real de Cagliostro. A trama surge através dos perigos e mistérios que a família Cagliostro possui.

Kaze no Tani no Nausicaa (Nausicaa do Vale dos Ventos – 1983).

O nome Nausicaa, foi baseado no livro de Homero, Odisséia. Nausica, uma mortal filha do rei de Féaces, Alcino. Odisseu (ou Ulisses) ao vê-la compara-a a deusa Ártemis que, diferente das deusas do Olímpio, tem voz, inteligência e força semelhantes ou superiores aos deuses. Essa personagem ajuda Odisseu, mesmo ele sendo um estranho, a seguir seu caminho de volta a sua terra natal. A Nausicaa, de Hayao Miyazaki, também auxilia os outros, mesmo eles sendo seus inimigos, a seguirem seus caminhos. A diferença entre a Nausica de Homero e a de Miyazaki, é que a primeira tem uma relação com o mar, e a outra com o vento. O meio de locomoção de Nausicaa é o Mehwe, uma espécie de máquina voadora. A origem do nome vem da palavra germânica, Moewe, que significa gaivota. Esta obra já apresenta uma grande paixão em Hayao Miyazaki pela vida no ar.

Nausicaa é de uma princesa adolescente que não tem medo da vida. Seu protetor é o vento nascido do espírito, instigado pelo desejo de criar. Para Nausicaa a compaixão e a compreensão são a resolução da vida, mote da animação. São diversas tramas que possuem algo em comum, como a fúria dos Ohmu, incompreendidos pelos humanos por estarem apenas protegendo a floresta Fukai, que por sua vez, exalavam impurezas no ar para conservar o ar puro embaixo do solo, nas suas raízes; a agressividade de Kushana para destruir os Fukai e Ohmu achando que essa é a solução para a paz. Mas é a reflexão de Nausicaa que entende os dois lados e tenta ajudar a compreenderem uns aos outros através de sua compaixão com ambos que resolve o conflito.

Tenkū no Shiro Rapyuta (Laputa: o Castelo no céu – 1986)

História baseada na literatura de Jonathan Swift, Viagem de Guliver.

A personagem Sheeta, assim como todas as personagens de Hayao Miyazaki, não guarda o rancor pelos seus inimigos, mas tenta convencê-los através do diálogo, ou seja, o convencimento se torna meio de poder.

A presença da mãe de Hayao pode estar presente na personagem Dola, segundo seu irmão mais novo, Shirou. Provavelmente pela inteligência e a avidez que ambas apresentam. A personagem Dola, conhecida como Mama, com personalidade italiana, é a capitã pirata que persegue Sheeta apenas para encontrar os tesouros de Laputa, mas como mãe de três filhos faz um acordo com Sheeta e Pazu (menino que acompanha Sheeta na sua jornada) para ajudá-los a preservar Laputa. É uma vilã que na verdade não tem um espírito de maldade e se encanta com o carinho de Sheeta e a esperteza de Pazu.

Laputa é sustentada por uma enorme árvore e, com a ausência do ser humano, seres mecânicos e animais cuidam da vida em Laputa, como se estivessem carregados de sentimentos puros. A ideologia da personagem Sheeta é que o homem não interfira na harmonia deste lugar.

Tonari no Totoro (Meu Amigo Totoro – 1988)

Nessa animação Hayao Miyazaki produz uma autobiografia e também a retratação da imaginação de uma criança. A personagem Mei de apenas 4 anos é quem nomeia o personagem imaginário Totoro, que, como qualquer criança aprendendo a falar, erra a palavra “tororo”, que significa troll, para “totoro”. Mei ao ver Totoro se recorda da figura de um livro que ganhara de sua mãe. A mãe de Mei e Satsuki (de 11 anos) fica hospitalizada em uma distante cidade, e para que sempre pudessem visitá-la mudam-se para uma casa perto do hospital.

Esta situação da mãe hospitalizada poderia ser a própria mãe de Miyazaki que ficou 8 anos internada em um hospital, e as personagens Mei e Satsuki seriam o Hayao Miyazaki e seus irmãos. Perto da nova casa há uma enorme árvore, semelhante à de Laputa, Castelo ao Céu, em que mora Totoro. A imaginação de Mei é tão intensa que faz com que sua irmã Satsuki passe a acreditar também na existência de Totoro, isto seria o refúgio das duas meninas para não se preocuparem com a mãe.

A presença da história de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, está caracterizada na figura de Totoro e seus amigos. A invisibilidade dos animais, a toca para se chegar ao lar de Totoro e o Neko Bus (gato ônibus), que lembra o gato de Cheshire. Mei poderia ser Alice, pois segue um Chuu Totoro, que seria o coelho branco, cai na toca e é amortecida por algo macio, Totoro. É nesta miscelânea entre a fantasia do livro de Lewis Carroll e o ambiente e costumes japoneses que marca o caminho que Hayao Miyazaki percorre: a influência pela fantasia e imaginário ocidental, mas sem perder suas raízes, o Japão.

totoro

Chibi Totoro, Neko Bus, Mei, Satsuki, Totoro e Chiyuu Totoro

Majô no Takkyubin Kiki (O serviço de entrega da Kiki – 1989)

A animação é baseada na obra de Eiko Kadono.

Kiki é uma bruxinha que por tradição deverá deixar sua família e cidade quando completar 13 anos. No início, Kiki se anima em ter que deixar sua cidade, porém percebe que agora estará sozinha e terá que resolver os problemas comuns de um adulto: trabalhar, pagar as contas, cuidar da casa.

A passagem da infância ao amadurecimento de Kiki é muito ardilosa para uma garotinha que vive sozinha agora. Kiki e Jiji, o gatinho com quem conversa, saem com sua vassoura e começam a trabalhar como entregadores de mercadorias da padaria de Osono, personagem que pode ser caracterizada como uma “fada madrinha” para Kiki. Ela quem a acolhe e lhe oferece a oportunidade de trabalhar. O marido de Osono, Teishu, não tem nenhum diálogo durante toda a animação, dando a entender que a “cabeça” da padaria é ela. Miyazaki retratou Osono sendo uma mulher trabalhadora e gestante, mostrando que as mulheres mesmo nestas situações delicadas são capazes de trabalhar.

Outra personagem que merece destaque pela sua independência é Ursula. Uma artista que se refugia durante o verão em uma cabana no meio da floresta. Ursula diz a Kiki, que perdeu sua magia, que a arte e magia são semelhantes, que têm seus momentos difíceis e fáceis. Assim, aprendendo a lidar com seus sentimentos e a acreditar em si mesma, Kiki volta a ter sua magia novamente, mas já madura não entende mais Jiji, apenas seus miados.

Kurenia no Buta (Porco Rosso – 1992)

Esta animação foi como uma homenagem de Hayao Miyazaki ao seu pai.

A personagem principal é um Marco Pagott, a princípio, nem humano nem animal, mas que tem suas características marcadas por duas grandes mulheres presentes na narrativa. Marco, enquanto ainda homem, voou durante a Primeira Guerra Mundial junto com seus companheiros em direção ao combate, porém todos acabaram morrendo menos ele. Mas ao ver seu amigo Belini planar para o céu, Marco o segue entrando em um lugar proibido aos seres vivos e então é transformado em um porco.

Mesmo tendo esta forma de um animal, rejeitado pela sociedade, sua fama entre as mulheres só parece crescer. Todo povo italiano parece prestigiar Marco com exceção dos piratas do céu, os Mamma Aiuto e o americano Curtis. No entanto, por mais que o personagem principal seja masculino, são duas mulheres que fortalecem o herói.

Gina é uma mulher independente e que desde criança é apaixonada por Marco, mas não sabe que Marco também guarda esta afeição por ela. Sua maior fraqueza é de nunca ter demonstrado este sentimento, casou-se três vezes e perdeu cada um dos maridos nas guerras. Ela é proprietária do Hotel Adriano, que se situa no meio do Mar Adriático, e todos os pilotos de hidroaviões se reúnem neste local. Sendo uma pessoa muito boa e carinhosa, os pilotos evitam brigas no interior e arredores do Hotel.

Já Fio é uma garota de 17 anos, neta de Piccolo, um velho amigo de Marco, que é dono de uma empresa que conserta aviões. Neta idade Fio já projeta hidroaviões, trabalho comum aos homens daquela época. É uma personagem que, assim como Gina, também foge dos padrões das mulheres de 1920 como terem que cuidar da casa, dos filhos e do marido. Fio é muito determinada em querer ser independente.

Mas Fio não é a única mulher a trabalhar no hidroavião de Marco, e sim, várias outras mulheres, parentes de Fio, ajudam na construção, pois os homens foram para a América tentar sucesso. Estas mulheres são muito unidas e organizadas no trabalho.

Como em contos de fadas, Marco volta a ser humano quando Fio lhe rouba um beijo acreditando que a magia se desfizesse, ou seja, a inocência de uma menina quebra o feitiço.

Com estas primeiras animações de Hayao Miyazaki, já se percebe que o bem e o mal é o equilíbrio para o entendimento da vida humana e que nem sempre a forma como agimos é correta, sempre depende dos pontos de vista. Elas também mostram que para Hayao Miyazaki as mulheres não são subestimadas pelas suas delicadezas e fragilidades, ao contrário, por serem assim também conseguem ter inteligência, destreza e força (não necessariamente física) para ajudar os outros e a si mesmas.

No próximo, Hayao Miyazaki – uma inspiração para a arte, será concluída a pequena análise das obras desse diretor!

Sobre Mochi

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