Conheça um pouco mais sobre a estética kawaii.
Kawaii é um termo muito comum entre os fãs da cultura pop japonesa. O seu significado sofreu modificações no percurso de sua trajetória linguística e cultural fortalecendo-se como uma estética ou mesmo um modo de vida. é possível encontrarmos o kawaii na vida cotidiana japonesa como: nas sinalizações das ruas, nos restaurantes, nas lojas, nas roupas, nos gestos, nos sons que circulam pelas cidades e também na fala.
No ocidente tem-se discutido recentemente muito sobre os conceitos que cercam a cultura e a arte nipônicas. A cultura pop japonesa, por exemplo, é um fenômeno que encontrou um espaço considerável na sociedade jovem ocidental pela receptividade do mangá e dos produtos atraentes advindos desse gênero. A trajetória do animê e mangá através o mundo “exportou” o universo kawaii a outros países. O Brasil, por exemplo, importou o estilo Lolita e o cosplay, por ser considerado atraente por muitos jovens brasileiros, assim como o apreço por pequenos objetos delicados e fofinhos.
O kawaii revela um público jovem que parece não querer crescer e assumir responsabilidades do mundo real adulto; para eles é como se fosse uma “válvula de escape” para permanecer no conforto da juventude.
As mulheres japonesas, por exemplo, não importando a idade, têm um comportamento que chama a atenção de qualquer estrangeiro, seja homem ou mulher, quando no Japão, com formas de comunicação não verbal muito peculiares e influenciadas pela estética kawaii, demonstrando como desejam se mostrar delicadas, frágeis, bonitinhas e dengosas.
Pode-se perceber através do modo de gesticular, que os movimentos corporais são contidos, calmos, tranquilos, até infantilizados. A parada é realizada com poses em um equilíbrio instável, com os pés inclinados para dentro, as pernas frequentemente dobradas, as mãos escondidas por mangas compridas demais e os dedos esticados para fora, muitas vezes com os pulsos dobrados, o tronco um pouco curvado para frente e para os lados, com a cabeça levemente inclinada para um dos lados e, às vezes, para baixo; ou quando riem, logo colocam a mão sobre a boca delicadamente, com um movimento sutil demonstrando uma certa vergonha infantil.
Os lábios emulam um sorriso de gatinho, para reforçar a expressão oral e os movimentos do rosto em geral e da boca em particular, seguindo uma longa tradição histórica japonesa de admiração em relação aos gatos. As bochechas são maquiadas em tons rosados, de forma a realçar o tamanho delas, ao invés de disfarça-las alongando o rosto.
Este artifício transmite uma expressão de indefesa reforçando uma noção de infantilidade e fragilidade. Essas características também são encontradas nas páginas de mangás, geralmente na cena em que a personagem é apresentada de corpo inteiro ou mesmo nos estudos de personagens dos model sheets.
Mas encontramos minuciosidades, que também são características do kawaii, em mini gelatina em formato de sushi, sashimi, kare (curry) que se tornam uma bala; ou os obentôbako (marmita fria) que as crianças levam para as escolas e piqueniques, que apresentam rostos de bichinhos ou personagens de mangá; ou mesmo as vitrines das entradas dos restaurantes, em que mesmo não sabendo ler japonês, é possível compreender o que está sendo servido pelo simples fato das comidas serem expostas em reproduções de resina e nos tamanhos reais dos pratos oferecidos no cardápio, mas todos eles muito bem elaborados e com bonita aparência, afinal a visualidade é importante para chamar a atenção.
A vestimenta também é repleta de detalhes, pequenos enfeites cheios de fitas, babados e as cores são suaves, com tons pastel, no estilo de roupas infantis em corpos de mulher. No entanto, ressalta-se aqui que estes aspectos são encontrados em exagero no estilo Lolita. Embora o termo tenha relação com o nome do livro de Vladimir Nabokov (1899 – 1977), na cultura japonesa ele se refere a fofura e/ou elegância e/ou uma espécie de feminilidade agressiva.
Essa moda de rua foi popularizada pelo Visual Kei, que é uma combinação de um estilo extravagante de se vestir, maquiagem exagerada, penteados exóticos e com um gênero musical particular, muitas vezes inspirados no punk rock e heavy metal ocidentais. Ele é muito influenciado por itens da cultura britânica como: Alice no País das Maravilhas, o Glam Rock, o New Romantics, o gótico, o punk e a estilista Vivienne Westwood. Mas também existem outros estilos de Lolita como a Sweet Lolita, tendo suas origens nas bonecas infantis antigas no estilo vitoriano.
Por volta da década de 1980, os homens mais jovens tiveram grande importância na cultura kawaii, pois compartilhavam com as mulheres o apreço por objetos fofinhos. Assim, observou-se que o estilo kawaii tornou-se também andrógino, se propagando entre os jovens que encontraram uma nova forma de se comunicar, através da escrita ou da fala.
Geralmente, a escrita kawaii difere da tradicional verticalizada porque é feita na horizontal, mesclando inglês ou outra língua no alfabeto romano ou fonogramas katakana e alguns pequenos desenhos. Esse estilo recebe diversas nomenclaturas como marui ji (escrita redonda), koneko ji (escrita de gatinho), manga ji (escrita de mangá), burikko ji (escrita de falsa-criança).
Essa infantilização kawaii na fala pode ser observada, nas onomatopeias. Tem-se conhecimento que é comum um adulto falar com uma criança usando onomatopeias, no entanto, no Japão, o uso delas é mais frequente, existindo inclusive, um dicionário com 4.500 onomatopeias. Ela está presente no cotidiano nipônico como uma forma interativa e isso ecoa nos mangás como expressões de sentimentos, emoções, fenômenos naturais etc. As onomatopeias possuem significado tanto enquanto palavras como em figuras.
Todos estão envolvidos na sociedade e cultura japonesa que buscam expressar sentimentos e emoções guardadas por um país que trabalha no pensamento coletivo de organização e funcionalidade de uma sociedade, mas que enxergam através da estética kawaii a possibilidade de “fugir” das regras.
* Escrito em colaboração com Claudio Ballande Romanelli, professor do Instituto Federal de São Paulo e ex-bolsista da Univeridade de Gakushuin.
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