O esquerdismo está mesmo prejudicando a venda de HQs?

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Leia e descubra.

Passeando pela internet encontrei o seguinte texto, que me chamou a atenção, Como o esquerdismo está prejudicando a venda de HQs. Ao clicar, descobri que o texto era de autoria de Darin Wagner e que se tratava de uma tradução.

Li o texto e achei muito estranho que no título estivesse escrito algo como “esquerdismo”, pois o termo não é utilizado com frequência nos Estados Unidos e resolvi ler também o original, que você pode ler aqui, que foi publicado em 2012, mas só recentemente traduzido.

Como você pode ver, o tradutor deu uma interpretação particular ao título. No original How Liberalism May Be Hurting Comic Book Sales, ou seja, Como o liberalismo pode estar prejudicando a venda de HQs. Ao traduzir “liberalismo” por “esquerdismo”, o tradutor  dá ao texto uma conotação que não tem, uma vez que muitas características de um liberal americano poderia ser atribuída a alguém com posturas políticas classificadas como “de direita” no Brasil. Você classificaria Barack Obama como “esquerdista”? Ou Bill Clinton? Pois eles são considerados presidentes “liberais” nos Estados Unidos.

Action Comics #900, de David S. Groyer. O Superman diz "Verdade, Justiça e o Estilo de Vida Americano não são mais o bastante"

Action Comics #900, de David S. Groyer. O Superman diz “Verdade, Justiça e o Estilo de Vida Americano não são mais o bastante”

Mas para além desse equívoco de tradução, os argumentos de Darin Wagner são um tanto frágeis e até contraditórios. O trecho que sintetiza seu argumento é:

As pessoas por trás das cenas [os criadores, roteiristas, desenhistas, editores etc.] deixam suas posições políticas pessoais infectarem as histórias de super-heróis, as quais em outro tempo já foram apolíticas e cujas aventuras eram destinadas ao entretenimento de qualquer pessoa. Este fim em si mesmo não seria tão ruim se não fossem sempre as mesmas opiniões políticas repetidas ad nauseum.

E no último parágrafo sentencia que:

Qualquer um sabe que quando uma forma de entretenimento fica politizada, há um sério risco de sua audiência cair no mínimo à metade. O público leitor de HQs tem minguado progressivamente e está mais do que na hora da indústria levar em consideração que grande parte do problema é o conteúdo.

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Capitão América socando Hitler em sua estréia em 1941. Será que alguma vez super-heróis foram realmente “apolíticos”?

Então o problema de Wagner não é a politização dos quadrinhos de super-heróis, mas sim que essa politização seja, de acordo com ele mesmo, liberal e não conservadora. Também não se sabe de onde ele tirou a informação/estatística de que “quando uma forma de entretenimento fica politizada há um sério risco de sua audiência cair no mínimo à metade”.

Outro problema grave na análise de Wagner é ele afirmar que as histórias de super-heróis já foram “apolíticas”, quando no texto ele mesmo afirma que “O primeiro super-herói de quadrinhos, Superman, enfrentou a agenda esquerdista [‘liberal/social agenda’ no original] nas suas primeiras histórias. O personagem só se tornou um símbolo de autoridade jurídica posteriormente”, o que desmente sua própria afirmação de que as histórias de super-heróis já foram “apolíticas”.

Curioso também notar que o autor cita como exemplos de quadrinhos liberais, que de acordo com ele estão fazendo minguar o público leitor de quadrinhos nos EUA, O Dia Mais Claro, que vendeu muito bem, e a fase do Arqueiro Verde/Lanterna Verde Hard Traveling Heroes, de Dennis O’Neil e Neal Adams, clássico da Era de Bronze, que, mesmo não sendo sucesso de público na época em que foi lançada, hoje é considerada cult – tão cult que rendeu uma reedição de histórias selecionadas da série na década de 80. Mas, verdade seja dita, as vendas do Lanterna, na época, já vinham numa trajetória de declínio.

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Capa clássica da fase Hard Traveling Heores

Então o problema de Wagner não é que os quadrinhos sejam de fato politizados, mas que essa politização não seja conservadora. E não haveria nada de errado em pedir mais representatividade nas histórias de super-heróis para os conservadores dos EUA, mas o problema está em afirmar, sem nenhum dado concreto, que uma politização liberal das histórias de super-heróis é a causa da perda de público para os quadrinhos.

Brian Michael Bendis afirmou em uma entrevista que ao escrever uma história, é a própria história que deve vir em primeiro e a “mensagem” deve estar em segundo plano, mas as melhores são as que têm as duas coisas. Frank Miller e Alan Moore sabem muito bem disso.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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13 respostas para O esquerdismo está mesmo prejudicando a venda de HQs?

  1. Postagem bem a propósito dos tempos atuais aqui na pátria, onde o maniqueísmo mais básico vê chegada a sua hora.

  2. Tem sempre uma pessoa querendo arrumar um meio de colocar suas teorias como se elas fossem uma grande verdade para esta ou aquela queda de vendas. Não acredito que haja um número menor de leitores de quadrinhos, mas, se vem acontecendo, deve-se a alguns fatores peculiares daqui:

    – economia que não permite que o leitor seja um consumidor frequente de HQs

    – formato de revistas completamente desinteressante, eu mesmo tenho vontade de comprar Batman, Superman, mas quando vejo na banca que a história não tem fim e nem começo (porque emendam uma trama na outra) e se arrastam por vários arcos, ou seja, edições, simplesmente não dá para comprar. Como vou comprar uma revista mensal que nem sei se a história está no começo, na metade, no fim…fica complicado esse padrão. Ah, mas tem os encadernados!! Mas nem todo mundo quer comprar um encadernado. Às vezes, tudo o que o leitor quer, é uma mensal, bem mais barata e simples do que um encadernado.

    – a vanglorização de pseudo intelectuais dos quadrinhos que ficam impondo suas expressões em redes sociais deixa tudo ainda mais chato e desanimador.

    Bom, minha opinião essa, se é que há queda de leitores de HQs no Brasil, o que não acredito nenhum pouco.

    • Nerdbully disse:

      Bom, é fato que o público que paga para consumir histórias em quadrinhos nos EUA vem caindo historicamente, porém é difícil saber se o público que lê está de fato caindo, pois é possível baixar hqs pela internet sem necessariamente pagar por elas. Brasil e EUA apresentam realidades muito diferentes quanto ao mercado e ao público consumidor sem dúvida. Difícil achar as causas, mas desconfio fortemente que a politização das hqs não é um fator para queda de vendas.

  3. João Paulo disse:

    Na verdade, a tradução foi bem acertada. Qualquer pessoa que acompanhe o noticiário político americano sabe que Liberal ou liberalism perdeu sua conotação original: a do liberalismo clássico, o econômico . Hoje, é sabido e notório, que liberal designa o político/eleitor/ativista do partido democrata: que é a esquerda americana. De liberais não têm nada. Os liberais como conhecemos estão todos no partido republicano. Vide, Ron Paul e Rand Paul. Essa confusão é normal, pois a palavra tem conotações políticas completamente diferentes no Brasil e nos EUA. Mas a adaptação está correta. E sim. Barack Obama, ao lado de Jimmy Carter e Franklin D. Roosevelt, é o presidente mais à esquerda que os EUA já viram. Neste comentário não cabe explicações, mas caso queiram saber o porquê de “liberal” ter essa conotação à esquerda leiam “Liberal fascism” que no Brasil foi traduzido como “Fascismo de esquerda”.

    • Nerdbully disse:

      Olha, se aceitarmos a tradução Hugo Chávez e Barack Obama são “esquerdistas”. Acho que deixar como “liberal” gera menos confusão que traduzir como “esquerdismo”.

      • Erick Artmann disse:

        Até porque o partido democrata não chega a ser uma instituição de ou pró esquerda, que nem existe na política de peso nos EUA. Democratas são de centro, centro-direita, centro esquerda só se considerar a ideologia mais ambientalista de Al Gore, que se tornou um outsider no próprio partido (e talvez o ObamaCare e algumas teorias pró-imigrantes q não colocou em prática), e republicanos são de direita ou extrema-direita, caso do Trump.

    • Velho Quadrinheiro disse:

      João Paulo, discordo.

      Ser “mais à esquerda” nos Estados Unidos não é a mesma coisa que dizer que ser liberal É IGUAL a ser de esquerda. Este sim foi o equívoco de tradução apontado pelo post. A tradução do artigo original incita ao erro do significado, cujo matiz de diferença o autor conhece bem.

      Da mesma forma que “esquerdismo” no Brasil não quer dizer reconstrução de um capitalismo liberal robusto via “New Deal”, não é possível chamar o conservadorismo americano de um Ron Paul ou de uma Sarah Palin de “coronelismo”.

      Cada um com seu cada qual, eis a natureza do esforço feito aqui.

  4. Anderson disse:

    Eu não sei se esta fazendo cair as vendas no EUA mas eu deixei de comprar por causa disso, hoje eu só leio Hqs antigas e mangas.

  5. Rômulo Mafra disse:

    Perfeito a crítica do texto! Igualar Liberalismo e Esquerdismo (que já é uma forma de criticar a esquerda, pela conotação que temos aqui da palavra “esquerdismo”) é coisa de conservador que não sabe o que falar e quer achar besteira pra pagar de intelectual.

  6. Parabéns a vocês do Quadrinheiros por se disporem a ler esse texto, buscar o original e ainda tentar explicar o porquê não disso estar acontecendo. Sinceramente, fui tentar ler o texto traduzido e simplesmente não desceu. Não sei exatamente se pelo excesso de burrice ou pela ausência de conhecimento real do o texto fala.

  7. pblrdg disse:

    Parabéns ao Quadrinheiros pela disposição em ler o texto, buscar o original e ainda procurar explicar o porquê desse fato não ser completamente real.

    Confesso que tentei ler o texto traduzido e devo dizer que não me convenceu. Não sei dizer se é pelo excesso de burrice ou pela falta de conhecimento sobre o tema em questão. Realmente não sei dizer, acho que preciso refletir.

    Reduzir a queda na venda dos quadrinhos a um fator de posicionamento político chega a ser inocência considerando que muita gente os baixa pela internet nos dias de hoje. Segundo que considerar que os quadrinhos sejam apolíticos, bom, só comecei a ler X-men por que tratavam diretamente de problemas como preconceito e divisão social. Enfim, há inúmeros elementos que podem ser citados pra refutar esse texto, mas não é preciso já considerando que vocês o fizeram.

    Mais uma vez parabéns pelo excelente trabalho de vocês!

  8. Pingback: Stan Lee sobre a politização dos super-heróis | Quadrinheiros

  9. Erick Artmann disse:

    bacana a sua análise, mas há coisas a acrescentar, e concordo também com os pontos mencionados pelo Fabiano! vou reproduzir aqui o que comentei na tl de uma amiga q compartilhou seu texto no face:
    O link da tradução da offline, mas deu pra ver que o blog se chama “tradutores de direita. org”; e o texto original é ridículo! basta lembrar que Alan Moore foi um dos monstros que elevou os quadrinhos de super-heróis a um outro patamar e reconquistou o público adulto, ampliou aos intelectuais/acadêmicos, e propôs reflexões importantíssimas ao povão, justamente com obras filosoficamente complexas e q venderam muito bem, como watchmen, v de vingança e a saga do monstro do pântano. Aquilo poderia ser colocado como temáticas de esquerda. O que acontece hoje, da presença e talvez exigência de personagens negras, homossexuais e maior importância às femininas, é bacana mas nem tanto quando o autor cumpre uma exigência de mercado politicamente correto e/ou segmentado. Muitas histórias ganham ou mantém público por esse aspecto, inicialmente ao menos, mas não tem qualidade empírica, embasada, tanto que a miséria, que tão bem conhecemos por aqui e que lá nos eua os imigrantes ilegais vivenciam, ainda mais hoje no governo Trump, não está presente (e sejamos justos, muto pouco também nas hq de mercado por aqui). Pra concluir, o que realmente faz a queda nas vendas é, na minha opinião, especialmente a mudança de cenário da midia! menos quadrinhos (e livros e teatro), mais games, cinema, cartoon/animação e especialmente séries (tv/web)! Claro q sempre haverá as produções comerciais, em todas as mídias, destinadas às massas, que vendem rápido, mas a longo prazo são as boas obras que se consagram, e essas, são boas porque humanas, mais à esquerda portanto!

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