Para quem escrevemos?

2442785-silver_surfer_by_theking78A mediocridade não conhece nada acima de si mesma, mas o talento reconhece instantaneamente o gênio

Sir Arthur Conan Doyle

Toda vez que publicamos um texto que foge do senso comum aqui nos Quadrinheiros é sempre a mesma coisa: uma chuva de comentários ofensivos. Alguns pelo Facebook, fóruns, outros aqui pelo blog -mas esses, como você pode ver no aviso da coluna lateral nós simplesmente deletamos. Ou então aqueles que simplesmente sentenciam sem argumento algum, escrevendo coisas do tipo “É uma bosta” “É um lixo” e por aí vai (e esses também são solenemente deletados, pelo mesmo motivo que está na barra lateral).

Fora isso há o grande número de pessoas que, mesmo sem ofender, simplesmente não entendem o que escrevemos e nos cobram por coisas que não dissemos ou simplesmente parecem não conseguir entender (ou fazer questão de não entender) um argumento.

Foi assim quando publiquei o Destruindo Clássicos: O Cavaleiro das Trevas, sobre a camarotização da CCXP; quando o Picareta Psíquico escreveu sobre cosplay e misoginia e outros tantos. E o texto do porquê Claremont é mais importante que Moore para a indústria dos quadrinhos não foi diferente – e certamente não será o último a despertar tais reações.

Você pode olhar nos comentários de qualquer dos textos citados. Claro, não há só má compreensão de texto, há muitos comentários interessantes e interessados ali (e agradecemos imensamente a cada um deles). Mas parece que há alguma (ou muita) má vontade ou até mesmo impossibilidade de entender o que está escrito, especialmente quando isso afronta aquilo que o leitor tem como pré-estabelecido.

Já dissemos aqui várias vezes e repito: aqui somos todos fãs, palavra que deriva de fanático, ou seja, uma relação que só pode ser passional com o objeto de fanatismo, por isso às vezes as reações de quem lê são exaltadas. Natural. Mas parece que não há muito esforço em superar esse estágio passional da leitura de um texto para tentar entrar num estágio, digamos, mais imparcial, mais “racional”, na falta de uma palavra melhor.

Não quero cair na utopia do leitor ideal que compreende tudo que escrevemos. Como diz Michel Laub:

“Ser ouvido”, portanto, tem algo de utópico se pensarmos em conceitos como o do leitor ideal, que entende exatamente o que gostaríamos de dizer. Não entende: gostando ou não, ele não conseguirá ver no texto aquilo que vemos de modo orgânico, por conhecermos tão bem o mundo interno a partir do qual o produzimos

Deleuze diz algo muito próximo:

A arte de construir um problema é muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema, antes de se encontrar a solução. Nada disso acontece em uma entrevista, em uma conversa, em uma discussão. Nem mesmo a reflexão de uma, duas ou mais pessoas basta. E muito menos a reflexão. Com as objeções é ainda pior. Cada vez que me fazem uma objeção, tenho vontade de dizer: ‘Está certo, está certo, passemos a outra coisa.’ As objeções nunca levaram a nada.

Ao ser confrontado com algo que o desafia, com algo que exige esforço para a compreensão, a reação mais óbvia é a objeção. Simplesmente interrompe-se o fluxo do pensamento e pronto. Há até um certo alívio na objeção: ufa, ainda bem que tenho uma objeção, assim não preciso entender o que meu interlocutor está dizendo. Lembro de um texto que li há muito tempo, que alerta para o fato da tentação de se cair no automatismo concordo-discordo, que você pode ler aqui.

Mas, voltando ao assunto, se, no limite, nunca somos completamente compreendidos, pra que escrever? Pra que publicar um texto? Certamente não é pra ter mais views ou para ser elogiado, ou mesmo para gerar polêmica.

Se escrevemos aqui é porque pressentimos que há outros como nós, ávidos por superar as barreiras do senso comum e sem medo de pensar. Pensar sobre quadrinhos, nossa paixão, sem abdicar de certo rigor. Quando começamos o blog há alguns anos tínhamos a intuição de que encontraríamos pessoas assim e de fato as encontramos.

Se a má vontade na leitura por alguns é o pedágio que temos que pagar para encontrar essas pessoas, que assim seja.

É até um preço pequeno.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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11 respostas para Para quem escrevemos?

  1. Góis Murdock disse:

    NerdBully, o trabalho de vocês em escrever acerca do universo das HQs é fantástico. Vocês conseguem utilizar uma linguagem de fácil entendimento, com uma abordagem séria e comprometida com o conteúdo. Quando participei do curso Vertigo esperava encontrar fãs de quadrinhos que pudessem me mostrar novos horizontes e conhecimentos e eu não estava errado (conheci Foucault graças a vocês e me aprofundei em suas ideias). Continuem com este extraordinário trabalho/missão conscientizando os leitores e nos fazendo amar muito mais os quadrinhos. Muito Obrigado.

    Att: Wesley Patriota

  2. Pingback: Para quem escrevemos? | Túlio Vilela

  3. Superei um grande medo quando comecei a escrever artigos sobre HQs: as críticas. Sempre que escrevemos algum texto somente para nós ou para um grupo fechado, beleza, sabemos o que poderemos ouvir, mas quando colocamos em aberto, para todos, aí vem qualquer coisa de qualquer um que pode realmente ser conhecedor ou um que pode ser o “achador”, que pensa saber de alguma coisa e ainda opina sem base alguma. Cabe a nós separar o joio do trigo, existem as críticas que ajudam e as críticas que destroem, escuto ambas e procuro analisar o que posso tirar de bom disso. O jeito de vocês escreverem é um dos que mais me agrada, conteúdo e análise condizentes, de um jeito pessoal porém de fácil compreensão, é autoral e muito melhor do que pessoas que traduzem materiais de qualquer maneira em busca de ‘likes’ ou somente visualizações para o contador apenas na função de inflar o ego sem contribuir para a cultura nerd, o que precisamos é de textos feitos por pessoas que respeitam os quadrinhos como a arte que são. continuem nesse caminho sem medo porque nós, apaixonados por HQs, agradecemos. Abraços!

    • Nerdbully disse:

      Obrigado, Giulianno. Como disse: um preço pequeno para encontrar pessoas que estão a fim de pensar sobre quadrinhos além do senso comum. Abraço!

  4. Ricardo Filho disse:

    Discordo, o grande problema não é a interpretação de texto, o problema real é que as pessoas, principalmente na ”segurança” da internet, não aceitam serem questionados nem que as pessoas tenham opiniões que diferem da delas, eu discordo de algumas coisas que vcs postam mas eu preciso vir aqui nos comentários digitar inomináveis coisas a respeito de vcs por que eu não concordei com algo? Claro que não, mas a internet traz a tona o pior do ser humano, aqui se tem a ilusão que podemos tratar os outros como quisermos pelo fato de não estarmos cara a cara. Conheci o blog a pouco tempo, mas vou passar a acompanhar sempre que possível, parabéns pelo trabalho.

  5. FTF disse:

    Caras, sempre vão surgir aqueles tipos que não querem ou não conseguem pensar em realidades diferentes das deles, esses vão passar por aqui e só vão levar raiva dentro deles. Vocês sabem o significado de “aquilo que não me mata me deixa mais forte” e podem resistir. Além disso, os que sobrarem por aqui sempre vão ser os que buscam pensar e repensar constantemente, e tem aqueles que ontem começaram a refletir um pouco além daquilo que propagam as ondas de rádio. “Pensem nas criançinhas” e continuem marchando.

  6. Luciano Cunha disse:

    Melhores do país! Keep rockin’!!

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