Daqui a poucas semanas vai ser lançado nos cinemas O Homem-Formiga, novo filme da Marvel Studios. Depois uma campanha de marketing pesada, posicionada entre o começo do verão americano e fim da alta temporada de lançamentos, o resultado já é “tangível”.
Não só o leitor de quadrinhos, mas o fã de filmes de super-heróis já têm uma boa ideia do que se trata e sabe que o Homem-Formiga é parte de um universo referencial mais amplo e complexo. Um mundo de regras e ícones bem sólidos ao qual o herói inseto é apenas mais um componente. Mas aí é que está o problema.
A distância entre o que se “é” (o filme) e aquilo que “se sabe que existe além” (mais de 50 anos de histórias em quadrinhos), transforma-se de uma lacuna inofensiva ou divertida de se explorar em fonte da força de uma espécie de “ditadura” nerd.
Ela é fundamentada por “ortodoxias” (Han Solo atirou primeiro), “assembleias” (Comic Con), “rituais” (ligar a TV na hora certa que passa a série do herói) e “porta-vozes” (sites especializados). Muitas vezes, essa “autoridade” no assunto nasceu de uma paixão infantil, foi temperada por grupos de pesquisa científica e dali se propaga por sites e blogs especializados.

E aqui é diferente? Obviamente que sim! Por que? Porque diferentemente de qualquer outro site especializado em quadrinhos, Quadrinheiros se perguntam obsessivamente se estão fazendo a coisa certa. Leia o post aqui.
Desafiar a “ortodoxia” pode levar a violências emocionais sutis. Talvez não menos traumáticas como o pior episódio da sua adolescência. Claro, o novo filme do Homem Formiga é um pretexto para enxergar isso. Afinal , o mesmo acontece com praticamente a todo produto cultural derivado dos quadrinhos. Mas como assim?
Veja, deste lado do balcão, quadrinhos (e tudo que é associado a eles) é visto como uma espécie de “sismógrafo” cultural. Se há um número grande de pessoas se manifestando a favor, contra, neutro, ou simplesmente consumindo em massa qualquer coisa que seja ligada a quadrinhos, é óbvio que existe um envolvimento subjetivo bem acentuado com aquele produto. Desse envolvimento existirem aqueles que se imputam maior autoridade sobre outros que compartilharam a mesma experiência: eis o sintoma de que alguma coisa vai mal.
Para ficar num exemplo médico.
Quando um médico, depois da recuperação rápida de um paciente, chega para a família e diz: “jamais vi alguém se recuperar tão bem como fulano”, a frase vai virar um mito na família. Verdadeira proeza médica e talvez até espiritual! Fato inquestionável. “É corpo fechado!” – vai dizer a vó, arretada. E tudo por que? Porque o médico, esse sujeito versado numa prática desconhecida por todos –a prática médica-, jamais viu algo parecido. E isso faz dele uma autoridade em proezas de recuperação? Ou meramente um sujeito de carreira curta?
A diferença com quadrinhos é que todos (mais ou menos) têm acesso aos mesmos produtos e, portanto, se sentem suficientemente versados para postular qualquer tipo de opinião. Um dos temas mais polêmicos que já vimos por aqui é se o Batman seria um problema mental ou social. Ou se os quadrinhos incentivam sexismo. Como resposta já lemos coisas que teríamos vergonha de repetir na frente de um marujo bêbado na porta de uma casa de tolerância às 4 da manhã (e que permanecerão não publicadas conforme o aviso da barra lateral deste blog).
Se todos os leitores já consumiram as mesmas coisas, por que todos simplesmente não concordam entre si? Ou melhor, por que não aceitam que várias interpretações podem coexistir?
Opinião da casa: sim, elas podem. E procurando no lugar certo, sim, a coexistência de ideias acontece. As vezes ao ponto de edificar teses. Mas o que tem chamado atenção é um tipo de fenômeno, um frequente “autoritarismo nerd”. Minha hipótese é que, aqui no Brasil, ele é sintoma de algo anterior: um vício autoritário ancestral, ainda mal reconhecido – provavelmente porque inconsciente.
Ter pós-graduação em História, Letras, Comunicação ou Semiótica, um site, um canal ou um blog não garante que o sujeito tenha mais razão sobre algum quadrinho ou filme lançado. Significa apenas que dedicou mais tempo na vida observando alguma coisa que para maioria das pessoas é algo risível. Você não precisa concordar. Mas pelo menos você poderia ouvir.
Um grande problema hoje em dia é que temos uma geração mimada e exibicionista. Eles simplesmente fazem questão de vomitar opinioes sobre todos e se você simplesmente discorda, é taxado das piores coisas possíveis. Não sabem respeitar as ideias alheias e querem sempre se sairem como os maiorais em todos os assuntos. É lamentável.
Elliott, eu ia responder, mas a Eliane Brum já falou melhor do que eu jamais poderia.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html
Acredito que tenha entendido a matéria da seguinte maneira: Temos um universo de décadas de histórias de heróis cujas raízes são defendidas pelos fãs mais ardorosos a unhas e dentes, os ortodoxos como citou e temos os heterodoxos, que não se fundamentam em nada realmente lógico para tecer suas críticas por simplesmente não serem inteirados ou respeitarem o assunto. O movimento que vejo nessa onda Marvel invadindo os cinemas é similar ao efeito Bomba G dos anos 80 com Cavaleiro das Trevas, Batman matando o Coringa, Watchmen, Comediante estuprando uma colega de equipe, Ano Um, Demolidor de Frank Miller entre outros revolucionários que tiraram o assunto quadrinhos do meio nerd, quebraram tabus sobre a imagem dos heróis, para a atenção do mundo. E agora os filmes estão na onda de repetir esse efeito com alcance ainda maior do que o da década de 80. A grande, grande mesmo, maioria do público não faria a menor ideia de quem é o Homem-Formiga se a Marvel não estivesse por trás da produção. Apoio mudanças porque nada é imutável nas leis universais, infelizmente o que me dói é pessoas que, sem ter embasamento suficiente, entram na discussão com coisas como: a roupa ficou legal ou acho que o ator poderia ser mais novo. Então, se querem deixar algo, que seja coerente para ser aceito por quem gosta de verdade do assunto e sabe analisar além da estética visual, procure estudar e conhecer o assunto para que suas opiniões sejam bem recebidas e evitar cair no dogmatismo. Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre quadrinhos, para mim, é sempre um papo entre amigos.
Giulianno,
Concordo inteiramente com “Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre quadrinhos, para mim, é sempre um papo entre amigos.”
Agora olha que interessante:
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre FUTEBOL, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre CRISE ECONÔMICA, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre RELIGIÃO, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre EDUCAÇÃO, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre UNIÃO HOMOSSEXUAL para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre USO DE CICLOVIAS, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre USO DE DROGAS, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre IGUALDADE DE RAÇAS, para mim, é sempre um papo entre amigos.
– Não existe uma autoridade máxima no assunto, nem eleição para tal, conversar sobre QUALQUER ASSUNTO POLÊMICO, para mim, é sempre um papo entre amigos.
Ou pelo menos, pra mim, é como deveria ser. Mas na maior parte do tempo eu sinto que não é.
Boa matéria. Gostei ! Relevante e inteligente.
Valeu Alan!!
Abs!