Um leitor do nosso blog propôs um debate sobre o seguinte quadrinho bastante popular no facebook:
Afinal, a existência do Batman é um problema social? Os pais do jovem Bruce Wayne foram assassinados por um ladrão num assalto a mão armada. Simples assim. Agora, nos Novos 52 e na recente Batman Earth One o assassinato dos Wayne não é fruto de um mero acaso, mas sim algo envolvendo uma conspiração.
(Nota: há uma história da Era de Prata onde o assassinato dos pais de Bruce não é um mero acaso, mas uma vingança do assaltante de bancos Lew Moxon, que contrata Joey Chill para matar os Wayne, que você pode ver na coletânea recém publicada pela Panini Batman: arquivo de casos inexplicáveis, onde são mostradas as histórias que Grant Morrison utilizou como inspiração para construir as histórias de sua fase com o Homem-Morego)
Mas vamos ficar com a origem clássica. Bruce sofre um trauma psicológico causado por um problema social. Então, observação do sociólogo é válida? Um dos fatores que gera violência é a concentração de renda, Bruce Wayne é um milionário, logo ele é causador da própria violência que tenta combater?
Até Grant Morrison parece compartilhar dessa visão quando disse em uma entrevista que ficou “interessado no elemento de “classes” que envolve o Batman: Ele é um cara rico que bate em gente pobre. É uma missão bem bizarra sair a noite vestido de morcego e dar uma surra em marginais. E aí ele vai pra casa e mora numa mansão. Há uma qualidade inspiradora nele – ele é um fora da lei e ele pode comprar qualquer coisa.
Mas Morrison já dá a dica no comentário: uma coisa é dar surra em marginais, outra coisa é fazê-lo vestido de morcego. Batman sofre de algum problema psicológico. Sua galeria de vilões é composta por pessoas igualmente problemáticas – psicologicamente problemáticas.
Levando em conta essas observações, grosso modo, podemos dar duas explicações para essa violência exercida e também gerada pelo Batman: 1) o crime é um problema psicológico. As pessoas comentem crimes e são violentas por causa de distúrbios psicológicos. 2) o crime é um problema social. As pessoas cometem crimes e são violentas pois há (muita) desigualdade social. A partir dessas duas vertentes, ou das duas, pode-se interpretar o Batman. Ele é um playboy que bate em pobres ou um doente mental que bate em outros doentes mentais?
Depende do roteirista.
Na visão clássica de Frank Miller, em Cavaleiro das Trevas podemos ver a explicação social do crime. Gotham passa por um período de decadência social e o Batman volta a ativa para conter uma geração de jovens marginais que invadem Gotham. Já no segundo filme da trilogia de Christopher Nolan Nolan, quando o Coringa surge o que aparece é o problema psicológico, e isso em vários momentos. O Coringa diz que vai dar a Gotham uma nova classe de criminosos. Batman, ao impedir que Havey Dent mate um dos capangas do Coringa diz: “Esse é o tipo de mente que o Coringa atrai”. Lembremos também que os inimigos no Batman não se encontram num presídio comum e sim no Asilo Ahkham, uma instituição psiquiátrica.
Na graphic novel Guerra ao Crime, escrita por Paul Dini e desenhada por Alex Ross, vemos Batman a partir do problema social: ao mesmo tempo em que o Batman atua como um vigilante tentando resolver o problema da violência, vemos Bruce Wayne como um filantropo que também combate o problema social.
Na verdade como o Batman é um personagem com mais de 70 anos, passando por diversos autores e concepções, é difícil colocá-lo no banco dos réus e dar um veredicto final sobre suas motivações. Depende muito de quem está conduzindo a história. E, talvez o que atraia tanto no Batman seja justamente essa ambiguidade, prova de que é um personagem bastante complexo, o melhor de todos os tempos, como já dissemos aqui.
Agradecemos ao nosso leitor Vitor Hugo Scotton pela sugestão do tema.
putz, discordo completamente da premissa essencialmente socialista. Wayne como culpado da desigualdade social? como assim? pelo q ? por ter dinheiro? alguém trabalhar e ser bem sucedido é culpado por desigualdade social? quem tem dinheiro e empreendimentos gera empregos e presta serviços
mas ok, saindo dessa questão, é um bom questionamento sim pensar sobre wayne sendo um milionário batendo em pobres, a questão no entanto eu concentraria no fato dele tomar a justiça nas proprias mãos em nome de uma motivação pessoal, lembrem-se q batman combate o CRIME, a corrupção moral, e sejamos justos, ele bate tanto no pé rapado quanto no engravatado no escritorio, ou seja batman NÃO faz distinção de classe, enxergar esse viés ideológico é simplesmente impreciso e tendencioso
Bom, discordando-se da premissa pode-se acabar com qualquer raciocínio, então para responder vou ter que mantê-la válida. E sim, ela pode ser considerada uma premissa socialista, pois, como diria Proudhon, a burguesia é culpada pelo crime de lesa-sociedade, pois a propriedade é um roubo. Bruce Wayne é um burguês e ele gera a concentração de renda etc. etc.
Seguir no seu raciocínio de “quem tem dinheiro e empreendimentos gera empregos e presta serviços” é dizer “ainda bem que existem ricos para fazer caridade aos pobres”.
Mas, saindo da questão também, a tirinha simplificou bem as coisas para mostrar o problema social que existe no Batman, problema que já foi mostrado em algumas HQ’S, especialmente a citada “Batman: Guerra ao Crime”.
Obrigado pelo comentário, como disse o Velho Quadrinheiro, um dos objetivos aqui é alimentar um debate interessante sobre HQ’s.
A concentração de renda contribui muito para a criminilidade. A fome, a falta de moradia, de conforto, saúde, lazer, cultura, segurança e a falta de bem estar social. O que vemos é uma classe burguesa que cobra altos impostos, controla o estado, joga a resposabilidade da desordem social nos pobres. Qual o futuro de pessoas passando todo o tipo de carência? O que se tornarão? Nesta premissa o Batmam não passa de um burguês moralista, que sofre de problemas psicologicos, ele gosta de bater nos bandidos, porque na verdade os bandidos são os frutos que seus pais ricos, e toda a elite de Gotham plataram nas periferias da cidade. E quer manter o controle social, e ao mesmo tempo cidade fica a mercê destes bandidos, e o enxerga como um heroi, que também tira um certo peso de sua consciência
Sem contar que é, justamente, o fato de ele ter dinheiro que permite ele ajudar tantas pessoas. A sua tecnologia, oriunda do seus recursos financeiros, permite ajudar as pessoas. Mesmo se a origem da criminalidade for a desigualdade social, e sabemos que esta não é a única, o fato de Bruce Wayne ser bilhonário é crucial para combater o crime. Afinal , se Bruce Wayne não existisse não haveria outros bilhonários?! Gothan não continuaria tendo seus problemas?! Ou melhor, o país? Considere o Bruce Wayne e Batman como um mal necessário. Isto é, Wayne usa o “mal” para combater o mal.
Olha só na boa: os sociólogos são os maiores patrocinadores da impunidade no Brasil. Esse lance de que a pobreza gera a marginalidade é coisa dos teóricos da vida… o que gera o crime é a falta de carater dos envolvidos, ricos e pobres. Diluir a responsabilidade só gera impunidade… ontem alguém ateou fogo em um dentista, como fizeram com aquela dentista de São Paulo. Espero que todos morram. E embora esses neoliberais fiquem fazendo mimimimi em defesa dos bandidos, enquanto eu for vivo levarão porrada e tiros… e quem tiver peninha que adote um…
Reduzir a criminalidade a um problema de caráter é realmente simplificar demais as coisas – mais ainda que a tirinha usada como mote para o texto. A desigualdade social é sim um fator que influencia a criminalidade – e não é preciso ser nem minimamente socialista para se concordar com isso, aliás, é um dado objetivo.
Um dos fatores do neoliberalismo é justamente o aumento de condutas consideradas criminosas, então realmente não entendi a parte do ” neoliberais fiquem fazendo mimimimi em defesa dos bandidos”.
batman faz trabalhos sociais é o unico heroi com ongs a fundação wayne isso foi feito com certeza por um comunistinha de faculdade uahua,a fundação wayne é um conceito que existe des das origens do Batman pré crise
Pois é, boa história essa aliás, mas note como Wayne NÃO é mostrado como o causador da situação em que o garoto se encontra, pelo contrário. Fosse esse o caso a narrativa poderia seguir por outro caminho, mostrando Wayne sentindo-se culpado por ser rico e causar esse tipo de coisa, ele poderia decidir acabar com suas empresas e por consequencia ficaria sem recursos pra agir como Batman.
Releia e a história com atenção e vc vai ver q é citado q a área em q o garoto vive está na situação q está pq as empresas foram embora dali, deixando as pessoas sem emprego, e a ajuda de Wayne no final consiste justamente em estabelecer empresas naquele bairro para recuperar a situação.
Se a história seguisse levando em consideração a lógica do quadrinho aí em cima e Wayne deixasse de “concentrar a renda” seria um nocaute duplo pra sociedade, de cara isso geraria desemprego, o q provavelmente geraria um aumento na criminalidade, uma vez q Wayne não possui mais recursos pra agir como batman também não teria condições de combater o crime….
Eu sei q é meio chato ficar trazendo isso aqui e peço desculpas, mas é q essa idéia de concentração de renda por culpa de empresas é falaciosa e muito disseminada.
Pense bem, se uma pessoa pobre, ou talvez até nem pobre mas classe média/classe média baixa, por acaso tem uma idéia pra um bom negócio, e ela se torna bem sucedida nele, ela por acaso está “concentrando renda”?
Claro que não. Mas quando então a concentração realmente ocorre? Quando esse indivíduo simplesmente não consegue abrir um negócio porque as regulações, impostos e taxas são tantas que inviabiliza a ele de começar seu negócio em primeiro lugar. Empresas estabelecidas influenciam as leis e ajudam a dificultar para diminuir a competitividade e manter seu monopólio, é assim q se criam corporações, q são entidade criadas pelo estado, aí sim se tem uma concentração de renda.
A questão realmente é: por que somos obrigados a responder a essas regulações e pagar essas taxas e impostos?
nenhuma outra entidade tem o direito de manter tal monopólio de prestação de serviço, não importa o quão incompetente nossos politicos e essa instituição sejam, somos obrigados a força a pagá-los, e aguentar seus mandatos por anos a fio. Não é de se espantar q haja tanta corrupção e ineficiencia, o quão bem vc trabalharia se vc recebesse seu salário não importando o quão mal vc trabalhasse?
O fato de sermos obrigados a pagar é a imoralidade fundamental no nosso sistema, se trata nada mais nada menos do q roubo instituido, puro e simples, mas como todos estamos submetidos a ele nós nem percebemos mais, apenas consideramos parte do funcionamento da sociedade e do q somos, e o q isso faz também é criar essa situação em q enxergamos qualquer um q seja bem sucedido como um inimigo, e não como alguém q tlvz possa ajudar, tlvz dando um emprego ou alguém com quem possamos talvez aprender algo, os vemos como inimigos grandes demais e q submetem a nós e aos outros e q a unica maneira de competir é através do estado, sendo q foi ele quem causou o problema em primeiro lugar, simplesmente pq uma vez q esse poder esta a disposição ele distorce todas as relações, pois se vc não usar de seu poder economico para influenciar esse poder, vc simplesmente vai perder lugar para outra empresa q decidir fazer isso.
acho interessante então quando se propõe essa relativização do crime, acho q fica claro aqui, q ela ocorre na verdade por causa dessa aceitação ou talvez de simplesmente não se perceber essa imoralidade fundamental no sistema de governo impositivo, este roubo instituido inicial, por se negar a ver ou por genuinamente não se enxergar esse fato, posteriormente isso acaba resultando por parte dos cidadãos na relativização e na tentativa de justificar o crime e resulta na criminalidade por parte dos pobres
mas ok, perdão a chatisse, deixando toda essa questão de lado e aceitando a premissa momentaneamente concordo q a piada é boa hehe
só quis deixar registrada minha opinião sobre a posição no texto mesmo
abraço
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A origem de todos heróis está embasada em algum contexto histórico e é uma forma de dialogar com esse contexto. A questão é que os personagens de Hqs, adaptam-se conforme o passar dos anos para continuar com este dialogo e tudo depende sem, do roteirista, o personagem não é algo hermeticamente fechado. Grant Morrison aborda isso muito bem em ” Superdeuses”. O fato do Bruce Wayne ser milionário e combater o crime, é sim um elemento que joga com uma contradição. Mas, isso não inviabiliza o personagem, essa é a essência do mesmo e sua complexidade em grande parte.
Corrigindo: “tudo depende sim, do roteirista…”
Mano, vim lhe dar os parabéns por seu trabalho e convidá-lo a acessar minha página de divulgação, eis o endereço → http://www.facebook.com/SavioChristiDesenhistaDivulgacao.
Bem, abraços e até mais então!
Pessoal, aqui vai uma analise que fiz ano passado quando esta “reportagem em quadrinhos” do ZéDassilva andou circulando pelo facebook. Digam o que acharam, o retorno de vcs pode ser importante: http://sdrv.ms/H6AVhF
Rodrigo, li o seu trabalho, pesquisa etc. Acho que sua conclusão, de que “a trinha “quadrinhos’ de ZS surge da generalização sobre premissas não gerais, que não são universalmente reconhecidas e que não podem ser atribuídas à fenômenos sociológicos complexos, mesmo que estes pertençam a universos ficcionais” é um pouco injusta, pois cobra o mesmo nível de argumentação de uma tese de doutorado ou de um trabalho acadêmico de uma tirinha. Acho que o trabalho do ZS tem o mérito de destacar um ponto importante que compõe o Batman, que é o elemento social, de classe mesmo. Tão importante que até o Grant Morrison, um dos grandes roteiristas das DC atualmente, responsável pelas histórias do personagem até bem pouco tempo (e com um grande sucesso) também chegou a comentar esse mesmo aspecto e que utilizei como mote para escrever o texto.
Mas sua análise dos argumentos da tirinha é extremamente válida. Sem dúvida, se fosse um doutorado, mestrado, artigo acadêmico a tirinha do ZS teria sim muitas falhas na argumentação, mas como tirinha ela funciona muito bem. Pois, embora não seja o único fator, a concentração de renda é um dos fatores que explicam esse fenômeno social complexo que é a violência e, como disse no texto, dependendo do roteirista, isso tem um papel maior ou menor nas histórias do Homem Morcego.
E, para lembrar uma frase muito interessante de Nietzche: a verdade é a centelha entre duas espadas.
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