
Arte de Ray Lago
Uma breve discussão sobre as Eras dos quadrinhos de super-heróis.
A existência da existência de “Eras” nos quadrinhos é um assunto controverso. Há muita discussão tanto entre acadêmicos e fãs sobre se elas existem ou não e, se existem, quais seriam, quando começam, quando terminam etc. Fizemos uma série sobre isso no nosso podcast, o Papo Quadrinheiro, cujo primeiro episódio está aí embaixo.
Também discutimos essa questão das Eras no livro A história das histórias em quadrinhos – As Eras do Super-Heróis. Se você se interessa por essa discussão vale a pena conhecer.
O fato é que, embora não seja consenso, produtores e consumidores de quadrinhos guiam-se por essas Eras, especialmente nos quadrinhos de super-heróis, sendo a superaventura nos quadrinhos um gênero bastante autorreferente e, principalmente em meados dos anos 90, bastante autoconsciente disso.
Em 1996 o personagem Supremo criado por Rob Liefeld inicia por uma interessante fase com Alan Moore nos roteiros. Em sua fase, Alan Moore abraça as referências ao Superman no personagem e, em uma metanarrativa, faz arcos de histórias que resgatam a história do Superman nas diversas Eras, tal qual ele as entendia: Ouro, Prata, Bronze e Moderna. Em certos aspectos, essa história preconiza All-Star Superman, de 2007-2008, em que Grant Morrison revisita toda a história do Superman, fazendo referência a todas as suas facetas até então.
Em Flash #134 (data de capa fevereiro de 1998), com roteiro de Grant Morrison e Mark Millar e desenhos de Paul Ryan, temos o seguinte diálogo:
Denominando as Eras e dando algumas datas como referência, Morrison/Millar estabelecem as Eras de Ouro, Prata, Trevas e uma ainda inominada. Anos mais tarde em seu Supergods (2011), Morrison a denominaria como Renascença, dando como principal característica uma volta aos valores perdidos da Era de Prata, do mesmo modo que, após a Idade Média (por vezes também denominada de Idade das Trevas), o Renascimento marca um retorno aos valores da Antiguidade greco-romana.
Especialmente na DC e em alguns personagens, as balizas das Eras ficam explícitas nas gerações de determinado heróis como o Flash (mais detalhes aqui) e Lanterna Verde (mais detalhes aqui). Jay Garrick é o velocista da Era de Ouro, Barry Allen é o Era de Prata e Wally West (como indicado na periodização proposta no nosso já mencionado livro) representa a Era de Ferro. A volta de Barry Allen marca a Renascença nos quadrinhos. No caso do Lanterna Verde, Alan Scott é uma figura da Era de Ouro, Hal Jordan, da Era de Prata, e Kyle Rayner simboliza a Era de Ferro. Assim como Barry Allen, a volta de Hal Jordan representa a Renascença. Aliás, um importante autor do período da Renascença é Geoff Johns, responsável por trazer de volta Barry Allen e Hal Jordan, reforçando a característica do período de fazer uma releitura da Era de Prata.
Essa questão geracional fica bem evidente na minissérie Fear Itself (1999), com roteiro de Ron Marz e desenhos de Brad Parker. Na história os Lanternas Verdes encaram um monstro que renasce de tempos em tempos, representando os maiores temores dos Estados Unidos: Alan Scott enfrentou o nazi-fascismo, Hal Jordan o comunismo e Kyle Rayner o terrorismo, em uma história que estabelece uma metalinguagem sobre as Eras, as gerações de heróis e a história dos Estados Unidos.
Na obra Superhero – the secret history of a genre, Peter Coogan cita Thomas Schatz como referência teórica para pensar a superaventura como um gênero, adotando sua noção de que um gênero precisa ser reconhecido como tal por seus criadores e público para constituir-se como gênero. O mesmo poderia ser dito sobre as “Eras”, ao menos no caso específico dos quadrinhos de super-heróis dos Estados Unidos, uma vez que, conforme mostrado, os criadores usam essas Eras como referência para suas criações, referência essa que é compreendida pelo público leitor, conforme observado.
Se aceitarmos a proposta de Morrison/Millar de que a Era das Trevas terminou em 1995 e que cada uma duraria cerca de 20 anos, significa que uma nova iniciou-se por volta de 2015. Como já postulamos, uma Era da Diversidade?
Ainda é cedo para arriscar uma resposta…