A violência praticada pelos super-heróis é legítima?
Um dos pontos principais da crítica ao gênero super-herói permanece a mesma desde Wertham: a violência praticada pelos super-heróis, meio principal pelo qual resolvem-se os conflitos em suas histórias, é em si problemática, o que teria séries consequências psicológicas, políticas, sociais etc.
A violência praticada por seres com tanto poder teria sérias implicações. Não é à toa que são chamados de Pessoas de Destruição em Massa na hq Os Supremos, de Mark Millar e Bryan Hitch. Uma maneira muito clara para expressar o potencial bélico e destrutivo dos super-heróis.
Do ponto de vista político o principal problema estaria na questão do monopólio da violência legítima*, que deve ficar reservado ao Estado dentro de uma ordem política estável. Importante ressaltar, não basta a existência do monopólio da violência, que poderia ser alcançado por meio de uma imposição autoritária, mas que este deve ser legítimo. Ou seja, deveria estar assentado sobre um consenso mínimo, porque, dentre outros motivos, a violência não é fundamento exclusivo nem principal do poder político. Assim sendo, existem tipos de violência em uma sociedade que não partem diretamente do poder político, mas podem ser consideradas legítimas, como, por exemplo, o caso da violência cometida em legítima defesa.
Portanto, para uma correta compreensão da violência exercida pelos super-heróis é necessário responder a duas perguntas:
- A violência praticada pelos super-heróis quebra o monopólio da violência legítima exercido pelo Estado?
Em linhas gerais, sim. Na maioria das histórias de super-heróis estes personagens atuam à margem lei, ainda que para protegê-la e com certa conivência da população e de governantes. Agem praticando atos que deveriam ser exclusividade dos aparelhos estatais de repressão, como a polícia e o exército. Mas há algumas exceções.
Na saga Guerra Civil a Lei de Registro de Super-Humanos transformava os super-heróis em agentes do Estado como delegados do monopólio da violência legítima. Em Watchmen há a Lei Keene que torna os super-heróis ilegais, porém o Comediante e o Dr. Manhattan continuam agindo sancionados pelo governo.
Na já citada obra Os Supremos, os Vingadores compõem uma espécie de grupo dentro da SHIELD, portanto como agentes do Estado.
- Mesmo quebrando o monopólio da violência legítima exercido pelo Estado, a violência praticada pelos super-heróis é legítima?
Novamente, a resposta é afirmativa. Mesmo nos casos em que os super-heróis não compõem formalmente as forças estatais que exercem a violência, os atos desses personagens são sancionados tanto pela população quanto pelo governo. Isso acontece porque, geralmente, os super-heróis são vistos como símbolos de valores vigentes nas sociedades nas quais atuam. Lembremos que o fundador do gênero, o Superman, luta pela “Verdade, Justiça e o estilo de vida americano”. A frase foi cunhada no programa de rádio no início da década de 40 e ganhou força no contexto da Guerra Fria. Num mundo globalizado, a parte do “estilo de vida americano” perde força, mas o Último Filho de Krypton ainda é lembrado por lutar pela Verdade e Justiça.
Como os valores vigentes em uma sociedade são representados pelo poder político, sendo um de seus fundamentos, os super-heróis, também representantes desses valores, podem agir violentamente de forma legítima. Nascidos, criados e popularizados para o mundo pelos Estados Unidos, poderíamos considerar o gênero super-herói como um “épico liberal”, que glorifica a violência pela causa da liberdade, de acordo com Edward Adams.
Então nós, cidadãos comuns, poderíamos dormir tranquilos, uma vez que nossos campeões estariam do lado da liberdade. Mas… como bem questionou Alan Moore em sua mais celebrada obra ecoando as palavras do poeta Juvenal: Quem vigia os vigilantes?
Pingback: Quando a cultura pop vira política (ou como a política se transformou em cultura pop) | Quadrinheiros