Batman e o imaginário do medo

Gilbert Durand tem algo a nos dizer sobre o Cavaleiro das Trevas.

Esse post foi desdobrado em um artigo acadêmico muito mais detalhado, que você pode ler clicando aqui.

O que há de tão assustador num homem vestido de Morcego? Nada, diria nossa racionalidade.

Acontece que não é bem assim. Há algo na imagem do Batman que provoca medo, que faz com que seja possível acreditar que o Batman instaure o medo nos criminosos que combate.

Gilbert Durand foi um pensador que dedicou sua vida aos estudos sobre o imaginário, que  definia como capacidade de dar sentido ao mundo. Essa atribuição de sentido ao mundo é muito mais antiga do que a ascensão do Logos no pensamento. A base dessa construção de sentido, ou seja, do processo de simbolização, são imagens.

O imaginário, segundo o pensamento de Durand, é mobilizado pelo grande mal, que é o medo da passagem do tempo e, consequentemente, da morte, qualquer que ela seja (física, psíquica etc.). Há certas imagens que simbolizam esse mal, que Durand classificou em símbolos teriomórficos, nictormórficos e catamórficos, que buscam eufemizar a morte e o tempo.

Minha hipótese é que a origem do medo gerado pelo Batman está no fato de que sua imagem possui elementos desses três tipos de símbolos do mal.

Nota: Todas as citações de Gilbert Durand são do livro “As estruturas antropológicas do imaginário” (Martins Fontes, 2012).

Símbolos Teriomórficos

São os símbolos animais e, escreve Durand, “a crença universal nas potencias maléficas está ligada à valorização negativa do simbolismo animal” (p. 83). Diz também que o simbolismo animal está ligado à agressividade (p.84). A teriomorfia da figura do Batman é a mais evidente, afinal, é o morcego, fonte de medo de Bruce Wayne, que foi adotado como sua máscara e seu símbolo.

Símbolos Nictomórficos

São os símbolos da noite, das trevas e o Batman – assim como o morcego – são figuras essencialmente noturnas. “As trevas noturnas constituem o primeiro símbolo do tempo” (p.91), e talvez o epíteto que melhor resuma o personagem seja, de fato, Cavaleiro das Trevas.

Símbolos Catamórficos

São os símbolos ligados à queda, “solidária aos símbolos das trevas” (p. 112), e a queda é moralizada sob a forma da punição (p.114). Talvez o exemplo mais claro na cultura judaico-cristã seja a queda do Homem, sua expulsão do Paraíso, que o joga inexoravelmente na ordem do tempo.

Lembremos que a trajetória do Batman começa na morte dos pais dele, que lança Bruce Wayne numa cruzada implacável e sem fim, instaurando um desequilíbrio que não pode ser restaurado. Ou, talvez, restaurado somente da única maneira que Bruce Wayne encontrou para não enlouquecer: vestir-se de morcego e dar ao mundo a justiça que não teve. De qualquer maneira, o Batman carrega a queda em sua imagem, é o herói caído por excelência. A morte dos pais de Bruce Wayne é, no nível simbólico, sua queda, sua entrada no mundo, sua expulsão do Paraíso. É oportuno lembrar que a morte é o tema central das histórias de Tom King com o personagem.

*

Grant Morrison em seu Supergods assinala a ambiguidade do Homem-Morcego (p.18-20). Ao mesmo tempo em que é um herói (símbolo do triunfo sobre a morte, segundo Durand), tem elementos simbólicos que o ligam ao vilanesco, às trevas. Vejamos essa ambiguidade em sua primeira aparição, em Detective Comics #27:

Imagem da Detective Comics #27, primeira aparição do Batman

A imagem de um ser das trevas é tão forte que o texto deve informar que a figura que vemos luta pelo bem e derrota malfeitores em sua batalha contra as forças do mal. Segundo Morrison é essa ambiguidade que gera o interesse no leitor pelo personagem em sua primeira aparição.

Sendo a imagem que reúne os três tipos de símbolos do mal, não obstante, o Batman luta pelo bem. Isso poderia ser explicado pelo processo de eufemização que existe acerca da morte, característica do imaginário, e Durand assinala que “uma representação é enfraquecida disfarçando-se do nome ou o atributo do contrário” (p.116). Assim, o Batman, cuja imagem é animalesca, noturna e decaída transforma-se numa figura heroica. O medo que instaura deve afetar apenas aqueles que combate.

Portanto, mesmo que racionalmente saibamos que não há nada de assustador em um homem vestido de morcego, há algo em nosso “trajeto antropológico”, nas palavras de Durand, que fala mais alto, que é anterior à nossa racionalidade e conjuga, na imagem do Homem Morcego, medos ancestrais. É por isso que o Cavaleiro das Trevas instaura o medo no coração dos criminosos e que podemos acreditar nisso.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
Esse post foi publicado em Nerdbully e marcado , , , , , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para Batman e o imaginário do medo

  1. William disse:

    Muito bom.Parabéns pelo texto

  2. JUNIOR disse:

    Ótimo texto!

Comente!