Mangaká: profissão solitária

Mangaká, um japonês que vive na sociedade coletiva, mas trabalha solitariamente.

O Japão é um país conhecido por cultivar o espírito coletivo, um valor ensinado desde a infância. Mas claro, nem sempre foi assim. No calor da guerra, nos momentos de conflito, a lei da sobrevivência fala mais alto e o individualismo pode prevalecer.

Um exame dessas visões de mundo, que coloca em cheque os males do egoísmo e que, por isso mesmo, acentua a importância do espírito coletivo, é a premissa da animação de Isao Takahata (1935-2018), Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no Haka, 1988). Na história, dois irmãos vão parar na casa dos tios após a morte da mãe deles num bombardeio, logo ao fim da 2ª Guerra Mundial. Porém os tios oferecem apenas água do arroz para comer, a primeira de uma sucessão de traumas que os dois irmãos, Seita e Setsuko, passam a sofrer em meio a um cenário de devastação.

Ensina o valor cultural japonês, quando ocorre uma calamidade, uma guerra ou desastre natural, o coletivismo deve emergir no interior de cada pessoa. Por um lado, a guerra é causada pelo homem e pode levar à desconfiança na humanidade, reforçando atitudes egoístas. Por outro, os desastres ambientais são provocados pela natureza, mãe de todos os seres, portanto uma força legítima, venerada e apreciada pelos japoneses, motivo ao qual eles percebem que não é possível contrariar, e sim, unir suas forças e esperanças.

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Os japoneses dão as mãos em memória as vítimas do tsunami de 2011 em Fukushima.

Apesar desse coletivismo, no mundo dos quadrinhos no Japão, o que impera é o individualismo. O artista, principalmente de shôjo mangá, é o criador e desenhista. Claro, que existem mangás em que temos o roteirista e o desenhista, como por exemplo Lobo Solitário que o roteirista Kazuo Koike trabalha junto com o Goseki Kojima e ambos são prestigiados nesse universo. Ou mesmo, estúdio como CLAMP, que quatro mulheres produzem os mangás, mas a divulgação na capa é do estúdio, somente no editorial que, às vezes, se sabe quem escreveu, desenhou e produziu.

Desde o início do mangá como histórias em quadrinhos, os mangakás são os artistas. Rakuten Kitazawa, criava suas narrativas cômicas e as desenhava, assim como, Osamu Tezuka, criou diversas histórias e as desenhou, porém a pressão das editoras para a entrega do material sempre foi muito rígida, e por causa disso, esses mangakás contratavam assistentes. Eles eram e são ajudantes que auxiliam mais na arte finalização do trabalho, ou seja, contornam com nanquim ou, atualmente, digitalmente, as linhas feitas a lápis pelo mangaká, colocam as retículas, alguns finalizam os planos de fundo etc., mas a criação e desenho principal continua sendo feita pelo mangaká.

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Osamu Tezuka

Esse tipo de trabalho se tornou uma verdadeira escola de aprendizes de mangá. Novos artistas começaram a criar suas histórias e, dependendo da demanda, novos assistentes começaram a serem contratados, mas ainda se mantém, em muitos mangás, a solidão de um mangaká. Talvez, o artista de mangá seja o roteirista e desenhista porque na escola os japoneses são incentivados a participar de kurabu (club) e lá eles aprendem a serem criativos na área artística, seja ela qual for. Ou ainda, como o mangá para os japoneses é uma leitura comum, muitos querem ser mangakás e desde pequenos copiam seus personagens favoritos, isso faz com que quase todos os japoneses tenham habilidade no desenho estilo mangá. Outro fator que possa contribuir para que o mangaká consiga criar as narrativas e desenhar é a conhecida válvula de escape. Como a sociedade japonesa é uma das mais reprimidas, principalmente, em se expressar emocionalmente e corporalmente, talvez, os mangás sejam essa alternativa de colocar para fora aquilo que está preso internamente.

Como mencionado anteriormente, é mais comum encontrarmos esse isolamento dos artistas nos shôjo mangá, e provavelmente, por atender ao universo feminino, muito mais repressor ainda na sociedade japonesa. O feminismo ainda não se desenvolveu no Japão, porém através dos quadrinhos as mulheres conquistaram seu espaço, no entanto, as narrativas continuam mostrando a mulher frágil e delicada, mesmo que heroína, mas, também existe o pressuposto que as mulheres japonesas gostam de ser assim.

Notamos que num país em que o coletivo é importante, também existe o individualismo, mas que talvez seja para libertar uma opressão da própria sociedade japonesa. Enfim, ser mangaká no Japão é ser solitário.

Sobre Mochi

Atingiu o estado de Olhos Grandes nas ilhas do Oriente Silencioso.
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2 respostas para Mangaká: profissão solitária

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