A série de TV baseada nos personagens criados por Bill Mantlo e Ed Hannigan mergulha com seriedade no conflito racial e no drama adolescente.
No terceiro episódio de Cloak & Dagger, durante uma visão na qual os dois personagens principais se encontram ao som de American Funeral (Alex Da Kid e Joseph Angel), uma série de imagens de violência policial, busca por justiça, tochas acesas, enforcamento e guerra civil expõem as feridas não cicatrizadas do conflito racial nos Estados Unidos. A cena faz coro com o recente vídeo de Childish Gambino (Donald Glover), This is America, que viralizou nas redes sociais.
A nova produção da Marvel encara de frente o atual contexto social dos jovens norte-americanos, tratando de assuntos como uso de drogas legais (epidemia de opiáceos), o bullying nas escolas, o abuso sexual, além da questão racial. O tom da série é tão intenso quanto outras produções recentes que falam com seriedade de assuntos pesados como Os treze porquês (Netflix), ao mesmo tempo que se aproveita de todas as metáforas que um universo de super-heróis oferece.
Nos quadrinhos a origem dos personagens (que estrearam na revista Peter Parker, The Spetacular Spider-Man #64, em 1982) também tem relação com as drogas. Na história, o casal usa seus super poderes para caçar (e matar) traficantes. O Homem-Aranha salva uma das vitimas e posteriormente descobre que Thyrone Johnson e Tandy Bowen eram jovens que fugiram da casa de suas famílias e foram vítimas de um cientista que os usou como cobaias num experimento com uma nova droga (que deu a eles seus superpoderes).
De um lado, Manto é consumido pela força da escuridão que ele manipula e por isso precisa da luz produzida por Adaga para preencher esse vazio. De outro, os cristais de luz criados por ela podem curar a adição a drogas de algumas pessoas.
Bill Mantlo escreveu sobre o momento da criação dos personagens que aconteceu em uma visita que o autor fez a ilha Ellis: “Eles vieram à noite, quando tudo estava em silêncio e minha mente estava limpa. Já vieram completamente prontos quanto aos seus poderes e atributos, sua origem e motivação. Eles encarnavam todo aquele medo e miséria, fome e saudade que me assombravam na Ellis Island.”
A tal ilha que Mantlo cita fica ao lado da Liberty Island (onde está a Estátua da Liberdade), e é o lugar onde o governo federal recebia e fazia a triagem de milhares de imigrantes que entraram nos Estados Unidos principalmente na virada do século XIX para o XX. A inspiração para os personagens também está ligada a mais um tema atual da sociedade norte americana – a imigração.
A série de TV se passa no cenário de destruição e reconstrução de New Orleans (que até hoje sofre as consequências do furacão Katrina de 2005). As origens e motivações dos personagens foram adaptadas e por vezes invertidas, mas continuam fiéis à essência dos personagens da Marvel. O espelhamento entre os dois, tanto em relação a questões de gênero, de raça e de privilégio (riqueza), se estende aos poderes que aos poucos vão se revelando. A escuridão que envolve Thyrone também pode aliviar os demônios internos daqueles que ele toca. Tandy pode ver e despertar as boas intenções dos que se aproximam dela. Mas os dois tem muitas feridas abertas e por isso precisam um do outro.
Assim com as séries Fugitivos e The Gifted, Manto e Adaga vai ser exibido pelo canal Sony aqui no Brasil. Não existem planos para que os personagens das três séries se cruzem, mas tudo é possível já que as outras duas foram renovadas para uma segunda temporada. E, pelo que eu vi até agora, Manto e Adaga é a melhor das três.