Irredeemable: uma mensagem sobre pais e filhos

Os pecados do pai recaem sobre o filho?

 

 

 

 

 

*** Post com spoilers ***

 

Existe uma dialética fatal nas narrativas de ficção científica e de super-heróis. As boas ações de heróis, de nobres ordens de cavaleiros ou de ligas com objetivos virtuosos, levadas às últimas consequências, vão levar a uma estagnação sistêmica. Quando não existirem mais vilões, nem chagas a serem corrigidas, o único rumo possível da humanidade, da civilização, será encarar o vazio existencial.  A premissa nestes casos é clara: por meio de seus heróis, a humanidade busca o bem até o fim.

De modo distinto, Irredeemable, série de 37 edições publicadas entre 2009 e 2012, criada por Mark Waid (com alguns números publicados por aqui pela Devir com o título de Imperdoável), examina o sentido oposto. O que acontece quando o maior de todos os heróis torna-se um vilão? O herói Plutonian, uma versão análoga do Superman, torna-se irredimível.

Do ponto de vista psicológico, Plutonian é um ser humano repleto de falhas e necessidades, e condena bilhões de pessoas à morte por pura revolta. As ações do herói caído levam a humanidade à beira da extinção e no coração deste caos existe não mais do que uma semente de esperança. É ali, nesta tensão entre a utopia e a entropia, que reside uma possível crítica de Mark Waid.

Antes de virar-se contra a humanidade, Plutonian teve uma origem quase idêntica ao do Superman: órfão, de origem desconhecida, foi adotado por uma sucessão de famílias. Revelando ter enormes poderes, desde cedo aprende a se conter e esconder sua força, sob pena de ferir os frágeis seres humanos que o cercam. Por influência de um conservador – e severo – pai adotivo, resolve empregar seus poderes para ajudar outras pessoas. Para o herói, essa seria a única forma para ser aceito e querido pelas pessoas. No entanto ele passou anos com a sutil impressão que o carinho de seus colegas heróis era o medo de que fosse uma bomba-relógio prestes a explodir.

Ao longo das edições de Irredeemable, Mark Waid aborda perspectivas diferentes para examinar a derrocada heroica de Plutonian. Um destes olhares é o do personagem Hornet, um equivalente ao Batman no universo de Irredeemable. Ele foi o primeiro a reconhecer as rachaduras morais e emocionais de Plutonian. Ele tem carência. Necessidades sexuais. Frustrações sentimentais. E medo, especialmente da solidão.

De modo geral, os verdadeiros guias da história são os companheiros do ex-herói no grupo Paradigm, o equivalente à Liga da Justiça. Aspecto enriquecedor de Irredeemable, cada um tem sua chance de ser examinado por Mark Waid, mas merecem atenção especial Charybdis (ou “Survivor”, como ele escolhe ser chamado) e Qubit.

Charybidis seria algo como uma mistura do Ray da DC com os gêmeos Estrela Polar da Marvel. Um de três irmãos, ele “herda” os poderes dos gêmeos caídos e é o único que parece capaz de superar Plutonian em termos de força bruta. Graças a este poder, Charybidis torna-se arrogante e cruel, aspira ser um novo líder global, portanto outro mal a ser contido depois de Plutonian. O inverso é Qubit, dotado de um humanitarismo matemático, um “tecnomago” capaz de criar qualquer instrumento, cujos traços lembram bastante a versão do 10º Doutor, vivido por David Tennant. Cabe ao intelecto de Qubit desferir o golpe final contra Plutonian.

Como diz o título, Plutonian é irredimível. O máximo que se pode fazer é entender como foi possível que ele tornasse um vilão. Na edição número 32 é revelado que ele é o rebento de duas entidades cósmicas, que o geraram para que pudessem aprender mais sobre os habitantes da Terra. A forma humana foi determinada pelas emoções de uma mulher, desequilibrada pela perda de um filho, ansiosa por redenção como forma de preencher o vazio da própria vida.

A partir deste momento, Plutonian compreende que a necessidade que sente por afeto e companhia tem raízes na sua própria concepção. Mas isto não faz dele menos responsável pelo que provocou ao longo da vida.  É neste ponto em que talvez resida a crítica de Waid e que torna a leitura de Irredeemable digna de referência para o leitor de quadrinhos.

A narrativa sugere que as atrocidades cometidas por Plutonian não são uma ruptura da moral dos super-heróis de quadrinhos, mas consistentes com os valores de um ser humano repleto de defeitos. O herói não ajudava, protegia ou salvava as pessoas por um altruísmo “puro”, mas porque esperava algum tipo de “recompensa” ou “compensação”, como o amor irrestrito de sua “versão” da Lois Lane – que o rejeita prontamente quando ele revela sua identidade secreta.

Diferente de outro trabalho mais referenciado de Mark Waid, O Reino do Amanhã, em que ele celebra as virtudes mais tradicionais do Superman com tonalidades religiosas, em Irredeemable ele mostra um olhar cético, senão sombrio do que está por trás das atitudes benfazejas dos heróis, reflexos da nossa própria moral.

Se existe uma crítica de Waid em Irredeemable, é que as necessidades emocionais dos pais podem deformar a bondade dos filhos, a exemplo da origem de Plutonian. Mas haveria uma “vacina” para redimir o mundo adulto? Como sugere a meta-mensagem ao final da história, talvez. Cabe ao leitor reconhecer seu significado.

 

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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