A nostalgia é a mãe de todos os mimimis, mas será que ela pode ser um caminho para nos reconciliarmos com nossa infância?
O sentimento de nostalgia que temos pelos quadrinhos que marcaram a nossa infância e adolescência muitas vezes é visto de forma negativa. Um veneno que aliena e nos impede de ver qualidade naquilo que é produzido hoje. Um escapismo que alimenta ressentimentos e mimimis infinitos. Mas existe uma percepção da nostalgia como algo positivo, como uma possibilidade de nos reconectarmos com a criança que um dia já fomos.
O professor inconsolável misturada a um desejo irresistível de não crescer completamente. Nós desdenhamos esse sentimento, classificando-o como infantilidade, mas Peeters acredita que carregamos dentro de nós uma sede de inocência ou permanência, e que essa inocência é algo que os quadrinhos nos permitem acessar.
Ele cita as investigações de Rodolphe Töpffer, pioneiro na teoria das histórias em quadrinhos, que em suas pesquisas percebeu que crianças pequenas nem sempre conseguem identificar o desenho de um animal ou um objeto se a representação gráfica fosse muito complexa. Mas se o desenho é simples, apenas feito com linhas, mesmo que seja um desenho de um fragmento do que se propõe a retratar, a identificação é imediata.
Desenhos, por mais realistas que sejam, são sempre uma simplificação que se ancora nos aspectos essenciais da realidade que se tenta representar. Essa busca pela essencialidade pode ser vista como uma tentativa de revelar o caráter verdadeiro de personagens e cenários. O Tintim de Hergé, por exemplo tem cenários ricamente desenhados, mas os personagens são caricaturas feitas com poucas linhas, o que, segundo Scott McCloud, faz com que o leitor crie uma identificação mais direta com a história. Para Peeters esse tipo de arte tem a capacidade de ficar retida na nossa memória, prolongando a vida das imagens muito além do tempo de leitura. As sequências mais notáveis de imagens dos quadrinhos que adoramos continuam a viver conosco, nos acompanhando por anos.
A partir principalmente da Era de Bronze os heróis já não são invencíveis, eles são afetados pela idade ou sua própria fragilidade. Personagens de quadrinhos cada vez mais são retratados em desenhos mais elaborados e em narrativas que se passam em um tempo linear, que os afeta e transforma, assim como cada um de nós. Lesões causam sofrimento, as pessoas, incluindo os próprios heróis, morrem. Eles abandonaram o mítico da Era de Ouro para entrar no romântico. Mesmo nesse contexto mais complexo nossa memória retém a experiência de ler uma história ilustrada, e nos faz voltar para ela inúmeras vezes na busca daquela sensação da primeira leitura.
Um exemplo atual disso é o quadrinho/livro LINT, produzidos por Chris Ware, que descreve a vida de um homem comum, desde o seu nascimento até seu último suspiro em 70 páginas. O estilo gráfico e narrativo é codificado ao extremo, distante de qualquer realismo aparente. Os desenhos de Ware beiram o diagrama, e ainda assim, quando lemos este livro – em que cada um dos anos da vida de Lint é reduzido a uma única página – estamos mergulhados em uma história que nos move profundamente. Um trabalho como esse, altamente sofisticado, pode nos ajudar a entender como os quadrinhos estão conectados com a forma como percebemos o mundo na infância.
O livro emociona, não apenas porque nos identificamos com um personagem, como podemos fazer ao assistir a um filme, mas porque nos identificamos com o próprio meio. As páginas do livro de Chris Ware evocam uma mistura de emoções, primitivas e infantis e sofisticadas e adultas, ao mesmo tempo, que apelam para todo um espectro de experiências.
Peeter compara a obsessão dos fãs dos quadrinhos com as narrativas que marcaram a infância/adolescência, com a música. Para ele ninguém se apaixona imediatamente por uma canção: temos que ouvi-la repetidas vezes – às vezes obsessivamente – até a canção se infiltre em nós e nos faça companhia em nossa vida diária. Os quadrinhos, que como as canções, existem em uma realidade que para nós é sonho, fantasia, ideal, escapismo, renovam as emoções puras que sentíamos na infância e adolescência, nos reconectando com nossa essência mais inocente.
O nome correto é Tintin ou Tintim na gráfia brasileira.
Corrigido. Obrigado!
De nada, no artigo O comunismo em quadrinhos: heróis, vilões, fetiches e biografados também tem essa mesma grafia incorreta.
Tb já foi corrigido. Obrigado por avisar.
1 hq que adorava ler na minha infancia… disney.. em especial… as brigas de donald contra silva
Gostei do seu texto, simples, objetivo e com uma ótima dica de quadrinho, parabéns!