Quem é o Homem de Aço?

supermanSobre o Superman e sua(s) identidades(s).

A discussão sobre o alienígena Kal-El se apresentar como fraco e sem coordenação para se passar por humano (Clark Kent), bem explorada pelo Bill (David Carradine) no final de Kill Bill, ou a questão dos óculos como uma máscara são apenas algumas das coisas que nos vem à mente quando pensamos na relação entre o Superman e sua identidade.

A complexidade do conceito de identidade tem uma longa história na filosofia, na sociologia, na psicologia, e em diferentes épocas damos uma ênfase maior a determinados aspectos desse conceito. Identidade nacional, identidade política, identidade cultural, de gênero, étnica, religiosa, digital, são recortes que vão aparecendo de acordo com o contexto histórico. Personagens como o Superman, que não tem uma voz própria, mas que representa as vozes de diversos criadores e roteiristas ao longo do tempo nos servem como um excelente estudo de caso para discutir identidade.

O cartunista Jules Feiffer explicou em um artigo para o  New York Times (1996) que Superman é o “sonho americano do menino judeu inteligente”. Para ele o personagem é como Moisés, colocado em uma nave espacial (cesto no rio) e adotado por estranhos de valores nobres (linhagem nobre). Ele seria um golem judeu, um protetor super poderoso, uma figura essencialmente judaica, um conto de fadas étnico criado pelo escritor judeu Jerry Siegel e pelo artista judeu Joe Shuster. Outros estudiosos reforçam essa associação do personagem a uma identidade judaica, comparando a destruição de Krypton ao decreto faraônico de afogar todos os filhos do sexo masculino de Israel, ou ao próprio Holocausto (que é posterior a criação do personagem, mas que influenciou as incontáveis atualizações da origem do kryptoniano). E ainda temos a comparação de Kal-El a Jesus, como o messias enviado para salvar seu povo.

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O pesquisador Martin Lund contesta essa ideia, no livro Re-Constructing the Man of Steel: Superman 1938-1941, Jewish American History, and the Invention of the Jewish-Comics Connection (algo como Reconstruindo o Homem de Aço: Superman 1938-1941, história judaico-americana e a invenção da conexão ente judaísmo e quadrinhos). Para ele Siegel foi influenciado pela literatura pulp muito mais do que pela Torá. Na primeira metade do século XX a americanização das comunidades judaico-americanas era uma questão muito forte, e por isso o Superman pode ser visto como uma maneira de seus criadores mostrarem quão bem eles assimilaram os valores americanos. O personagem é a afirmação de uma identidade híbrida, um Moisés que defende a democracia e o modo de vida norte americano.

O problema que decorre de uma visão que exagera em atribuir uma identidade marcadamente judaica ao Superman (ou qualquer outro recorte específico), ou a visão que dilui qualquer tipo de característica étnica ao personagem, é que tanto uma quanto a outra não enxerga seus criadores como pessoas. A identidade híbrida do personagem trabalhada ao longo de muitas décadas por diferentes autores abrange seus possíveis posicionamentos políticos, a reformulação contínua de sua masculinidade, de seus valores. Martin Lund diz que o mais provável é que a imagem clara que temos quando nos agarramos a uma única característica, vai ficando  mais “suja” quando escavamos na busca da complexidade, e que essa realidade “suja” é muito mais interessante e esclarecedora.

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As polêmicas que envolvem o Homem de Aço até hoje giram em torno da questão da identidade. De mudanças na roupa e no corte de cabelo, de fãs que não reconhecem o “seu” Superman em versões atualizadas do personagem, até histórias que mostram o lado mais frágil, e por isso mesmo mais humano, dos super-heróis, cada vez mais as múltiplas identidades que todos nós carregamos são ventiladas, debatidas, contestadas e compreendidas através da produção e do acesso a narrativas ficcionais (em todas as mídias) e da instantaneidade das redes sociais.

Nesse imenso divã psicanalítico digital, vamos nos expondo e colocando para fora nossas neuroses, buscando interlocutores que nos ajudem a resolver nossas crises de identidade (aliás uma das histórias mais interessantes sobre o lado humano dos heróis – não por acaso se chama Crise de Identidade). Os quadrinhos e debates mais fundos como esse podem ajudar a ampliar nossa compreensão sobre nós mesmos e sobre o mundo em que vivemos. Pelo menos é nisso que apostamos.

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Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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Uma resposta para Quem é o Homem de Aço?

  1. Quiof disse:

    No livro Homens do Amanhã do Gerard Jones, um primo do Siegel diz que nunca o viu entrar numa sinagoga, Siegel citava Sansão como exemplo de personagem forte, mas também citava Hércules, tirando o nome El, não tem muitas evidências judaicas em seu trabalho.

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