Batman 66 e a sina da estética CAMP

batman2066Será que o destino do Homem-Morcego é ser cafona?

A série do Batman de 1966 ia ao ar duas vezes por semana, em episódios de 25 minutos, e teve 3 temporadas – de janeiro a março de 1966 (34 episódios), de setembro de 1966 a março de 1967 (60 episódios), e de setembro de 1967 a março de 1968 (26 episódios).

Entre a primeira e a segunda temporada (julho de 1966) foi lançado um filme. O impacto da estética dessa série é inescapável, tanto para o personagem Batman quanto para o imaginário que temos sobre a década de 1960. Mas a importância da série vai bem além disso.

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A nostalgia, sentimento que provoca a criação de de séries em quadrinhos e animações baseadas nesse programa de TV de 40 (!) anos, reforça a ideia de uma época exagerada, afetada, que ironiza o status quo. A palavra que define essa estética é CAMP, e esse termo foi definido pela ensaísta Susan Sontag no artigo “Notas sobre Camp”, publicado em 1964.

Para Sontag, “CAMP” seria uma estética artificial, despolitizada, fútil, muito mais interessada em moda, decoração e possibilidades técnicas do que na essência dos conteúdos.

No artigo ela deixa claro que o que chama de “CAMP” era apenas uma percepção, uma sensibilidade. Quando uma definição é esboçada, inevitavelmente acontece uma simplificação, criando-se uma caricatura de tudo aquilo que aquela percepção seria anteriormente, e por isso a definição já se distancia da sensibilidade original. Alguns exemplos de CAMP citados por ela são os filmes em Cinemascope, os quadrinhos de Flash Gordon e assistir a pornografia sem se excitar.

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Mesmo que ela fale de CAMP em um determinado momento na história (1964), ela identifica essa estética no maneirismo de Caravaggio, nos adornos da Art Noveu, na ironia de Oscar Wilde, chegando até a arte Pop. Em resumo, tudo o que artificializa, imita, falseia ou subverte, tem um espírito CAMP – de tão ruim é bom, de tão idiota é engraçado, de tão descartável é essencial. Essa característica tem como consequência uma maior aceitação do público, um maior apelo de venda, um descompromisso.

Assim como os filmes de Andy Warhol (ícone da arte Pop), são bem menos conhecidos/consumidos que suas serigrafias coloridas do retrato de Marilyn Monroe e das latas de sopa Campbell, as pinturas de pré-produção dos cenários da série de TV do Batman, que agora fazem parte de exposições de arte, produzidas por Leslie Thomas, são mais sombrias e realistas se comparadas ao que foi feito na TV. O pintor que também trabalhou nessa mesma função em filmes como Blood of Dracula e I Was a Teenage Werewolf (ambos de 1957), mostra nas telas em tinta acrílica de cores brilhantes e arquitetura de casa de boneca, a clandestinidade e a crueldade de um submundo que na série aparece de forma engraçada e caricata.

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O Batman nada comportado de Leslie Thomas

Warhol produziu um filme em 1964 intitulado BATMAN DRÁCULA (que foi recuperado a poucos anos atrás). Apesar da estética desse filme ser CAMP, ela é ainda mais sombria e visceral que a arte de Leslie Thomas. O final dessa sequencia – Warhol – Thomas – série de TV – vai despindo a complexidade e as camadas psicológicas e entrega um produto que é despretensioso, leve e palatável para o público.

Essa estética que foi nomeada por Susan Sontag nos anos de 1960 e que tem na série do Batman de 1966 um de seus exemplos mais bem acabados, persegue e acompanhará sempre o personagem, mesmo que seus criadores busquem outras inspirações, aprofundamentos e pontos de vista.

A estetização gótica dos filmes de Tim Burton, a simplificação cartunesca dos filmes de Joe Shumacher e o excesso de CGI e 3D que engole a narrativa dos filmes de Zack Snyder, dialogam diretamente com a artificialidade decorativa CAMP. Já os filmes do Christopher Nolan se afastam dessa associação, mas ainda flertam como o CAMP quando ele falseia a realidade fazendo paralelos com o movimento Occupy Wall Street, por exemplo.

Um personagem humano, sem superpoderes ou origem alienígena, que escolhe se vestir de morcego para aterrorizar bandidos e combater o crime, sempre será uma caricatura. É mais difícil racionalizar as escolhas estranhas de um personagem que é muito mais próximo de nós do que personagens que são completamente estrangeiros para nós como Superman e Mulher Maravilha. A suspensão de crença no caso do Batman sempre precisa de uma dose de falseamento CAMP para ser aceita. Essa é a sina do Homem Morcego.

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2 respostas para Batman 66 e a sina da estética CAMP

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