Submeta-se à autoridade do amor: A Mulher Maravilha de Grant Morrison

WONDER-WOMAN-EARTH-ONE-VOL-01Conheça a Mulher Maravilha da série Earth One, pelas mãos de Grant Morrison e Yanick Paquette.

Para quem não conhece, a série Earth One (Terra Um) tem a proposta de contar as histórias de grandes personagens da DC, mas fora da cronologia oficial da editora (que nunca andou tão confusa quanto nos últimos anos). Já foram lançados, inclusive no Brasil, as versões de Batman e Superman dessa série. Um projeto editorial muito parecido com a série All-Star (aqui no Brasil Grandes Astros), mas com um melhor desempenho. Comentamos essa linha de quadrinhos e a própria obra do Morrison quando dissecamos All-Star Superman, que você pode ver no vídeo abaixo:

Morrison dá continuidade à sua visita por grandes personagens dos quadrinhos não só da DC. O escocês já escreveu personagens como os X-Men e Quarteto Fantástico. Na DC, teve uma importante fase com o Batman e Superman. Agora, com a Mulher Maravilha, podemos dizer que todos os personagens da Santíssima Trindade da Distinta Concorrência já passaram por suas mãos.

Com desenhos de Yanick Paquette, que já havia trabalhado com Morrison em Corporação Batman e Sete Soldados da Vitória, Wonder Woman: Earth One reconta a história de origem da Princesa Amazona tentando recuperar sua faceta como diplomata, que estaria mais próxima às intenções de seu criador, William Moulton Marston.

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Outra intenção de Morrison com a personagem é resgatar sua dimensão como ícone da contracultura e como uma heroína feminista. Pois é, para você que achava que a Mulher Maravilha não passava de uma super-heroína sexualizada para vender quadrinhos para meninos na puberdade saiba que ela é muito mais que isso. Nas palavras de Gloria Steinem, uma importante jornalista e ativista feminista dos EUA, que Morrison leu enquanto estava escrevendo o quadrinho:

“A família de Amazonas na Ilha Paraíso, seu grupo de garotas colegiais nos Estados Unidos e seus esforços em salvar mulheres são bons exemplos de mulheres trabalhando juntas e se importando com o bem-estar de outras. A ideia de tal cooperação pode não parecer particularmente revolucionária para um leitor homem. Homens são comumente descritos como trabalhando bem em grupo, mas mulheres sabem como isso é raro, e, portanto, é realmente encorajador a ideia de uma irmandade. A mãe da Mulher Maravilha, Rainha Hipólita, oferece outro bom exemplo para jovens garotas à procura de uma identidade forte. A Rainha Hipólita funda nações, declara guerras para proteger a Ilha Paraíso e manda sua filha para lutar contra as forças do mal no mundo [ainda que contrariada, diga-se de passagem… ]. A Mulher Maravilha simboliza muitos dos valores da cultura das mulheres que as feministas estão tentando trazer para o mainstream: força e autoconfiança para mulheres, irmandade e apoio mútuo entre mulheres, paz e estima pela vida humana; a diminuição tanto da agressão masculina quanto da crença de que a violência é o único meio para resolver conflitos”

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Quando Steinem fala de “autoconfiança”, “self-reliance” no original, ela está remetendo a uma importante noção na obra do pensador Ralph Waldo Emerson, que também engloba a confiança do indivíduo e no indivíduo para evitar a conformidade e seguir seus próprios instintos e ideias. E todas essas dimensões estão presentes na Mulher Maravilha de Morrison, principalmente a não-conformidade ao grupo, retomando assim um dos temas mais recorrentes em sua obra, Liberdade versus Autoridade. Diana é uma heroína com ideias feministas e se não hesita em ajudar suas irmãs, também não hesita em desafiar os costumes da Ilha Paraíso e a própria autoridade de sua mãe, Rainha das Amazonas.

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Outros pontos importantes de sua versão da Amazona é que seu lar volta a ser chamado de Ilha Paraíso (desde 1987 a ilha era chamada de Themyscira, para fazer alusão à mitologia grega) e passa a contar com uma tecnologia que supera em muitos aspectos o “mundo do patriarcado”, recuperando também assim elementos que estavam presentes em suas primeiras histórias.

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Wonder Woman: Earth One carrega mesmo é nos traços de bondage e submissão. Marston era praticante do bondage e tinha como crença a superioridade das mulheres sobre os homens. Em suas histórias, era muito comum a Mulher Maravilha e/ou seus inimigos aparecerem amarrados de alguma forma. Morrison transformou essas características em um traço constitutivo da própria cultura das Amazonas.

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Há uma cena em que a Mulher Maravilha oferece uma espécie de coleira a Steve Trevor, dizendo que ele deve submeter-se à autoridade do amor.  Depois ficamos sabendo que, entre as amazonas, curvar-se frente à uma autoridade do amor é um sinal de força, e as amazonas simbolizam isso por meio de colares, braceletes e correntes. Na cultura das amazonas, a submissão voluntária à uma autoridade vem do amor, já na cultura do patriarcado a submissão é imposta por meio da violência.

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Aliás Steve Trevor não é mais um interesse romântico da Amazona como na versão clássica, mas simplesmente uma oportunidade para ela sair da Ilha Paraíso e conhecer o mundo. Morrison escancara o óbvio: se a Mulher Maravilha viveu em uma comunidade de mulheres separada do contato de qualquer homem ela só pode ser lésbica.

Há ainda uma interessante surpresa (que não vou estragar) quanto a identidade do pai da Princesa Amazona.

Por tudo isso vale a pena conhecer a visão que Morrison tem desse ícone da DC em Wonder Woman: Earth One. Vamos torcer para que a Panini traga essa excelente HQ para as terras tupiniquins o mais breve possível.

Veja também nosso episódio de Quadrinheiros Dissecam sobre o quadrinho:

Links interessantes:

Entrevista do Grant Morrison citada no post

Sobre a relação entre a Mulher Maravilha e o feminismo

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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10 respostas para Submeta-se à autoridade do amor: A Mulher Maravilha de Grant Morrison

  1. Eduardo Dias disse:

    só um adendo ao texto, não é óbvio que ela seja lésbica por que cresceu numa que só tem mulheres… é o mesmo que argumentar que filhos adotados por pais gays, serão gays…

    • Nerdbully disse:

      Nas palavras do próprio Morrison na entrevista citada:

      “Yeah, I can’t imagine that these women, after deciding to cut off from men and form their own society for the past 3,000 years, would stop having sex. It’s kind of obvious in the subtext [of older runs] and all we did was kind of make it explicit. We made it a fact: of course they have relationships. Of course they have lovers”.

      Você que está dizendo que isso é o mesmo que argumentar que filhos adotados por pais gays serão gays. Não concordo pelo simples fato que filhos adotados por gays vivem em uma sociedade onde há outros modos de relação afetiva que eles podem ver e experimentar, que não se restringe às relações do pais. Diferentemente da Mulher Maravilha do quadrinho que viveu isolada em uma sociedade de mulheres. Partindo dessa premissa havia duas opções para o Morrison: retratar a Mulher Maravilha como assexuada ou como lésbica.Entre essas duas opções o que foi óbvio pro Morrison, e para mim parece bastante razoável, é que ela seria lésbica.

  2. Muito interessante o conceito da HQ, rende muitas discussões interessantes e me deixou muito curioso NerdBully! Tomara mesmo que a Panini traga esse quadrinho para o público, inclusive vou pressioná-la na página do face hahah. Ótimo Texto!!

  3. Marco Rocha disse:

    Grant Morrison, como sempre, se vangloriando por usar ideias alheias. Na fase do George Pérez, há quase 20 anos atrás, a Mulher-Maravilha já dizia a um espantado Trevor que não havia nada de errado nas Amazonas satisfazerem seus “desejos carnais” entre elas.

  4. Dora Sales disse:

    Na fase do George Pérez há um diálogo sobre essa questão da sexualidade. Na edição #38:
    “…Não sentem falta da comunhão que Deus pregou entre homens e mulheres?”
    “Algumas, sim! Elas são devotas de Ártemis, a caçadora virgem, e de Atena, a guerreira casta! Outras escolheram o caminho de Narciso! Mas a maioria encontra prazer nas demais companheiras… 3000 anos é muito tempo reverendo.”
    Então tecnicamente, nem todas as amazonas seriam lésbicas, e Diana é devota de Ártemis, logo, nessa fase ela é virgem, mas acho interessante a forma como o Morrison vai tratar esse assunto. Espero que a fase do Morrison faça jus a personagem =D

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