Cinco considerações sobre relação da “Slave Leia” e a Disney

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Progresso ou censura da arte?

1. Alegadamente, a Disney Company, proprietária da franquia Star Wars, vai suspender toda promoção e comercialização de imagens, bonecos ou action figures contendo a imagem da Princesa Leia trajando o bikini dourado usado em O Retorno de Jedi.

Alegadamente pois não há uma “declaração oficial” da Disney. Há apenas um comentário bem árido do desenhista J. Scott Campbell sobre o assunto, o que não foi desmentido pela gigante dona do Mickey Mouse. Pra saber se é verdade ou não, há de se ficar de olho nos produtos a serem lançados. Mas é razoável aceitar que será o fim de novos produtos da “slave Leia”, ou “Leia escrava”.

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“Daisy Ridley não vai ter que lugar contra coisa alguma. A Disney já está a caminho de limpar a roupa de ‘escrava’ de qualquer futuros produtos. Você NÃO VAI ver a roupa de escrava nunca mais. Confie em mim”

2. Tecnicamente, a princesa Leia agora é uma “princesa Disney”, o que carrega um significado no imaginário social que nenhum defensor da sensualidade da heroína pode recusar. Se eu fosse pai de uma filha, eu teria dificuldade em eleger a princesa Leia escrava como um modelo melhor do que a Mulan ou até a Branca de Neve.

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Na essência, é incoerente uma empresa que se identifica com o entretenimento infantil manter a venda de produtos que são associados, em última instância, a erotismo ou violência. Da mesma forma como teríamos ressalvas em comprar uma mamadeira com um selo erótico, não faz muito sentido pra Disney vender uma boneca de uma mulher seminua.

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3. Os críticos da medida, em centenas de comentários em blogs e sites, acusam a Disney de uma atitude “politicamente correta”, ou puritana, ou desnecessária, ou até mesmo um desserviço artístico. Talvez eles tenham razão. Talvez não. Mas a opinião destes detratores não pode ser desconsiderada. Afinal, a imposição de uma opinião que em nome de “sensatez” e “sobriedade” não é menos agressiva do que a defesa da vontade daquele que foi suprimido.

Há de se contextualizar: no filme, Leia Organa, altiva e diligente, foi subtraída de toda forma de dignidade pelo vilão Jabba, foi reduzida à condição de objeto. A reação dela, de estrangular Jabba com uma corrente, provoca uma satisfação catártica, um sentimento de justiça e empoderamento que, inclusive, é altamente consistente com o enredo de Star Wars.

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Isso pode ser objeto de fetiche para muitos adultos? Sem dúvida. Aceito por várias mulheres? Até provável. Que deve ser adotado como um ideal para crianças? De forma alguma.

4. Há de se lembrar: não há absolutamente nada, em nenhum lugar, a nenhum momento, que indicasse que haveria qualquer alteração do filme. Para todos os efeitos, a mudança de atitude da Disney em relação à Leia usando bikini de metal refere-se exclusivamente à venda de produtos e imagens.

Este post teria uma outra conotação, completamente distinta, atavicamente contra a Disney se a companhia resolvesse alterar o formato original de Star Wars.

Convenhamos, há coisas mais graves que fizeram com esse filme.

Convenhamos, há coisas mais graves que fizeram com esse filme.

Subtrair as imagens da “escrava Leia” ou cobrir o corpo da heroína não seria apenas um prejuízo, mas um desrespeito à memória, à historicidade de uma obra de arte. Um assalto à mentalidade de um tempo e de pessoas que cresceram se constituíram com aquelas imagens, para o bem ou para o mal.

Não há culpa que conserte o passado, nem ansiedade que mude futuro. Camuflar O Retorno de Jedi não vai fazer os novos espectadores melhores. Cabe a eles julgar o filme de 1983.

5. Não sei bem se o “fetiche” sobre o bikini dourado da princesa Leia teria alcançado tanta importância se não fosse aquele episódio de Friends que o Ross pede pra Rachel vestir o mesmo traje.

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Que a fantasia ocupasse as imaginações de várias pessoas ao longo dos anos, esta ou outras tantas ligadas a heróis e heroínas são frações de um gênero que será tão inevitável quanto mais suprimido: a arte erótica, a pornografia.

Quem estuda a teoria do assunto – sim, ela existe – ensina que o fundamento da pornografia é a expressão da libido de forma, ora, gráfica. Se a expressão se inspira em símbolos, natural que vários emanem do cinema, quadrinhos, entretenimento.

A única coisa que a Disney fez foi parar de se envolver nessa tara.

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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