Robert Crumb, detonando todo mundo na pátria americana

Saiba porque você deve ler Robert Crumb!

Hoje temos um Red Shirt aqui no blog: Maurício Kanno comenta sua experiência ao ler América, de Robert Crumb!

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Apesar de lançado pela Conrad em 2010 foi somente neste fim de ano que me deparei com América, obra do cultuado quadrinista underground Robert Crumb, como presente de amigo secreto… e curti a experiência demolidora. São quadrinhos extremamente engajados, políticos, de crítica social, como raros que já passaram por mim. Talvez se assemelhem mais às charges de jornal, se for pra comparar com algo parecido.

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Mas confesso que até então não tinha lá tanta vontade de ler esse cara. Sempre fui mais de fantasia, traços mais limpos e delicados, etc. Talvez seja esse também o seu caso e digo que a experiência de ler Crumb vale a pena.

 Os personagens de Crumb são massudos. Têm sempre um jeitão rechonchudo. E com muitas hachuras para sombreamento e volumes. Requadros e prédios não têm necessariamente linhas retinhas, mas meio ondulantes. Fora que as situações que ele propõe, satiricamente, acabam se valendo de elementos fantásticos.

Algo curioso é que o próprio autor se coloca como personagem frequentemente em suas histórias-manifesto. E não tem problema algum em se nomear por atributos como “velho rabugento e carrancudo” ou “ranzinza e estraga-prazeres”. Daí o título desse post, uma vez que ele ataca tudo e todos.

O álbum reúne pouco mais de 20 histórias em quadrinhos, de modo geral bem brigonas e pessimistas… algumas menos histórias e mais manifestos em quadrinhos, escritas entre 1973 e 1989. Ah, digno de nota também é que a tradução ao português foi feita pelo escritor (que também já se aventurou no mundo dos quadrinhos) Daniel Galera.

1 harlem

Harlem

A primeira, Harlem, é na verdade uma coleção de charges/cartuns sobre essa região tipicamente afro-americana de Nova York. Destaco esta abaixo para exemplificar, ilustrando a esperteza diante de programa de ajuda social.

Vamos falar sério sobre isso aqui: A América Moderna é a “história” que sintetiza o álbum no objetivo destruidor de Crumb. Tanto que a capa incorpora sua abertura, representando os Estados Unidos como uma entidade repulsiva. O autor desfere golpes para todos os lados! Ataca brancos, negros, judeus, italianos; capitalistas, “radicais” comunistas e feministas…

3 nada

Apesar dessa fúria desenfreada geral, Crumb dá ênfase em questões ambientais, como contra o fréon de latas de aerosol, acabando com a camada de ozônio; ou, na história seguinte, contra o lixo, um problema ao qual não se põe solução fácil, pois ataca também os centros de reciclagem! A personificação da Mãe Natureza e sua relação com o ser humano é particularmente expressiva, como se vê abaixo…

4 freon

Freon

4 Mae Natureza

Mãe Natureza

Whiteman (“homem branco”, na tradução literal) é engraçado. Mostra de maneira bem cômica um cidadão americano tentando manter uma postura rígida e forte enquanto emoções proibidas tentam lhe tomar o controle.

5 whiteman

Whiteman

Em duas histórias, Crumb se retrata indo cobrir eventos para a imprensa: um simpósio espacial e a entrega do Oscar – sempre achando tudo um saco e deprimente.

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Oscar

Em outro par, As Aventuras do Cabeça de Cebola e Frosty, o Boneco de Neve, e Seus Amigos, temos a patética jornada de bem intencionados justiceiros tentando “roubar dos ricos pra dar aos pobres” ou “tornar a classe dominante consciente da vontade do povo”.

6 cabeca de cebola

Cabeça de Cebola

Frosty

Frosty

O banho de violência em Os Bombados Barra-Pesada Tomam Conta!, em que uma gangue resolve tomar o poder da presidência da República mas depois se vê com dificuldades para administrá-lo, é hilariante.

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Bombados…

Sobram críticas por meio do exagero pra todo mundo. Crumb encontra podres em todos. Assim temos Lenore Goldberg e Suas Garotas Soldado, com feministas lutadoras invadindo uma reunião de intelectuais; além de Quando os Negões Dominarem a América e Quando os Malditos Judeus Dominarem a América.

10 feministas

Feministas

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Negões…

Cuidado para não entrar em depressão com tudo isso. Alguns quadrinhos são particularmente nihilistas, como O Ganso e a Gansa Conversavam uma Noite Dessas e É Mesmo uma Pena, apenas lamentando sobre o mundo.

Trump

Trump

A penúltima história, Aponte o Dedo, é bem curiosa e divertida, em que Crumb se imagina como o apresentador de um talk-show com duas garotas lhe trazendo o magnata Donald Trump. O empresário é interrogado sobre suas culpas mas depois o jogo vira mais de uma vez…!

Por fim, pra suavizar, temos Uma Breve História da América, que poeticamente mostra uma paisagem em progressão temporal desde a natureza intocada até possibilidades de futuro, com um certo otimismo – que milagre!

 No geral, ler Crumb pode deixar o leitor meio constrangido, uma vez que o autor tira sarro e ataca não só os ricos e poderosos, mas também minorias e lutadores por justiça social. Então, o jeito é superar isso e entender (e apreciar) que é simplesmente… Crumb.

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Maurício Kanno é conciliador no Procon-SP. Formado em Jornalismo pela USP com monografia sobre quadrinhos de super-heróis em 2006, foi repórter da Folha de S.Paulo entre 2009 e 2012 e publicou o romance A Menina que Ouvia Demais em 2014, com ilustrações de própria autoria. Mantém o blog www.mauricio-kanno.blogspot.com.br e suas ilustrações podem ser conferidas em seu portfólio www.mauriciokanno.daportfolio.com.

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Se quiser conhecer mais sobre Crumb e sua obra veja o Quadrinheiros Dissecam – Gênesis de Robert Crumb:

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4 respostas para Robert Crumb, detonando todo mundo na pátria americana

  1. Curioso como a terceira imagem, que exemplifica o título “Vamos falar sério sobre isso aqui: A América Moderna” me lembra um certo um país sul-americano na atualidade…

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