Como disse o Drummond,
“[…]
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?”
Convenhamos, as coisas não estão sempre como gostaríamos. A vida, tal como a rapadura, não é mole não. Longe disso. O time perde. O trânsito para. O pneu fura. A chuva não vem. O trabalho é sacal. O chefe ignora. O salário atrasa. A barriga aumenta. O peito cai. O cabelo cai. O curso é horrível. O namoro termina. A conta chega. A tese não sai. O colesterol sobe. O gato adoece. O bebê chora. A banda separa. As férias acabam. A sogra chega na sexta.
Quando o “bom dia” vira “vai tomar no c..” e a vida se torna uma contramão do comercial de margarina, não há por onde fugir: você está em depressão.
Não, isso não tem nada de divertido. Sim, em casos extremos ela pode matar. Mas depressão, sabemos deste lado do balcão, fica pior com solidão. Tal qual melancolia, luto e cachaça, depressão exige companhia. Mas para surpresa do incauto e sorte do fígado, nem sempre a solução está na bandeja do garçom.
Sim, os quadrinhos podem ajudar! Diferente do que sua namorada(o) pensa, quadrinhos versam, inclusive, sobre aqueles campos mais incômodos do espectro emocional, qual seja, aquela nulidade letárgica que preenche a vida nos intervalos dos sucessos (not).
Se, por alguma razão, você sente que a vaca foi para o brejo para nunca mais voltar, sugerimos algumas obras que, se não te tirarem daquele fim da picada, vão te lembrar que você não é o primeiro a se sentir assim nem será o último a se encontrar nessa situação.
O critério usado foi o escalonar entre os quadrinhos deprimentes mais amenos até as representações mais viscerais de pessimismo. Respira fundo, escute um blues, engula sua fluoxetina e se entregue a essa importante experiência humana com:
8.Corto Maltese – As Célticas, de Hugo Pratt
Uma das melhores aventuras do Capitão Corto Maltese nas ilhas britânicas. Seja pela desolação, ferimentos ou puro delírio, o sempre cínico marinheiro mediterrâneo descobre num corvo o verdadeiro espírito de Robin Goodfellow. Apenas ele, que não existe além de um sonho de uma noite de verão, é capaz de dizer o óbvio.
7. Valentina, de Guido Crepax
Os delírios (?) e aventuras (?) da mulher-símbolo da liberação sexual. Valentina, fotógrafa, modelo, donzela indefesa, heroína salvadora, santa e objeto de desejo (e que surpreendentemente nunca havíamos mencionado aqui!). Vítima da história, libertadora do submundo material e imaterial, Valentina é o ponto focal do passado, presente e futuro. Mas, ela sabe, sempre estará só.
6. Diomedes – a trilogia do acidente, de Lourenço Mutarelli
Não importa o tamanho da depressão, ela nunca é tão grande antes de descer ao nível do detetive Diomedes. Uma dose concentrada de cheiro do ralo! Veja uma ótima reflexão sobre esse quadrinho aqui.
5. Demolidor – A Queda de Murdock de Frank Miller, David Mazzuchelli, Christie Scheele e Richmond Lewis.
Tudo na vida do Demolidor vai pro vinagre quando Karen Page, ex-namorada do herói, viciada em drogas e transformada em atriz pornô, vende a identidade secreta dele por uma dose de heroína. Nas mãos do Rei do Crime, Matt Murdock é sujeito às mais terríveis provações até encontrar na Igreja (ou melhor, com a mãe agora freira) a ajuda pra sair do buraco. Cá pra nós, esse Frank Miller no fundo é um guru de auto-ajuda.
(Ha ha. Não.)
4. Crônicas de Lakhmar – As aventuras de Fafhrd & Gatuno, de Howard Chaykin, Mike Mignola e Al Williamson
Recém-viúvos, os dois aventureiros da corrupta, suja e perigosa Lakhmar acertam as contas. Roubo, vinho e infanticídio, teu nome é depressão.
3. John Constantine – Hellblazer – Hábitos Perigosos, de Garth Ennis e William Simpson
Um dos mais célebres arcos das histórias de John Constantine, quando ele descobre que está com câncer de pulmão. Hora de sacanear o Inferno. Mas não antes de ele e Brendan Finn tomarem todas, completamente cientes de que estão para comer grama pela raiz.
2. Fachada, cap. 4 de Sandman – Terra dos Sonhos de Neil Gaiman, Coleen Doran e Malcolm Jones III
O que fazer quando sua vida realmente não tem nenhum sentido e pior, você já constatou inúmeras vezes que não tem como se matar? O conto que mostra a visita da Morte, irmã de Sandman, à Garota-Elemental, é uma espiral trágica. Mas com um desfecho reconfortante. Por acaso vale para toda a humanidade. Que é a vida senão um descarte de velhas máscaras?
Se você gosta do selo Vertigo inscreva-se no nosso curso sobre a Vertigo! Detalhes aí na barra lateral do blog e também aqui:
1. Ruínas, de Warren Ellis, Cliff e Terese Nielsen
“Para cada beijo, uma bala no rosto. Para cada ação, uma reação. Para cada acontecimento existe, em potencial, um evento inverso, uma possibilidade exatamente oposta.”
Um soco no estômago dos autores, Ruínas é o reflexo invertido da série Marvels, de Kurt Busiek e Alex Ross. Tudo que poderia ser claro, límpido e positivo, aqui é o diametralmente oposto. Seria menos perturbador se não tivesse uma arte tão refinada. Um pesadelo em quadrinhos.
PS: Depressão não é bolinho não (e é diferente de quadro depressivo, que cedo ou tarde passa). Se você tá naquele momento “fim da picada” e parece que os quadrinhos não resolvem, não se avexe! Procure ajuda de profissionais de psi, psi… os doutores! Povo batuta, treinados para lidar com isso. 4 de 5 Quadrinheiros recomendam!
Eu também consideraria I Kill Giants nessa lista.
Uia!
Não li esse! É bom?
Acrescentaria também “Morte – O preço da vida” à lista.
Vai, o final desse parece saído de novela da globo, tudo dá certo. É bom, mas não é deprimente.
Um que lembrei depois e me arrependi de não ter colocado é aquela história do Homem-Aranha que ele revela a identidade secreta para um garoto com câncer terminal.
http://legiaodosherois.virgula.uol.com.br/2013/o-garoto-que-colecionava-homem-aranha.html
Não acha que “Cruz Del Sur” (ou “Southern Cross”) também poderia estar na lista?
Boa!!
É, tô vendo que vai sair uma segunda lista dos quadrinhos pra fazer companhia durante a depressão…
Grande lista!Vou me lembrar de não ler essas edições caso eu esteja deprimido!
Legal que gostou, mas melhor ler SEM depressão…
Lembrei de outra que talvez possa fazer parte. Mas é uma série inteira, e acho que não existe em português.
Amanda é uma série argentina, escrita por Robin Wood e desenhada por Alfredo Falugi. Publicada até hoje na Itália. Conta a história de uma guria que cresceu num orfanato e precisa sobreviver, primeiro no vilarejo onde nasceu e depois em Buenos Aires. A premissa pode parecer simplória, mas a HQ surpreende.
O problema é o motivo de ela poder concorrer a uma vaga nessa lista de HQs depressivas: as conclusões dos arcos às vezes são felizes, mas muitas vezes terminam de forma trágica, com pessoas morrendo ou tendo que se separar de quem gosta, ou coisas piores. A protagonista parece ter a mesma “sorte” da Julia Kendall, de se meter em perigos e confusões e escapar ilesa enquanto coadjuvantes nem sempre tem a mesma sorte.
(No 4shared tem uma pasta com mais de 100 números da série, pra quem consegue ler no idioma de Cervantes.)
Baixando!
Puxe a cadeira e tome mais uma.
Não vi nada de deprimente em nenhuma dessas histórias. E olha que li quase todas e estou lutando contra depressão há dois anos. “Três sombras”, ” O edifício”, “Lucille”, “Sinal e ruído”, só para citar alguns, deixam um nó muito mais forte na garganta que qualquer um desses.
Bom, o título é aqueles gibis que PODEM te fazer companhia na depressão, não que eles VÃO, necessariamente, te deixar em uma.
Referências anotadas. 2a edição a caminho com os devidos créditos.
Vamo tocando o barco. Valeu pelas indicações!
Bom, a pedidos estou postando meu top 5 da depressão por aqui.
5) Watchmen 6: a história de rorschach. Ele fazia parte da minha dieta de leitura na adolescência para momentos de tristeza e depressão, ao lado de Dead End (de quem falarei mais adiante) e as poesias de Álvaro de Campos.
4) Mulheres, de Yoshihiro Tatsumi. O criador do gekiga oferece um monte de histórias curtas sobre mulheres em um mundo dividido entre predadores e suas presas, aonde tudo é cinza e não há esperança. De modo geral a obra dele refletia os anos duros do pós-guerra japonês e tudo é permeado por um niilismo amargo.
3) Dead End: na Velocidade dos Anos Solitários, de Seyer. Isso saiu como parte da coleção Graphic Novel da Abril, era uma história Noir com os personagens com a cara de atores como Humprey Bogart e Lauren Bacall… a diferença é que aquilo é talvez um mergulho na depressão e na melancolia em forma de quadrinhos. Conta para isso diálogos afiados e brilhantes que te dão frases mórbidas a rodo para você repetir pelo resto da vida. Eu li isso repetidamente (e pavlovianamente) na adolescência: sempre que eu me sentia frustrado por esses motivos de choradeira de adolescente típico (garotas, se sentir isolado, etc.), eu lia para tomar vergonha na cara e parar de ficar chateado por tão pouco. Era minha terapia.
2) Três Dedos, um Escândalo Animado, de Rich Koslowski. Não dá pra falar muito porque isso estragaria o impacto da história, mas aquilo ao mesmo tempo é muito bom, me fez um mal estar tão grande que quando me desfiz de boa parte da coleção, ele fez junto. E não consegui assistir por meses desenhos americanos com personagens de quatro dedos (é que o polegar em países de língua inglesa não é considerado um dedo, o que é absurdo).
1) Bradherley Coach, de Hiroaki Samura. Do mesmo autor de Blade: a Lâmina do Imortal — e o único que não saiu no Brasil. Se prepare para o pior que a raça humana pode oferecer sob a proteção do estado. Os dois primeiros capítulos são pra chocar mesmo. A partir daí, a história não precisa mais disso e nos poupa de crueldade gráfica — mas saber o que você sabe através do choque pregresso torna os capítulos posteriores mas angustiantes ainda. Para você ficar com ódio da vida.
Alexandre,
não esqueça de seu anis queimado com absinto.
Valeu pelas indicações. Elas vão entrar na 2a edição com os devidos créditos.
Abs.
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Eu colocaria na lista Moonshadow criada por J.M de Matteis e ilustrada por Jon J. Muth.
Eliza,
você está certíssima. Problema é que eu ainda não tinha lido quando escrevi o post! =]
O fim da Sunflower e do Ira foi de assumir posição fetal.