Um peregrino na terra dos heróis

Se você acompanha este blog notou que, não só de quadrinhos, falamos muito sobre heróis. Composição, formas, teoria (tIoria, diz o antropólogo), tudo isso. Somos fascinados pelo assunto (e cerveja!).

Quem gosta do tema, se já se permitiu estudar, hora ou outra esbarrou no Joseph Campbell, hoje praticamente um guru nerd. (Livrarias desavisadas colocam os livros dele na sessão de auto-ajuda e religião!) Para ele, a verdade e o herói são um só, mesmo que sábios e povos dêem a eles vários nomes.

Pro guru Campbell, o herói é aquele sujeito cujas vontades pessoais levam ao bem comum. Salvar uma princesa restaura a harmonia de um reino, resgatar um anel, uma espada, um escudo, um livro, um bem valioso perdido e trazido de volta pelo herói que, no começo da história não tinha nada de altruísta. Ao contrário, ele não passava de um sujeitinho bem egoísta. Mas, ao final, os atos dele levam à restauração da paz que a relíquia representa.

Nos mitos heroicos, existe uma relação direta entre o mínimo e máximo, privado e público, individual e coletivo, fraco e forte. Intuições, vontades, faniquitos ingênuos servem como gatilho de enormes revoluções. Cidades, nações, planetas, universos inteiros são afetados pelas ações do herói.

Campbell diz que essa história é universal, acontece em qualquer lugar e tempo na História. Isso é discutível. Mas não há lugar onde esse modelo seja mais seguido do que na cidade de Washington, nos Estados Unidos.

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That`s a hell of an inspiring quote

Quem tiver chance de conhecer, percebe na hora: Washington não é só a capital do país, é a terra santa do modelo heróico americano.

De costas pro Rio Potomac, com o obelisco do Washington Monument como centro, vê-se a fachada do Capitólio de um lado, prédio/monumento de lei e justiça; à frente, a casa Branca, o menor de todos os prédios; do outro lado, o Lincoln Memorial, um templo fugido da mitologia grega.

Lincoln Memorial

Ou de um episódio do Cavaleiros do Zodíaco

Lá o velho presidente repousa sentado, austero, solene. As paredes que ladeiam o “trono” são decoradas com as palavras do lenhador-presidente, um gigante empenhado em manter a unidade de uma nação dividida, em guerra, exausta, faminta. Tudo verdade? Não importa. O que importa é a fé que se deposita no herói que habita aquele templo, e na cidade essa fé é inabalável.

Nos museus do Smithsonian, de História Natural, de História Americana e Aeroespacial, paira uma noção implícita de “evolução”, de desenrolar, de sentido ao futuro, de celebração do passado. Em cada museu, a técnica, a racionalidade, a vontade e a superação de desafios estão bem marcados, representados em instalações, pinturas, fotografias, manequins e vitrines.

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Fomos onde nenhum quadrinheiro jamais esteve

Soldados, fazendeiros, astronautas, inventores, presidentes, todos são celebrados com o mesmo cuidado e reverência. Eles são emoldurados por narrações e legendas, sempre armadas de forma a acentuar o ar de “proeza” dos atos que realizaram. Sutileza é bobagem. Qual é a medida certa da reverência de um herói?

Mas o mito do herói na cidade não estão só nos monumentos ou os museus. Cada gesto, cada momento cotidiano parece inspirado naqueles heróis que povoam as aspirações íntimas de todo sujeito comum.

Pra quem vem de fora, a impressão nos Estados Unidos é de que quadrinhos são só o primeiro passo, o feijão com arroz que semeia essa inspiração um tanto maluca. Ao crescer e amadurecer, há de se buscar ofícios e profissões. E isso não significa abrir mão da velha fantasia do super-herói. Parece que no íntimo de cada um aquela inspiração, aquele modelo de herói não sumiu. Ele só virou soldado, dentista, policial, cozinheiro, bombeiro, fazendeiro, astronauta, médico, professor, lixeiro, senador, presidente.

Aparentemente, ler quadrinhos de heróis, nos Estados Unidos, é como ler sobre si mesmo – ao menos, aquilo que todo americano almeja ser.

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Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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