
Meus amigos me consideram cético ou pessimista, mas, desde que passei a pensar com mais seriedade no assunto (falta do que fazer, admito), sempre considerei a existência de super-vilões mais plausível do que super-heróis. É verdade que a humanidade às vezes surpreende, aparece alguém capaz de grandes gestos de honestidade, perdão, solidariedade e, pensando bem, esses casos nem são tão raros assim. Mas, talvez seja a saturação de notícias ruins que nos cercam todos os dias ou o resultado da auto-contemplação, o fato é que não consigo ver a possibilidade de haver um Superman ou Batman por aí. Não que eu fique pensando em termos de plausibilidade ética quando leio gibis. É só que vez-ou-outra aparece uma história que me faz questionar o que eu faria se tivesse os mesmos poderes e o mesmo passado de alguma personagem, mas com a minha índole e minha visão-de-mundo.

Acabo de ler
Magneto: Atos de terror (
Magneto: Not a hero; roteiro de Skottie Young e arte de um monte de gente). Não é uma história de grande profundidade e nem tem a proposta de relançar a discussão sobre a legitimidade do uso da força para se atingir um objetivo que se considera justo. É um pequeno encadernado de 100 páginas, das quais apenas 80 são história (pensando agora, o preço de R$ 17,90 parece um tanto salgado por tão pouco material — maldita Panini e suas capas duras!), com mais apelo para a arte do que para o texto. Mas talvez seja exatamente essa despretensão que tenha levado Young a produzir uma versão tão humana de
Magneto.
Magneto sempre me intrigou. Vilões que se regeneram e viram heróis são quase uma constante no mundo dos quadrinhos. Heróis que degeneram e viram vilões se tornaram comuns nas últimas duas décadas. Personagens que transitam entre os dois lados, conforme as conveniências de roteiro E mercado são ainda mais comuns. Mas não consigo me lembrar de qualquer personagem que tenha transitado tanto entre os alinhamentos canônicos dos quadrinhos quanto
Magneto.

O
Velho Quadrinheiro e o
Nerdbully já teceram suas impressões sobre as raízes da super-vilania, mas não entraram na questão do que pode levar um vilão a se regenerar, decair, re-regenerar, re-decair e assim por diante. (Não sei quantas vezes
Magneto já mudou de lado, mesmo sem contar com os universos paralelos). A resposta de Young é bem simples: circunstâncias, índole e maturidade.

Em
Atos de terror, Magneto volta a enfrentar seu clone
Joseph, que pretende ser o que
Magneto já foi: o auto-proclamado líder da ascensão mutante pelo extermínio dos humanos. O
Magneto original é mais comedido, não abandonou sua crença na mutação como o próximo passo da evolução humana, mas entende que o momento é de assegurar a sobrevivência da raça e não de desencadear uma luta suicida pela hegemonia.

O
Magneto de
Atos de terror não está preso ao maniqueísmo tradicional dos quadrinhos heróicos. (É verdade que muitas outras personagens hoje também estão na área cinzenta, mas poucas histórias realmente dão espaço para que isso se apresente fora da esfera dos debates éticos internos). Ele demonstra grande domínio de seus poderes e impulsos, sem que isso seja uma violência contra sua personalidade e ideologia, e age conforme a conveniência circunstancial de sua causa. Ele não é bom, embora alguns de seus atos possam ser vistos como bondade, nem mau, ainda que muitas de suas atitudes sejam (muito) reprováveis.

Se fizermos uma leitura fria e honesta do comportamento de qualquer pessoa (sugiro que você comece por você mesmo), é exatamente esse Magneto que encontraremos na maioria dos casos. Alguns de nós são capazes de bondades desinteressadas. Outros são capazes de maldade desmedida e despropositada. A maioria de nós agirá conforme as circunstâncias e a índole e é a maturidade que vai nos levar a escolher o caminho que nos pareça mais razoável no momento. Nem heróis, nem vilões, apenas humanos.
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Sobre Quotista
Filipe Makoto Yamakami é historiador, professor, músico amador, twitólatra, monicólatra, etc.
E realmente precisa de um emprego que lhe permita pagar as contas.
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