Pensando quadrinhos: fantasia, realismo, fuga e cinismo na 9ª arte

Craig Thompson, autor dos altamente recomendáveis Retalhos e Habib, no prefácio do não menos recomendável Daytripper de Fábio Moon e Gabriel Bá, diz que os quadrinhos podem ser divididos em duas grandes linhas, que é uma da fantasia e do escapismo, da qual o gênero super-heróis seria o expoente, e outra do realismo e do cinismo, ao mesmo tempo que chama a atenção para o equívoco que é fazer essa divisão.

Nas artes traçar a linha que separa a fantasia do realismo pode ser relativamente fácil, mas não se pode dizer o mesmo sobre o escapismo e do cinismo. Se quiséssemos traçar essa linha, onde colocaríamos A Metamorfose de Kafka? Quem arriscaria apontar ali o que é fantasia e o que é realismo, o que é escapismo e o que é cinismo? E mesmo em Retalhos, Habib e Daytripper? Tão difícil na literatura quanto nos quadrinhos.

kafka

No mesmo prefácio Craig Thompson faz outra pergunta que decorre da divisão acima apontada: a arte aprimora a vida ou é só distração? Os altos críticos diriam que a Arte é aquela que aprimora a vida, e que o que é distração é mero lixo da indústria cultural.

A arte que distrai é a mesma que aprimora a vida. Ou pode ser. Quantos de nós em determinada situação não pensamos O que o Superman faria nessa situação?. Se para uma grande parte das pessoas celebridades e esportistas são modelos de comportamento, arrisco a dizer que não menos pessoas colocam nessa posição super-heróis.

Lembro agora de uma imagem bastante popular no facebook uma época, em que um menino perdido numa comic-con procurava o Flash e a Mulher-Maravilha para ajudá-lo, porque ele os conhecia. Para aquele menino, e para muitos de nós, aqueles personagens são tão reais quanto as pessoas que convivemos diariamente, até mais. Grant Morrison também relata seu encontro com o Superman em Supergods.

wwflash

Seria fácil demais separar a 9ª arte, e qualquer outra, entre uma arte realista e cínica que aprimora vida e o lixo da indústria cultural da fantasia, do escapismo e da distração, embora me depare continuamente com esse tipo de maneira de encarar os quadrinhos, seja entre aqueles que os consideram uma arte menor, ou até mesmo menos que uma arte, seja entre aqueles que recusam qualquer interpretação crítica de quadrinhos porque são “mera distração”.

Escapar dessa sepração simplista é um ponto central aqui no blog dos Quadrinheiros – gosto, e acho que aqui todos gostamos, de pensar – que a distração aprimora a vida de alguma forma, tanto quanto o aprimoramento da vida passa, também, pela distração.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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6 respostas para Pensando quadrinhos: fantasia, realismo, fuga e cinismo na 9ª arte

  1. daniel x disse:

    Faço parte de um grupo de voluntários que fazem visitas/doações a hospitais/instituições, nos moldes de Drs da Alegria. Porém, com um diferencial: não somos palhaços, somos o Projeto Social Liga da Justiça. Isso mesmo, vestidos de Super Heróis.
    Assim como as várias metáforas de Kafka, os quadrinhos trazem muita mensagem além do texto. Vide as obras Alan Moore e Frank Miller na época da Guerra Fria.
    Mas a questão é: depois que passei a fazer esse tipo de trabalho, realmente penso “O que o Shazam (meu personagem) faria nessa situação?”. Ou seja, não adiantaria ter feito uma boa ação ontem, se hoje aceito um troco errado (a mais). Seria incoerente. Com certeza, a partir do dia que comecei este trabalho, me tornei uma pessoa melhor, guiado em partes pelos ideais heroicos adquiridos nas primeiras literaturas que tive contato: as HQs.

  2. God Zamiel disse:

    Adorei ler isto, pois estava a procurar algo que expusesse diferenças entre encarar a vida com cinismo ou através da fantasia.
    Muitos parabéns e continuação de bons artigos.

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