Se você é fã de jazz a maioria das músicas da sua playlist foi lançada antes da década de 1970. Hoje alguns dos grandes nomes daquele tempo ainda estão na ativa lotando casas de shows pelo mundo, repetindo as músicas que criaram a anos atrás. Jazz é um estilo musical tocado por músicos mais velhos para um público mais velho. Mesmo que músicos mais jovens produzam alguma inovação, isso acontece numa escala muito menor e quase sem destaque. O sangue novo é mais celebrado pelo virtuosismo que pela criatividade.
Se você é fã de quadrinhos pode-se dizer que qualquer semelhança com o jazz não é mera coincidência. A comparação de duas linguagens/mídias tão diferentes pode parecer forçada, mas as semelhanças são gritantes:
Apareceram no início da explosão do gênero, elevaram a linguagem ao seu grau de excelência, sua influência e seu talento são inescapáveis.
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Na juventude alcançaram popularidade trazendo qualidade ao mainstream, mas por causa de seu espírito iconoclasta, eclodiram uma revolução estilística atrás da outra, desafiando a linguagem e afrontando as preconcepções do público.
Grant Morrison e John Coltrane
Bebendo na fonte de tudo que foi feito antes deles, aumentaram a velocidade e a complexidade da linguagem através de seu virtuosismo, drogas e devoção espiritual.
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Will Eisner/Stan Lee – Duke Ellington
Produziram de forma constante e consistente durante muito tempo e suas criações estabeleceram toda a estrutura e os parâmetros do gênero.
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Um tema simples e bem construído com bastante espaço para improviso autoral – isso poderia ser a descrição de standards de jazz como Autumn Leaves ou My Funny Valentine, mas serve para descrever personagens icônicos como Superman e Batman. Roteiristas e músicos de diferentes gerações reinventaram a seu modo esses clássicos, acrescentando elementos, simplificando ou retomando o espírito da ideia original. Ouvir todas as versões de I Got Rhythm em ordem cronológica explica a evolução do jazz assim como para entender bem de quadrinhos é só ler todas as Detective Comics desde a primeira.
Quadrinhos e jazz tem pouco mais de um século de história e apesar de serem formas de arte relativamente jovens (comparadas a outras como teatro, pintura, etc), exercem uma influência muito marcante na hoje dominante cultura pop. As duas formas de linguagem já passaram por períodos de censura, já tiveram a morte decretada, se dividem em sub-gêneros e por fim se estruturam em equipes criativas pequenas, essencialmente artesanais (bateria/baixo/piano – roteiro/desenho/arte final).
Outros gêneros se inspiraram no jazz assim como nos quadrinhos. O hip-hop no seu nascimento sampleava toda a sua base no jazz, mas hoje essa influência perdeu força e os artistas fazem referência ao próprio hip-hop. Isso empobrece a linguagem. O cinema busca avidamente inspiração nos quadrinhos e talvez dentro de alguns anos essa relação enfraqueça e os filmes passem a se autorreferir. Pior pro cinema.
A comparação entre artes tão diferentes sinaliza que talvez os processos de nascimento, refinamento e cristalização de qualquer linguagem sejam de forma geral comuns a todas elas, mas por terem tantos sub-gêneros que também se auto referem (pense na influência da literatura de ficção nas HQs de super heróis ou dos ritmos africanos no jazz), o tamanho do potencial criativo dessas intersecções é quase imponderável.
Por tudo isso quadrinhos foram, são e serão sempre música para os meus ouvidos.
Fonte – http://www.comicsbulletin.com/columns/6102/bin-there-found-that-jazz-vs-the-superhero-comic-book/
Fonte – http://www.comicbookresources.com/?page=article&id=39048
fantástico! E não tem coisa melhor que ler quadrinhos ouvindo jazz ❤
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Bela interpretação da história dos quadrinhos!
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