O Oriente Médio quadro a quadro

A Primavera Árabe, o interminável conflito Israel/Palestina, o fundamentalismo islâmico e as guerras motivadas pelo petróleo e pelo terrorismo estão o tempo todo nos jornais. Por mais distante que estejamos de tudo isso o papel de um país como o nosso no mundo depende de sua posição frente a essas questões, afinal nossa cultura ocidental se construiu a partir da influência desses povos e de suas religiões e a cada vez maior pluralidade étnica e religiosa de todos os países no mundo globalizado nos torna co-responsáveis quando decidimos alguma aspecto da política externa ou quando precisamos lidar com refugiados e imigrantes.

Os quadrinhos, por serem uma arte ainda muito marginal, mostram ângulos surpreendentes e inusitados, possibilitando uma compreensão mais complexa e profunda deste canto do planeta. Aqui vai uma lista de histórias em quadrinhos que já foram publicadas em português pra quem quiser saber mais:

O Paraíso de Zahra –  Amir Soltani e Khalil Bendib (2012)

O título da novela gráfica faz referência ao cemitério que fica na cidade de Teerã, capital do Irã. Zahra, a protagonista, termina lá sua busca por seu filho Mehdi desaparecido numa manifestação de oposição ao regime teocrático dos Aiatolás. O irmão de Mehdi, tem um blog onde denuncia o governo e não por acaso seu blog chama “O Paraíso de Zahra”. Este movimento cíclico que fecha a história em si mesma dá mais uma volta: as páginas da HQ foram postadas num blog chamado “O Paraíso de Zahra”, como se o irmão de Mehdi estivesse denunciando o sumiço de seu irmão em forma de arte sequencial (só posteriormente foram publicadas num livro).

Paraiso de Zahra

Recentemente a ONG Direitos Humanos Unidos pelo Irã lançou uma campanha pela internet para que a personagem Zahra seja candidata a presidente do país, num protesto contra as eleições e contra o tratamento que se dá as mulheres (as eleições acontecem agora no dia 14 de junho de 2013). Mais informações no site – vote4zahra.org

Palestina – Joe Sacco (1996)

Jornalismo em quadrinhos é um dos desdobramentos mais interessantes da arte sequencial. A possibilidade de colocar o leitor diante de uma determinada realidade, testemunhando a vida de pessoas reais (por mais que sejam personagens de uma história inspirada na realidade). As expressões faciais pesarosas e a tentativa de reconstrução do sentimento de pertencimento revelados nos depoimentos e nos traços sombrios e pesados de Joe Sacco.

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Além de Palestina, Sacco escreveu e desenhou outras histórias jornalísticas como Área de Segurança – Gorazde (2000), O Mediador: Uma História de Sarajevo (2003) e Notas sobre Gaza (2010), entre outras. Todas as suas histórias valem pela honestidade e crueza com que o autor faz a denuncia e pela forma como ele conduz a investigação jornalistica como um personagem da própria história cuja presença modifica os rumos do relato e o humaniza.

Habibi – Creig Thompson (2011)

A arte minuciosa de Creig Thompson em Habibi vai muito além do apuro gráfico. A história novelesca de duas crianças que se encontram e se perdem, que se apaixonam e sofrem com as inseguranças internas e papéis sociais impostos até o reencontro e a redenção na maturidade, servem de pano de fundo para um mergulho profundo na cultura/religião islâmica. As histórias da tradição islâmica que Dodola conta para Zam ilustram a relação da tradição oral e da palavra escrita com as revelações recebidas pelos profetas. A matemática/geometria, a ciência aristotélica (conhecimento que os árabes preservaram e reintroduziram no ocidente) e a astronomia/cosmologia que são as bases de toda a alquimia e posteriormente toda a ciência moderna, são desenhadas por Thompson como um caleidoscópio, uma espiral que vai levando o leitor a uma compreensão da mística islâmica além do que seria esperado de uma novela gráfica.

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Thompson é um excelente contador de histórias. Seu trabalho mais famoso – Retalhos (Blankets em inglês, publicado em 2003) – é um tijolo de 600 páginas que está muito mais próximo do romance literário do que de uma história em quadrinhos, mas em Habibi a importância do trabalho gráfico para a cadência e profundidade da história é crucial. Cada detalhe, do ornamento nas bordas da página às sombras das areias do deserto ou o drapeado dos tecidos compõe um conjunto harmônico com a narrativa e fazem com que o leitor consiga ler as curvas do alfabeto árabe sem precisar de tradução.

Como entender Israel em 60 dias ou menos – Sarah Glidden (2010)

60 days

O programa Birthright (direito de nascença) é um fundo do governo de Israel que patrocina viagens de descendentes judeus de todo o mundo para visitar a terra prometida. Uma jovem judia americana (a própria autora e artista da história em quadrinhos) resolve fazer a viajem apesar de suas convicções políticas liberais pró Palestina. O resultado é inesperado e complexo, mas a narrativa do ponto de vista de uma pessoa comum (não é uma investigação jornalística, é uma jornada de auto conhecimento), expõe as fragilidades dos argumentos de ambas as partes.

Persépolis – Marjane Satrapi (2007)

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Fim da infância, adolescência e início da maturidade da própria autora, vividas durante a revolução islâmica no Irã na década de 80. Os sonhos, medos, decepções e a patrulha dos costumes e perseguição política pelo olhar de uma pessoa comum, uma mulher inteligente e cheia de vida. A personalidade forte de Marjane cativa o leitor e faz uma denuncia contundente das atrocidades que aconteceram ao seu redor (essa personalidade fica mais evidente no filme de animação baseado nos quadrinhos que ela mesma dirigiu – vale muito assistir aos extras do DVD).

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Um indicação adicional é o excelente filme que depois foi adaptado para o formato HQ – Valsa com Bashir, sobre massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em 1982 durante a Guerra do Líbano.

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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4 respostas para O Oriente Médio quadro a quadro

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