Desencantamento e niilismo em Mestres do Universo: Salvando Eternia

he-man e os mestres do universo capa

Um pouco de filosofia e sociologia em Mestres do Universo: Salvando Eternia.

A parte 2 de Mestres do Universo: Salvando Eternia estreou na Netflix com a volta triunfal de He-Man conforme prometido por Kevin Smith. Infâncias arruinadas foram devidamente salvas, exceto dos mais chatos nerds, hoje chamados de nerdolas.

Passado o riso, o lamento e o ódio é possível compreender, parafraseando Spinoza.

Mestres do Universo: Salvando Eternia traz um importante conflito. E não é o Bem contra o Mal, He-Man contra Esqueleto, mas sim magia versus ciência, em um sentido próximo do que Weber chamou de desencantamento do mundo.

(SPOILERS ADIANTE E ATÉ O FIM DO TEXTO. VOCÊ FOI AVISADO.)

Na primeira parte, vemos os efeitos devastadores do fim da magia em Eternia e o culto a um ídolo tecnológico pelos vilões Tri-Klops e Mandíbula, que aliena as pessoas do livre arbítrio para servir à Máquina.

Ao formular o conceito, Weber apreende um momento importante desse desencantamento que é o desencantamento pelo pensamento científico.

Sobretudo a partir do século XVIII e o desenvolvimento da física newtoniana o mundo passou a ser compreendido como regido por certas leis, as famosas Leis da Física, ou Leis de Newton. A dimensão transcendente estava afastada desse processo, portanto.

Por mais crente que alguém possa ser em, genericamente, algo maior, o pensamento ocidental passou por esse processo de desencantamento e não há como pensar fora das condições de pensamento de uma época (ainda que seja possível criar novas condições). Foucault chamaria isso de episteme.

tri klops he man

No nosso mundo o desencantamento ocorreu, dentre outros motivos, por meio do pensamento científico. Não é o caso de Eternia, onde ocorre de maneira bastante literal e palpável, em um mundo onde, a julgar pela ciência avançada em determinados campos, sobretudo o bélico, o pensamento transcendental pôde conviver com o pensamento científico sem grandes cisões.

Aliás, descobrirmos o plano transcendental de maneira muito concreta na animação, em Pretérnia, o Paraíso, e Subternia, o Submundo.

Na segunda parte da série o problema do desencantamento do mundo desloca-se para o problema de existir ou não um Criador. Costuma-se associar a pergunta da existência ou não de um plano de existência superior ao sentido do mundo, ao nosso sentido no mundo. Afinal, se existe um Criador, existe um outro plano e um sentido no mundo que o transcende, um sentido para a existência de cada um.

Mas no caso de Eternia, a existência desse outro plano transcendente não está ligado à existência de um Criador. É o que provoca o desespero de Maligna ao vislumbrar o esplendor de um universo sem um “grand-design”, termo utilizado na série no idioma original, o inglês. Útil lembrar que o design inteligente é a hipótese pseudocientífica para negar a teoria da evolução, que basicamente propõe que o desenvolvimento da vida deu-se por interferência de uma inteligência exterior, e não pela evolução.

vazio mestres do universo

Maligna sucumbe ao desespero diante de um universo que é puro caos sem propósito, e, uma vez que não viu o sentido que esperava encontrar, almeja a destruição de toda a criação, começando por Pretérnia, acabando com a espiritualidade de Eternia, continuando o processo de desencantamento do mundo.

Espécie do que poderia ser chamado de niilismo negativo a partir de Nietzsche. Maligna oscila entre um nada de vontade (nada vale a pena se não há um grand-design) a uma vontade de nada. É a vontade de nada de que move Maligna para a destruição de toda a criação, que passa a ser seu objetivo, após desdenhar e ressentir-se do objetivo de Esqueleto, que é pura e simplesmente destruir He-Man, mesmo com todo o poder do universo em suas mãos.

maligna deusa he-man

Maligna apenas supera esse niilismo quando vê o mundo com os olhos de Teela, que tornou-se a nova Feiticeira, conseguindo enxergar a magia, o reencatamento do mundo. Em outras palavras, um propósito para a existência.

E tudo indica que esse meta conflito continuará numa nova temporada da série, uma vez que o gancho para a próxima é a assimilação de Esqueleto pela Máquina cultuada por Tri-Klóps e Mandíbula, revelando o símbolo de Hordak (será que veremos She-Ra na próxima temporada?).

Mas e He-Man? Bom, sinto informar (se é que você não reparou) mas a protagonista do desenho é Teela e sua jornada para tornar-se Feiticeira. Aliás, o diálogo entre Esqueleto e He-Man torna isso explícito em vários níveis:

Esqueleto: … Tem que terminar assim, He-Man e Esqueleto, presos numa batalha eterna!

He-Man: Não, isso não se trata de nós!

É o recado de Kevin Smith: não é sobre He-Man e Esqueleto, mas sobre Teela e Maligna, sobre a luta pelo reencantamento do mundo, a descoberta de um propósito maior, e, também, sobre compreender de maneira mais ampla o mundo conhecido quando criança.

mestres do universo final

E, além disso… foi muito legal ver He-Man evocando o poder de Grayskull sem a Espada, tornar-se um bárbaro berserker, lutar lado a lado com Esqueleto (sendo devidamente traído, é óbvio) e dar porrada no exército do Mal.

A criança e o adulto em mim estão igualmente satisfeitos.

Torçamos para uma nova temporada. O gancho está lá.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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9 respostas para Desencantamento e niilismo em Mestres do Universo: Salvando Eternia

  1. Pingback: Qual o problema de Mestres do Universo: Salvando Eternia? | Quadrinheiros

  2. MAURICIO DA SILVA PINHEIRO disse:

    Vc tá de sacanagem ne foi horrível pega personagem icônico qual he man joga de lado como ser fosse um secundário foi horrível mesmo que pega a xena e joga de lado da protagonismo para um homem

  3. Wellington Bernardo disse:

    Horrível é pouco, sem sentido algum, história desconexas, Teela seduzindo Esqueleto, muito bizarro, preternia é completamente destruída, Maligna se transforma em Divindade, Agora sabemos que a espada é só um condutor, com todas estas indiosincrazias, as pessoas assistiram por quê, queriam ver He Man, já o Adam, esse sim é desnecessário, ele não tem implicância alguma para a história, e está série de longe não tem nada a ver, com a dos anos 90, espero que não façam outra temporada.

  4. Rogério disse:

    Excelente!!! É uma série de protagonismo feminino, e só por isso já foi incrível! Aguardando uma terceira temporada.

    • DOUGLAS DOS SANTOS LIMA disse:

      Muito bom interessante sua análise sobre o desenho e a filosofia que o cerca. Ajudou-me a observar outras nuances, desse que acredito ser um clássico resignificação. Só não creio que o desing inteligente seja incompatível com a evolução. No mais, parabéns e obrigado pela visão.😉

  5. Walberto disse:

    Disse tudo! Esse tbm é o problema que vi. Não foi o fato de colocar uma mulher como protagonista e sim se tirar o protagonismo do personagem principal e colocar em um secundário. Se colocassem o Mentor ou qualquer outro personagem masculino pra de protagonista eu TB não iria gostar. Sua colocação sobre a Xena exemplifica bem essa questão

  6. Davidson disse:

    Sinceramente não gostei mt pq não tem nenhuma ligação com she rah

  7. Alex disse:

    Uma porcaria esse desenho estragou o nome do He-man

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