O que Evangelion 3.0+1.01 – A esperança pode dizer além de tudo que a franquia já disse?
Antes de começar, um aviso: este post tem spoilers, especialmente dos últimos filmes lançados na plataforma da Amazon. Mas se você conhece um pouco da série sabe que isso fará pouca diferença.
Pra tentar dar um pouco de sentido, de modo geral a saga de Evangelion tem a seguinte cronologia:
Evangelion – 26 episódios (1995) que narram a saga original criada por Hideaki Anno. Com começo, meio e fim, somos apresentados aos pilotos dos gigantescos “ciborgues” chamados de “EVA”. Shinji Ikari, Asuka Langley e Rey Ayanami são adolescentes à serviço da NERV, a organização multinacional com uma agenda obscura contra o ataque dos monstros alienígenas, chamados de “anjos”.

A história da guerra contra os anjos se confunde com o desenvolvimento emocional de Shinji. Aos poucos os eventos sobre o conflito são deixados de lado, dando lugar às inflexões subjetivas do protagonista. O último episódio é praticamente uma catarse psicanalítica, com Shinji alcançando auto-aceitação, expressa nas palmas de seus amigos e familiares.
The End of Evangelion (1997), é uma produção que responde ao apelo de fãs por uma finalização mais objetiva (?), dramática e apocalíptica da série original. Traz passagens tão polêmicas como brutais, prato cheio para quem tinha a expectativa de um fim proporcional ao mergulho teológico que a série original prometia.

Evangelion 1.11 – Você (não) está sozinho (2007), é o 1º episódio de Rebuild, uma “releitura” feita por Hideaki Anno e produzida pelo estúdio Gainax sobre a primeira metade da série original. Sem grandes alterações de roteiro, traz uma animação mais refinada de marcos narrativos já conhecidos do público.

Evangelion 2.22 – Você (não) pode avançar (2009), 2º episódio da releitura, que dá novas direções a pontos estabelecidos na série. Por exemplo, aqui se substitui o arco do piloto da unidade 03, que originalmente era Toji Suzuhara, o amigo de escola de Shinji, por Asuka Langley, alvo de muitos dos confusos sentimentos do protagonista.

Compõe o time de pilotos a nova personagem, Mari Illustrious Makinami, única pessoa aparentemente sã em toda saga. O longa termina com o que parece ser um “3º impacto”, evento cataclísmico que a NERV supostamente deveria impedir (na verdade era o que Gendo Ikari buscava, vez que era o único meio para finalmente se reunir à esposa morta no sopão laranja. Pois é.).
Evangelion 3.33 – Você (não) pode refazer (2012), 3º episódio da releitura, que traz o distanciamento mais radical de tudo que a série ou outros episódios haviam estabelecido. Revela-se que ao enfrentar o último anjo do episódio anterior Shinji foi lançado 14 anos no futuro. Ali, Misato Katsuragi desertou da NERV e agora lidera uma nova agência, a WILLE, formada por sobreviventes do último grande combate entre os EVA e os anjos, incluindo Mari e Asuka, a dupla mais implacável de pilotos de EVA.

Assim como o espectador, Shinji atravessa o episódio tentando entender o que está acontecendo. Nesta nova realidade ele se une à NERV, liderada por Gendo, seu pai, e Rey Ayanami. Como já bem sabemos a esta altura, Rey é nada mais que a versão mais recente do clone da mãe de Shinji.
Após Rey ser “fagocitada” por um anjo, Shinji tenta salva-la. Junto de Kaworu Nagisa, passa a pilotar o EVA – 13, versão vitaminada da unidade 01, portando um par a mais de braços. Após uma longa e confusa sequência de animação, Shinji é derrotado pelo anjo e é “resgatado” por Asuka.
Evangelion 3.0+1.01 – A esperança, de 2021, é o quarto e último episódio da releitura de Evangelion. Aqui todas as linhas se cruzam e chegam a um longo e caleidoscópico clímax. E o espectador, que passou por todo este percurso, se pergunta: “e aí”?
Assim como no final da série original, existe o aspecto “objetivo” da narrativa. Há robôs gigantes lutando. Mas as batalhas, visualmente confusas, aceleradas e complexas, são entremeadas por frames estáticos e de fundos oníricos. A bordo do EVA-01, Shinji enfrenta – e finalmente compreende – seu pai, ele mesmo o último anjo. Enxerga a dor esmagadora da perda da esposa e a necessidade impávida por controle e auto-isolamento. Assim, ao entender o pai, Shinji se reconhece.

Shinji reconhece os sentimentos, agora no passado, por Asuka. Ele reconhece a perda definitiva de Rey. Ele finalmente se empenha em compreender os anseios e frustrações de quem o rodeia. E genuinamente espera que cada um encontre o melhor desfecho possível para a própria existência, incluindo ele mesmo. Ao recusar vencer o último anjo, o resultado é a criação de uma nova realidade em que não existem EVAs, anjos 2º ou 3º impacto.
Indispensável lembrar, a saga criada por Hideaki Anno é repleta de elementos autobiográficos. As questões vivenciadas por Shinji e a depressão debilitante de Anno são inseparáveis na forma que Evangelion foi produzida, relida e materializada ao longo dos anos. A pressão de prazos, o apelo do público, os conflitos e reconciliações que os personagens experimentam tornam ficção e realidade elementos tangentes, mutuamente influentes. E talvez revelem o estado terapêutico do criador da série.
Evangelion 3.0+1.01 – A esperança não traz algo exatamente novo a uma longa narrativa. Mas recontextualiza elementos que antes pareciam intocáveis. O pai, de antagonista, tornou-se um semelhante. Se relacionar implica se expor e aceitar. Não há garantias de sucesso. Mas o desespero não pode afogar a esperança.

No metatexto de Evangelion, os campos AT projetado pelos EVAs são véus de isolamento emocional, que só podem ser rompidos por força bruta ou traumas intensos. Na terceira vez que busca um final (no original, o subtítulo do capítulo é “Thrice upon a time”), Hideaki Anno parou de tentar romper estas defesas. Ele apenas convidou o espectador para entrar.
Se você chegou até aqui e não tem a mínima ideia do que se trata Evangelion e quer saber um pouco mais sobre o assunto, já falamos um pouco sobre o assunto aqui. Se quiser saber mais, vale assistir a apresentação feita pelo canal Meteoro.
Péssimo título. Hideaki Anno apenas estava se expressando ao escrever a história. Tanto que o sucesso de Evangelion o assustou e as intensas críticas o fizeram se arrepender repetidas vezes sobres pontos da história.